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A mulher na conservação e na sustentabilidade

Encontro na Flórida revela que, assim como em outros campos, apesar das conquistas, a mulher também parece ser uma minoria no campo ambiental.

27 de julho de 2015 · 9 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

As mulheres ainda são minoria na conservação. Foto: Jonathan Dain
As mulheres ainda são minoria na conservação. Foto: Jonathan Dain

Acabo de receber o relatório de um workshop de mulheres ligadas à conservação socioambiental e à sustentabilidaderealizadona Universidade da Flórida nos dias 24 e 25 de março de 2015. Éramos 30 mulheres de diversos países da América Latina e dos Estados Unidos, sendo estas com vasta experiência nos países do sul. O tema central foi a inserção do gênero feminino no mundo da pesquisa científica na conservação e na sustentabilidade, com foco nas lacunas, fortalezas e diferenças existentes entre as trajetórias das participantes quando comparadas aos homens que exercem papéis semelhantes.

Em primeiro lugar, todas estressaram que são minoria em suas áreas de atuação e que desejam incentivar outras mulheres e dar apoio àquelas que almejam ingressar em temas científicos, como pesquisas de campo, por exemplo. Devem, inclusive, compartilhar suas impressões para que outras mulheres se sintam acolhidas e amparadas.

Alguns aspectos foram levantados como tendo influenciado as escolhas das áreas de atuação das participantes,como experiências ligadas à natureza na infância, mulheres que serviram de inspiração, ou apoio que receberam em seus lares para seguirem seus sonhos. O estereótipo dos homens sendo líderes fortes foi muitas vezes difícil de ser aplacado, e até influenciou a escolha de caminhos inéditos para algumas das mulheres presentes.

A realidade feminina foi bastante discutida, pois, com raras exceções, a família vem em primeiro lugar e criar bem os filhos é uma prioridade acima da profissão. A mulher tende a ser agregadora, desejando incluir a família em suas decisões e escolhas e até em sua profissão. Outro fator é o processo, que é de grande importância e talvez até mais do que os resultados atingidos. A mulher se delicia com os passos que dá, ao aprender e analisar onde acertou e onde errou para tentar fazer melhor daí por diante. Não que os homens deixem de ter atitudes semelhantes, mas na opinião das participantes, parecem se motivar mais pelo alcance das metas do que pelo percurso para chegarem onde almejam.

Nessa mesma linha, foi apontado que a mulher não se importa em explorar novas paixões e descobrir algo que lhe dê prazer, além de focar nos seus objetivos profissionais. Consegue adicionar áreas de interesse à sua vida, fator comum no seu dia a dia, quando cuida da família, da casa e avança em seu trabalho. Esse é um aspecto importante para a conservação e para a sustentabilidade, campos de grande complexidade que exigem visão ampla e atenção aos aspectos socioambientais dos contextos onde atuam.

“(…)há uma imagem de que as mulheres são mais adequadas às áreas sociais do que às ligadas à ecologia ou a outras ciências.”

Na América Latina, região de origem da maioria das participantes do Workshop, predomina o patriarcado, característica histórico-cultural que acentua a diferença entre os gêneros. Quebrar as tradições e trazer a mulher a um patamar onde ela seja valorizada como profissional, além de mãe, esposa, dona de casa, nem sempre é fácil, principalmente quando ela vai a campo onde as adversidades são muitas para um gênero visto como mais frágil. Sem perder a feminilidade, essas mulheres desejam também ser boas profissionais, cuidando para que as diferentes facetas de suas vidas não se tornem conflitantes.

O mundo predominado pelo homem não está só ligado à conservação e à sustentabilidade. O Fórum Econômico Mundial mantém,desde 2006, uma linha de pesquisa que deflagra como a mulher em todas as partes do mundo está em desvantagem quando comparada ao homem. Os dados indicam variações de país para país, com mais ou menos diferenças entre os gêneros. Muitos, incluindo o Brasil, contam com o mesmo número ou até mais mulheres com formação acadêmica. Mas são poucas as que chegam a posições de mando em empresas, na política e outros setores da sociedade. Nas organizações da sociedade civil, que sempre pensei ser equilibrado (até por ocupar uma alta posição no IPÊ e conhecer diversas mulheres que são ou foram diretoras ou presidentes desse tipo de instituição), me surpreendi com os dados do Fórum. Há diferenças marcantes nessas organizações também, com as mulheres tendo desvantagens acentuadas quando comparadas aos homens em posições semelhantes. Um denominador comum em todas os campos profissionais e regiões do mundo é a defasagem salarial, desfavorecendo a mulher.

No encontro da Flórida, as mulheres ainda apontaram para alguns fatores relevantes. Por exemplo, há uma imagem de que as mulheres são mais adequadas às áreas sociais do que às ligadas à ecologia ou a outras ciências. Nessas, historicamente,é o homem que se destaca, o que exige ainda mais empenho das mulheres para provarem que são capazes de desempenhar bem o papel de cientistas.

O Workshop foi organizado pela Global Women’s Scholars Network (GWSN) e o Tropical Conservationand Development Program (TCD) da Universidade da Flórida, com financiamento da National Science Foundation, que está interessada na emancipação da mulher cientista e na cooperação daquelas que já exercem papéis de destaque em áreas da conservação e da sustentabilidade. O potencial das mulheres é inegável e deve ser melhor compreendido para que seja mais bem aproveitado. O próprio estudo do Fórum Econômico Mundial indica que as organizações que incluem mulheres têm um desempenho melhor do que aquelas compostas apenas por homens, principalmente quando o poder de decisão é equilibrado entre os dois gêneros.

E na conservação não é diferente. Muitas das participantes do Workshop foram recebedoras de prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais pela excelência de seus trabalhos. Muitas deram contribuições de extrema relevância à ciência com estudos de espécies, ecossistemas, recuperação de áreas, e outros temas afins.

Um detalhe interessante é que foram estudantes mulheres que organizaram esse encontro e outro bem maior realizado dias depois, “Envisioning a Sustainable Future”, que contou com centenas de participantes(homens e mulheres) de várias partes do mundo. Ambos os eventos foram delineados por estudantes da Universidade da Flórida, mesmo que com orientação de alguns professores. Pós-graduandas assumiram a responsabilidade da escolha dos temas e a ordem em que seriam discutidos, o material preparatório que cada participante recebeu previamente e durante os encontros, além dos relatórios finais. Esta é uma linda forma de educar -empoderando e acreditando no potencial das pessoas que estão ainda em formação. Aliás, segundo Paulo Freire, estamos continuamente no processo de aprendizagem e de ensino, sendo este um belo exemplo colocado em prática de algo bem feito do início ao fim- nesse caso, desempenhado por jovens mulheres! E, melhor ainda, mulheres atuando em conservação e sustentabilidade em seus países de origem! 

 

 

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