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De fora para dentro

O primeiro diretor de licenciamento do Ibama no governo Lula hoje trabalha no Pnuma, programa da ONU para meio ambiente. No Quênia, Nilvo Silva vê o Brasil com outros olhos.

26 de abril de 2007 · 17 anos atrás

Nilvo Silva não tem nome de italiano nem de alemão, não é milico nem padre e tampouco anda com um adesivo da bandeira do Rio Grande do Sul afixado na lataria do seu automóvel. Mesmo assim, ele é inconfundivelmente gaúcho. Engenheiro químico de profissão, passou pela Varig no início da carreira profissional, adora um bom churrasco, não dispensa um chimarrão e acompanha, mesmo à distância, os resultados do seu time, o Internacional.

Sua gauchice anda exarcebada. É o efeito do banzo. Nilvo vive longe de casa. Mora em Nairóbi, no Quênia, onde é funcionário concursado do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Não chegou ali por acaso. Tem alentado currículo ambiental, área que conhece a fundo: ainda no Brasil, ocupou cargos importantes nas três esferas de governo.

Nilvo trabalhou na Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Porto Alegre e em 1999 assumiu a presidência da Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (Fepam). Com a vitória do PT para a Presidência da República em 2002, Nilvo foi convidado pela ministra Marina Silva para ser o diretor de Licenciamento do Ibama, cargo que ocupou até abril de 2005, quando deixou o Brasil para ingressar nos quadros do Pnuma.

O que é o Pnuma? Qual sua importância para o Brasil?

Nilvo- O Pnuma é o braço das Nações Unidas na área ambiental. Como a própria ONU, é uma instituição intergovernamental. Historicamente com uma função normativa nas esferas global e regionais, ele tem sido o centro das negociações dos grandes acordos ambientais multilateriais. O Pnuma ajuda a estabelecer a agenda ambiental internacional e chama a atenção para as principais tendências e necessidades dos países na área. Tem papel essencial porque hoje é mais do que claro que a maior parte dos problemas ambientais precisam da cooperação de diversos países para serem resolvidos. O Pnuma faz um trabalho que muitas vezes aparece pouco, que é a base científica e trabalho analítico que demonstra a importância do meio ambiente, da biodiversidade e da manutenção dos grandes ecossistemas. O Brasil é um dos poucos países que têm um escritório nacional do Pnuma. Isso já demonstra a importância que o Pnuma dá ao Brasil. Além de funções mais conhecidas, como apoiar a implementação de acordos multilaterais internacionais, o Pnuma é um canal importante para o maior protagonismo do Brasil nas discussões internacionais ambientais. Eu acredito que existe uma clara visão, na cúpula do Pnuma, de que a participação do Brasil nestas discussões é essencial.

Qual é o seu trabalho no Pnuma?

Nilvo- Quando cheguei no Pnuma, em junho de 2005, eu era o único brasileiro trabalhando na sede, que fica em Nairóbi. Comecei trabalhando com a promoção da participação da sociedade civil na esfera de governança da instituição, tanto nos encontros do conselho de administração do órgão, como nos processsos de definição das políticas internacionais de meio ambiente. Eu coordenei a equipe até fevereiro deste ano. Desde então, meu trabalho está relacionado com o processo de reforma das Nações Unidas sobre como o Pnuma pode trabalhar de forma mais coordenada e efetiva no nível dos países. Trata-se da implemantação da chamada “One UN” (Uma ONU), que tenta melhorar a integração de todos os órgãos da ONU nos países para uma atuação mais estratégica que adicione real valor aos esforços nacionais de desenvolvimento. Dentro das diretrizes gerais das Nações Unidas para este trabalho, sustentabilidade ambiental é um dos cinco grandes princípios a serem considerados.

Por que você trocou o prestigioso cargo de Diretor de Licenciamento do Ibama por um emprego na África?

