Acabo de inventar esse lema, extraído de um slogan publicitário que estimula a reprodução humana prazerosa. Não importa. Centenas de lemas e outras artimanhas publicitárias foram inventados e profusamente utilizados, incluindo um Ano e um Dia Internacional da Água, para ressaltar a importância de preservar as fontes de água, já não só para as gerações futuras, mas inclusive para a nossa. Mas surpreendente é constatar que após anos de campanha sobre a importância da água, denunciando a iminência de um desastre de proporções catastróficas nos níveis local, nacional e universal, pouco ou nada tem acontecido que corresponda sequer medianamente à urgência e gravidade do problema.
Os políticos, que decidem o que se faz, pretendem resolver todos os problemas referentes à água simplesmente extraindo mais. Quase nunca se escuta deles uma proposta que implique preservar, conservar ou melhorar as fontes da água. E, se falam algo sobre isso, em geral é só conversa fiada. Continuam achando que a água é inesgotável e que qualquer pessoa ou instituição que objete uma nova exploração do recurso é um anti-social ou um lunático. Por isso, de uma parte, se fala tanto em explorar o Aqüífero Guarani, na transposição do rio São Francisco ou em tirar água das unidades de conservação, e, de outra parte, o próprio Ministério do Meio Ambiente está cancelando o maior programa de manejo de bacia já elaborado no Brasil, o da bacia do rio Alto Paraguai, mais conhecido como Programa Pantanal.
Mas esses são apenas exemplos do que acontece em todo o país, em qualquer escala de governo. Os políticos, que como bem se sabe na sua maioria apenas pensam no seu próprio futuro e nos seus salários, apartamentos e automóveis oficiais, preferem continuar aumentando a pressão sobre o recurso, para agradar temporariamente a seus eleitores, ao invés de se preocupar com o futuro muito próximo ou, menos ainda, com a próxima geração de cidadãos que, por razões óbvias, não votarão neles. É a eterna política de “depois de mim o dilúvio”. Só que neste caso não existirá dilúvio nenhum.
De um lado estão o efeito estufa e as mudanças climáticas decorrentes do desmatamento massivo e das queimadas, da falta de manejo das bacias hidrográficas, da destruição das unidades de conservação. Do outro estão os impactos negativos acumulados pelas barragens e outras obras hídricas, a exploração da água subterrânea e a contaminação de todo tipo. Assim fica conformado um cenário dramático para o abastecimento de uma população que, para piorar as coisas, é crescente em número e em consumo por pessoa.
Apenas como exemplo, esta coluna aborda a relação das unidades de conservação com o abastecimento de água e a relação do desmatamento com a precipitação pluvial, ou seja, apenas dois dos elementos da complexa equação do ciclo da água.
Um estudo do World Wildlife Fund (WWF) e do Banco Mundial (unidos na Aliança para a Conservação de Florestas e Uso Sustentável) preparado há poucos anos, revelou que mais de 30% das 105 maiores cidades do mundo dependem de unidades de conservação (parques e reservas) para seu abastecimento de água. Segundo a pesquisa, as florestas protegidas por tais áreas ajudam a manter a boa qualidade da água e podem até aumentar a sua quantidade, no caso das florestas tropicais úmidas. Entre as cidades analisadas figuram seis capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza. Com exceção de Fortaleza, todas as cidades brasileiras pesquisadas dependem em maior ou menor grau de áreas protegidas para o abastecimento da população.
Um exemplo de Nova York ilustra o potencial das áreas protegidas para as cidades. Ante a necessidade crescente de água, a administração da cidade optou por processar a água potável filtrando-a naturalmente pelas florestas, a um custo inicial de 1 a 1,5 bilhão de dólares no período de dez anos. Ainda que a soma possa parecer exorbitante, ela é sete vezes menor do que os 6 a 8 bilhões de dólares que seriam gastos, nesse lapso, utilizando a forma tradicional de tratar água potável, sem contar os 300 a 500 milhões anuais em custos operacionais adicionais.
Mais de 350 mil pessoas do Plano Piloto de Brasília, 15% da população, se abastecem diariamente da água que é armazenada no Lago Santa Maria, que fica dentro do Parque Nacional de Brasília. Desde 1970, a CAESB, Companhia de Água e Saneamento de Brasília, explora este recurso sem pagar um tostão, e cobra, muito caro, dos consumidores. O Parque é a única garantia de sobrevivência desta fonte de água, mas deve ser mantido com os modestos recursos que lhe são repassados pelo Ibama e os ingressos dos visitantes ao setor conhecido como Água Mineral, insuficientes para preservar a área. Com base nos artigos 46 e 47 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, lei 9.985), a CAESB deveria pagar anualmente uma porcentagem das suas rendas ao Ibama, que deveriam ser utilizadas no próprio Parque.
