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A controvérsia da reciclagem

Programas de reciclagem dão certo quando buscam o equilíbrio econômico e ambiental. Quando coração e razão se divorciam, quem perde são os recursos naturais.

5 de novembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Vale a pena reciclar o nosso lixo sólido ou isso é só um slogan politicamente correto de ambientalistas? Em 1996, o então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, iniciou uma acirrada polêmica ao declarar que, para atingir a meta de reciclagem da cidade, seria preciso colocar toda a população na cadeia e obrigá-la a cooperar. Com dificuldades financeiras, Nova York não conseguia atingir o mínimo estabelecido por lei e reaproveitar 25% do seu lixo. Com isso, começou um jogo de gato e rato entre ambientalistas processando a prefeitura pela falha e essa, por sua vez, usando todas as brechas legais para inflar os números.

A disputa não parou de esquentar. Em 2002, Michael Bloomberg, sucessor de Giuliani, paralisou o programa de reciclagem de metal, vidro e plástico da cidade, alegando que ele gerava um déficit anual de 57 milhões de dólares. Segundo as contas da prefeitura, cada tonelada reciclada custava 240 dólares, enquanto dispô-la em um aterro sanitário de primeira qualidade custava 130. Em 2004, em outra virada surpreendente, a decisão foi revertida e o mesmo Bloomberg reativou o programa, desta vez remodelado com a ajuda de ambientalistas do Natural Resources Defense Council.

O novo modelo espelhou-se na bem-sucedida experiência de Nova York com reaproveitamento de papel, que já era economicamente atraente. A reciclagem de metais, plásticos e vidro passou a ser feita através de um contrato de 20 anos com uma empresa de grande porte, que se comprometeu a investir 25 milhões de dólares em uma usina high-tech no Brooklyn. Reduzindo o custo de transporte e usando a melhor tecnologia, a tonelada reciclada passou a ser mais barata que a alternativa do aterro sanitário, tornando o programa financeiramente viável.

O episódio nova-iorquino explicita uma tensão que deve ser encarada pelos ambientalistas: reciclar é ecológico se o resultado poupa mais recursos do que o processo consome. Não é só uma questão de cifras em dólares ou em reais. Sob esse ponto de vista, pode-se rebater que devemos ter um viés pró-natureza e, por isso, manter programas deficitários de reciclagem. Mas resta a questão se, de fato, esses programas favorecem o meio ambiente. A resposta não é óbvia e varia caso a caso.

Em comparação com a fabricação de produtos “virgens”, reciclar pode poupar árvores, água e minerais; reduzir o gasto de energia e a poluição, incluindo os gases do efeito estufa; e aliviar a necessidade de aterros sanitários. Mas embora seja atraente só levar em conta o lado positivo, reciclar também consome recursos. Por exemplo, em função do seu programa de reciclagem, Los Angeles dobrou de 400 para 800 a sua frota de caminhões de coleta de lixo. A fabricação dos mesmos precisou de itens como chapas de aço e borracha, os quais, por sua vez, demandaram a extração de ferro e carvão e consumiram energia no seu processamento. Mover essa frota requer mais petróleo, que deve ser refinado em gasolina ou diesel, um processo por si só gerador de poluentes, e a queima desse combustível piora a qualidade do ar da cidade e gera gases do efeito estufa. Será que vale a pena? Só fazendo a contabilidade econômica e ambiental da questão.

Nessa linha, o geográfo e ambientalista Olimpio Araújo, da Rede Ecoterra, escreveu que não existem “bilhões escondidos no lixo”, como os entusiastas acreditam. Segundo ele, raramente os programas de reciclagem brasileiros geram receitas suficientes para pagar pela sua operação. E desviam recursos que poderiam ser usados para providenciar o básico, como aterros sanitários, necessários para o lixo comum mas ausentes em quase 80% dos municípios brasileiros. Um dos fatores que mais onera um programa de reciclagem é o custo de transporte. Por isso, a chance de um programa dar certo aumenta muito quando existem empresas recicladoras por perto ou quando as próprias indústrias se engajam no reaproveitamento dos seus resíduos e efluentes.

A RW, uma indústria de papel instalada no município de Palmeira, próximo a Curitiba, é um exemplo. Seus produtos principais são papel higiênico, papel toalha e lençóis hospitalares descartáveis. A empresa tem um faturamento de 30 milhões de reais anuais. Para adequar-se à legislação ambiental, investiu cerca de 400 mil em um programa de reciclagem e redução de efluentes. Hoje, suas sobras são transformadas em bandejas de polpa moldada, usadas para acondicionar frutas e ovos vendidos nos supermercados.

Ruy Basto, diretor industrial e sócio da RW, está entusiasmado com o resultado. Para o futuro próximo, ele vislumbra novos produtos reciclados. Uma idéia são tijolos com adição de polpa de celulose. Já usados na Alemanha, eles são mais leves e resistentes. Têm potencial comercial e também poderiam ser aproveitados na própria fábrica. Ruy admite que seus produtos reciclados rendem muito pouco à empresa. Mas também faz questão de dizer que o investimento inicial foi razoável e, uma vez pago, a manutenção custa pouco, talvez 2 mil reais mensais. “É menos que os gastos com a gasolina da diretoria”, conta sem constrangimentos. Sem esse esforço, o rio do Salto, que costumava receber os efluentes da fábrica, teria uma mancha branca de 30 km de extensão. Suas águas deságuam no sistema que abastece a região de Ponta Grossa, de 376 mil habitantes.

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