Nilvo- Apesar de importante, não me parece que o cargo de diretor de Licenciamento do Ibama tem sido tão prestigiado assim…(risos). É uma área complexa, com enormes conflitos dentro e fora do governo. Complexidade e conflitos sócio-ambientais concretos. Não são “obstáculos” criados pela burocracia. Sobre vir para a África, é importante lembrar que Nairóbi é a sede mundial do Pnuma; a única sede da ONU localizada no mundo em desenvolvimento. Nos meus dois primeiros anos aqui trabalhei tanto com América Latina, Europa, América do Norte, Oriente Médio e Ásia como trabalhei com a África. Quando eu vim trabalhar no Pnuma, estava há dois anos e meio no Ibama, depois de ter dirigido a Fepam, no Rio Grande do Sul, por quase quatro anos. Eu havia passado por todos os níveis de governo, municipal também. Achei que era hora de mudar, ganhar uma perspectiva mais internacional dos temas ambientais. Eu me orgulho do trabalho que fiz no Brasil, do qual gostava muito, mas queria também trabalhar com organizações internacionais na área de meio ambiente. E não posso negar: a curiosidade tambem pesou na decisão de vir morar na África.

Você voltaria a trabalhar no Brasil? O que o estimularia a retornar?

Nilvo- Claro que voltaria. Por sinal, não seria a primeira vez. Quando fui convidado a assumir a presidência da Fepam, deixei meu trabalho de pesquisador na Universidade de Londres, onde havia feito meu mestrado sobre meio ambiente e desenvolvimento. O essencial é que haja o desafio e oportunidade de fazer um trabalho sério. Não acredito em desenvolvimento que não considere os temas ambientais como um fator importante. Aliás, os exemplos estão aí, e nem precisamos mencionar a questão das mudanças climáticas. Gestão das águas, produção e disposição de resíduos, poluição e saúde da população, a estreita relação entre pobreza, acesso e gestão de recursos naturais…São todas questões que se não consideradas, limitarão enormemente a distribuição temporal e social dos beneficios do desenvolvimento. No Quênia, por exemplo, a natureza representa a maior renda externa do país por meio do turismo. Se este turismo não levar em consideração a necessidade de proteção dos ecossistemas locais, esta renda será perdida para grande parte da população pobre do país.

O fato de agora você ver a questão ambiental no Brasil sob uma perspectiva mais internacional mudou de alguma forma a sua visão sobre nossas políticas públicas?

Nilvo- Sim, mudou. A primeira coisa a notar é que boa parte da agenda internacional de meio ambiente é invisível para o gestor público anbiental no Brasil. Muitas vezes tomado pelas dificuldades do cotidiano, ele se relaciona pouco com os grandes temas internacionais. Isto ocorre também na sociedade. É preciso conectar de uma maneira mais clara o que se faz no país com a agenda internacional. Isto tanto para que se possa influenciar a agenda internacional quanto para aproveitar as oportunidades que ela oferece. Não é mais possível ignorar a agenda global e não há como colocar em prática os grandes acordos internacionais de proteção ambiental sem que isto faça parte do cotidiano dos gestores nos diferentes níveis de governo (nao esqueçamos que o Brasil é uma grande e descentralizada federação). Associado a isto, me parece que é importante uma maior discussão dentro do país sobre as posições que o Brasil leva aos grandes fóruns internacionais de meio ambiente. Além de garantir que as posições externas sejam mais representativas das realidades do país, isto garantiria maior conhecimento e mobilização para colocar em prática as posições que são defendidas. Outra questão é o esforço identificável tanto em municípios no Brasil quanto aqui no Pnuma de engajamento mais positivo entre meio ambiente e desenvolvimento. Aliás, como mencionei antes, esta é uma das grandes tarefas do Pnuma.

Como o Brasil é visto dentro do Pnuma? Essa visão corresponde à realidade?

Nilvo- O Brasil é visto com muito interesse e curiosidade, mas não me parece que haja uma visão clara sobre a realidade brasileira. Sem dúvida alguma, o tema da Amazônia é o que domina a percepção sobre o Brasil. Mais recentemente, os biocombustíveis são uma área na qual o Brasil tem se destacado. Parece-me que a tarefa de trazer mais fortemente a realidade brasileira (e o trabalho importante que se faz no país na área de meio ambiente) para os fóruns internacionais é do Brasil mesmo.

A ministra Marina Silva acaba de ser confirmada no cargo de Ministra do Meio Ambiente. Como você vê os próximos quatro anos de governo Lula na área ambiental?

