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Cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro

Cresce a importância das instituições financeiras nas questões ambientais. Mas não podemos confundir papéis e querer responsabilizá-las por danos de terceiros.

20 de outubro de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Nos próximos dias 25 e 26 de outubro, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) realizará em Nova Iorque uma mesa redonda de sua Iniciativa Financeira. A Iniciativa Financeira do PNUMA é uma parceria global que congrega o PNUMA e cerca de 200 instituições financeiras que vão desde bancos, gestores de fundos e outras. Paralelamente à Iniciativa Financeira existem os chamados princípios do Equador, a Environmental Bankers Association e a Environmental Finance. Todas essas instituições demonstram que o meio ambiente é hoje, e cada vez mais, parte do mundo dos negócios e, em especial, das altas finanças. De fato, questões ambientais mal resolvidas podem significar enormes riscos para as instituições financeiras.

A natureza dos riscos é variada: (i) existem os riscos decorrentes das instituições financeiras como financiadores de empreendimentos que venham a causar problemas ambientais; (ii) riscos decorrentes do fato de que as instituições financeiras, por um motivo ou por outro, passem a ser proprietários de empresas com problemas ambientais graves; (iii) riscos à imagem por financiamentos a projetos causadores de impactos ambientais negativos e muitos outros.

O Brasil tem registrado uma tendência a querer enquadrar às instituições financeiras no conceito de poluidor indireto, previsto na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente [1]. Pretendem os adeptos da tese que, se um empreendimento está causando dano ao meio ambiente, o agente financeiro do empreendimento deve responder pelo malefício, visto que indiretamente é responsável, que foi praticado com o dinheiro do financiador e que, sem tal dinheiro, o dano não teria ocorrido. A tese é fascinante, mas daí a ser jurídica é uma outra história.

A responsabilidade ambiental é objetiva e, como tal, exige um nexo de causalidade entre o fato (ação ou omissão) e o dano. Ora, não há qualquer lei vigente neste país que imponha a um banco o dever de fiscalizar os efeitos ambientais de seus financiamentos. O que os bancos e agentes financeiros podem e devem exigir são os documentos que comprovem a regularidade ambiental dos projetos e empreendimentos. Qualquer coisa além disso seria a transferência, de fato, das funções dos órgãos ambientais para as instituições financeiras. Assim, como regra, não se pode aplicar às instituições financeiras o conceito de poluidor indireto pelo simples fato de que elas tenham financiado um empreendimento. A única hipótese seria por meio da comprovação de culpa, o que implica no conhecimento do fato danoso ao meio ambiente.

Biossegurança

Certamente, as instituições financeiras, quando forem proprietárias do negócio ou dele tiverem a gestão, responderão pelos resultados ambientais como qualquer proprietário de um empreendimento que cause danos ao meio ambiente e não pelo simples fato de serem financeiras, como pretendem alguns. Assim, se um agente financeiro negociou imóveis construídos sobre terrenos contaminados, certamente terá que se responsabilizar perante os adquirentes pelos danos decorrentes da contaminação. Daí porque, seguramente, a realização de auditorias ambientais prévias à aquisição de terrenos é cada vez mais uma exigência impostergável.

Igualmente, nas hipóteses nas quais as instituições financeiras passem a ser as proprietárias ou acionistas importantes de fábricas e outras instalações industriais, a responsabilidade, por sucessão, se fará presente. Aqui não há uma relação de responsabilidade que surja pelo fato de que a instituição é financeira, mas cuja origem se reporta ao fato de que ela é proprietária ou gestora de um empreendimento que causa danos ao meio ambiente. Esta é uma diferença jurídica muito grande e precisa ser ressaltada, sob pena de misturarmos alhos com bugalhos, algo que com muita freqüência ocorre no chamado Direito Ambiental.

A recente lei de Biossegurança [2] , em arroubo nacionalista bem típico dos dias atuais, chega a estabelecer que instituições financeiras estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação. Ora, com todo o respeito que o legislador nos merece, a lei brasileira não pode exigir que instituições financeiras não sediadas no Brasil, pois do contrário seriam empresas organizadas sob as leis nacionais e, portanto, brasileiras, exijam documentos para a concessão de financiamentos, sob pena de co-responsabilização. Aqui se criou uma ultra territorialidade da norma, completamente fora das normas do direito internacional privado e do próprio regime de responsabilidade, visto que não se pode gerar responsabilidade a partir da exigência ou não de um papel, por mais importante que ele seja. Aqui está evidente o preconceito contra os bancos e financeiras conjugado com o temor de que um pé de milho transgênico possa acabar com o mundo.

Fundos de pensão

As boas ou más condições ambientais de um empreendimento, igualmente, irão se refletir na taxa de juros cobrada para a concessão de financiamentos, visto que os empreendimentos mais saudáveis ambientalmente terão riscos menores e, portanto, poderão ser financiados em condições mais favoráveis.

Uma outra questão importante é a dos fundos de pensão que, cada vez mais, assumem o papel de importantes atores no mundo financeiro, com participações extremamente relevantes em diversos empreendimentos. A apressada tese de que as instituições financeiras devem ser responsabilizadas como poluidores indiretos, pelo simples fato de financiarem empreendimentos certamente terá uma repercussão extremamente negativa sobre a poupança de milhões de aposentados que colocaram suas vidas em fundos com vistas a ter uma velhice mais decente, buscando uma alternativa à verdadeira tunga representada por fatores previdenciários e outros mecanismos que transformam contribuições de uma vida inteira em migalhas a serem recolhidas pelos sobreviventes de aposentadorias miseráveis. Assim, em nome de uma ligeira tese que visa atingir os bancos, pelo simples fato de serem bancos, poderemos estar prejudicando milhões de pessoas que passarão a responder com parte de seu patrimônio por danos ambientais, cuja existência desconhecem.

O encontro do PNUMA mostra que é crescente a importância das instituições financeiras nas questões ambientais e, certamente, elas poderão desempenhar um papel importante no contexto ambiental, visto que o seu poderio pode se constituir em um valoroso fator de conscientização e mudança. Não devemos, contudo, confundir os papéis que cada um deve protagonizar. Bancos não são agências ambientais e não são responsáveis por controle ambiental. A primeira razão que justifica a existência de um banco é gerar dividendos para os seus acionistas. Hoje, os acionistas, cada vez em número maior e mais disseminados, refletem uma preocupação ambiental da sociedade e esperam que as instituições financeiras invistam em bons projetos, isto é, aqueles que possam gerar lucros, e, concomitantemente, não causem problemas ambientais. Há que se ter cuidado, contudo, para não matar a galinha dos ovos de ouro. Não se resolverão os problemas ambientais “inventando” uma responsabilidade para as instituições financeiras que elas não têm. A experiência internacional demonstra que os resultados são pífios. Ao contrário, há que se buscar nas instituições financeiras um importante aliado para melhorar a qualidade dos projetos a serem financiados. A própria percepção dos riscos, tão apuradas nas instituições financeiras, é um elemento seguro para influir no valor das taxas de financiamentos e outros mecanismos aptos a promover a chamada sustentabilidade.

[1] “Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: ………..IV – poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental…”

[2] Lei nº 11.105, de 24.03.2005 Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento.
§ 4o As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação.

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