Outras centenas de unidades de conservação no Brasil conservam as fontes de água, asseguram sua qualidade e abastecem a sede e as necessidades sanitárias de milhões de brasileiros. Esse serviço significa vários bilhões de reais por ano cobrados pelas empresas, inclusive as privatizadas. Mas, apesar da lei, nenhuma empresa de água e saneamento do país contribui para o manejo dos parques e reservas federais ou estaduais, que carecem do mínimo necessário para subsistir e para cuidar da natureza e conseqüentemente, da água. Os políticos que fizeram e aprovaram a lei 9.985 não se importam nem um pouco com o descumprimento da sua própria lei. Bem ao contrário, eles continuam facilitando a exploração destrutiva das fontes de água: “Depois de mim o dilúvio”. Pior, muitos deles saem falando por aí que as unidades de conservação são “coisa de gringos” e que elas não servem para nada.
A relação entre as florestas e a água é intuitivamente conhecida há séculos. Justa fama ganhou, nos anos 1970 e 1980, o professor Enéas Salati, que num estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da USP analisou o ciclo hidrológico amazônico demonstrando, desta vez com base científica, como o desmatamento reduzia a precipitação pluvial. Novas pesquisas recentes confirmam, com argumentos novos, os achados de Salati. Cientistas australianos referendam que o desmatamento na Amazônia está reduzindo as chuvas e provocando mudança climática na região. A chave deste novo estudo foi mapear o ciclo de uma versão molecular pesada da água (deutério). A água evapora com mais rapidez através de plantas do que através de lagos e rios. Elas transpiram as moléculas de água e as lançam de volta ao ar, sem discriminar entre moléculas comuns ou pesadas. Ao acompanhar o ciclo da água do rio Amazonas para o Oceano Atlântico, sua evaporação e a chuva, os australianos descobriram que houve redução de precipitações de água de moléculas pesadas desde os anos 1970. A água de molécula pesada não estaria mais voltando para a atmosfera em forma de chuva porque há menos vegetação, sinalizando uma relação entre o desmatamento e a chuva. Os pesquisadores afirmaram que essa é a única explicação possível para o fenômeno constatado e, esquecendo de Salati, concluíram dizendo que “esta é a primeira demonstração de que o desmatamento tem um efeito observável na quantidade de chuva”.
Como se essas demonstrações fossem insuficientes, no ano passado outra equipe de cientistas, desta vez do Instituto do Milênio (que conduz o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia, descobriu que a formação de nuvens na maior floresta tropical do mundo depende muito do composto 2-methylthreitol (C5H7O4), partículas de aerossol que são núcleos de condensação das nuvens, apontando para uma ligação efetiva entre as emissões biogênicas da floresta e o clima sobre ela. Esse composto orgânico é produto de oxidação fotoquímica do isopreno. Até então, se desconhecia a possibilidade desse composto químico atuar como precursor de partículas. O dr. Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, que participa do projeto, sentenciou: “Agora, podemos afirmar que também o desmatamento, por causa dessa nova ligação que foi descoberta, diminui a quantidade de núcleos de condensação de nuvens”.
Mas, será que os políticos ficam sensibilizados por essa overdose de evidências? Claro que não. Até os distintos embaixadores e diplomatas do Itamaraty foram instruídos para não dar a mínima bola às críticas que o país recebe nos foros internacionais pelo desmatamento sem controle da Amazônia. Afortunadamente, eles são suficientemente preparados e inteligentes para contornar o problema, dando uma resposta diplomática que não os faça parecer ridículos, defendendo o “direito a desmatar mais para progredir”. O futuro da água na Amazônia e no Brasil interessa mais aos próprios brasileiros do que a ninguém no planeta.
Tudo faz prever que daqui a duas ou três décadas as únicas matas que sobrevirão serão as contidas nas áreas protegidas ou unidades de conservação e, quiçá, nas terras indígenas. Retribuir essas áreas pelo beneficio social e econômico que oferecem, preservando a qualidade da água e assegurando sua produção permanente, é o mínimo que pode ser feito para ter um futuro um pouco melhor, apesar dos políticos. Eles, que sem dúvida prezam muito o slogan “sexo é vida”, poderiam associar as idéias e pensar nas suas responsabilidades quanto à água com a mesma freqüência com que pensam em sexo.
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