Nilvo- Fico feliz com a permanência da ministra Marina. Ela se propôs a enfrentar temas dificeis e, a meu ver, está avançando com o que chama de “transversalidade”, que é a necessidade de que todos os setores de governo levem em conta as variáveis ambientais. Não há dúvida de que o Brasil, com todo o patrimônio ambiental que tem, possui a responsabilidade de desenhar suas políticas públicas articulando as questões econômicas sociais e ambientais. Boa parte dos problemas relacionados com licenciamento no Brasil tem origem em políticas públicas, particularmente no setor de energia, que não levaram em conta esta responsabilidade. Eram outros tempos, mas agora é preciso políticas mais abrangentes que articulem meio ambiente e desenvolvimento (no turismo, transporte, energia, etc), desde o início de suas concepções, para evitar a perpetuação da prática conservadora dos “trade-offs”: no final da linha, na implementação de projetos, a impossibilidade de conciliação e a necessidade de optar-se entre meio ambiente ou desenvolvimento. O reconhecimento de que a estruturação da federação brasileira é fundamental para o sucesso das políticas nacionais de meio ambiente também tem sido importante. Não há como se ter proteção ambiental no Brasil sem instituições minimamente preparadas e coordenadas entre si nos diferentes níveis de governo. É claro, os sucessos alcançados no combate ao desmatamento e na melhor estruturação da fiscalização florestal talvez sejam o aspecto mais conhecido do trabalho liderado pela ministra Marina.

O que os próximos quatro anos irão trazer vai depender do nível de acordo que se possa construir dentro e fora do governo. Parece que o tema de geração de energia continuará a ser uma das grandes tensões entre meio ambiente e desenvolvimento no Brasil. É claro, não se pode perder de vista que estas não são dificuldades exclusivas do Brasil. Índia e China também enfrentam estas questões. Mas muitos países e organizações olham para a forma como o Brasil irá resolvê-las. O Brasil, queira ou não, para o bem ou para o mal, é uma referência, e o pode ser mais, na área de meio ambiente. Espero que se possa chegar a abordagens mais construtivas sobre o tema do desenvolvimento e meio ambiente no Brasil. Uma coisa é certa. A ministra Marina vai ter muito trabalho. Trabalhar com meio ambiente no Brasil é trabalhar muito.

Há grande pressão para mudanças no Ibama. Quais delas você entende como necessárias?

Nilvo- Em primeiro lugar, é preciso maior investimento na formação e manutenção dos quadros técnicos e da infra-estrutura das instituições ambientais. Não basta contratar tecnicos, é preciso oferecer carreira, formação e mantê-los na organização. Não há como se colocar em prática boas políticas sem instituições capazes. É preciso reconhecer o esforço que foi feito para combater a corrupção dentro do Ibama e proteger o trabalho honesto da maior parte de seus servidores. Foram realizados concursos públicos para várias areas dentro do Ibama e a substituição de consultores temporários por técnicos permanentes concursados. Também se fez um esforço para que o Ibama se visse como parte de um sistema nacional de meio ambiente e cooperasse mais com órgãos municipais e estaduais.

No entanto, a presente situação não é suficiente para resolver problemas concretos do país. Não há dúvida de que é preciso repensar a própria estrutura da organização e suas formas de trabalho. Esta é certamente uma boa discussão a ser feita. Entre outras coisas, o Ibama precisa ser mais estratégico e efetivo na sua ação de proteção ao meio ambiente, se antecipando aos problemas e alocando seus esforços dentro da perspectiva da federação brasileira. Ele precisa ser mais transparente, e ser mais capaz de prestar contas à sociedade sobre suas decisões a ações. Precisa, em conjunto com as organizações de produção de conhecimento, aumentar o conteúdo de conhecimento científico e consulta à sociedade nas suas decisões. Mas esta é uma discussão que precisa ser feita com muito equilíbrio e respeito pela instituição.

O que você acha das recentes mudanças no Ministério do Meio Ambiente e no Ibama, anunciadas pela ministra Marina Silva?

Nilvo- Tenho acompanhado as mudanças de longe pela imprensa. Trabalhei tanto com o ex-secretário executivo Cláudio Langone, como com o ex-diretor de licenciamento do Ibama, Luiz Felipe Kunz Júnior. São pessoas com quem aprendi muito e profissionais da mais alta qualidade. Espero que eles encontrem espaços onde possam contribuir com a sua experiência e conhecimento de causa. Mas acredito que as decisões da ministra precisam ser respeitadas. É ela quem comanda a pasta, e irá, em última análise, responder pelo resultado do trabalho.

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