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Advocacia ambiental com ética

A advogada Monica Jaén é a prova viva de que existe um espaço crescente para a defesa jurídica do meio ambiente dentro dos grandes escritórios de advocacia.

20 de maio de 2005 · 19 anos atrás

Há algum tempo venho tentando trazer para esta coluna uma entrevista com algum advogado que atue na área de direito ambiental de um grande escritório de advocacia. O objetivo da minha busca por esse tema específico é desmistificar uma afirmação que, de tantas vezes repetida, passou a soar como verdade dentro da minha cabeça e, creio, na cabeça de muitos: esse tipo de advocacia destina-se, quase que exclusivamente, à defesa dos interesses de grandes companhias que poluem intencionalmente o meio ambiente. Restaria, portanto, para aqueles que pretendem militar em defesa do meio ambiente, a carreira pública ou a advocacia junto a ONGs.

Afinal de contas, árvores e bichos não contratam advogados e as organizações de defesa do meio ambiente, na maioria das vezes, não possuem meios financeiros de fazê-lo. Para uma causa que não promete bons retornos financeiros imediatos, grandes bancas de advogados costumam cobrar altas somas pelos seus serviços. Nas ações civis públicas, o meio judicial mais utilizado para impedir ou reparar danos ambientais, o dinheiro da condenação não vai para a parte vencedora da causa, mas para um fundo gerido pela Administração Pública.

Esta semana, finalmente, consegui o que queria. Foi com grande alívio que me livrei daquela desanimadora visão maniqueísta, já nos primeiros minutos da conversa que tive com Monica Jaén, advogada da área de direito ambiental do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão, um dos maiores e mais bem conceituados do país.

“Classificar automaticamente todo empresário como poluidor é um conceito ultrapassado, uma distorção da realidade. Na medida em que a sociedade evolui, ela cria valores, e a preservação do meio ambiente é um deles. O advogado ambiental auxilia na criação de jurisprudência, faz com que as normas jurídicas sejam aplicadas corretamente”, diz ela.

“Este empresário que chamam de poluidor pode ser qualquer um de nós. Membros do Ministério Público e de órgãos ambientais reconhecem a importância da advocacia ambiental que auxilia as empresas. Por entender que a minha profissão é transformadora e está prevista em lei, eu nunca contrariei meus princípios ecológicos para defender algum cliente do escritório”, referindo-se ao fato de nunca ter se visto diante da situação de levar adiante uma causa na qual sabia que o seu cliente estava, intencionalmente, causando algum dano ao meio ambiente como forma de aumentar seus lucros. Olha que tais princípios ela domina como poucos, já que tem uma visão de meio ambiente bem mais completa do que a maioria dos advogados, mesmo entre aqueles que atuam diretamente na área. Isso já que, além de advogada e ex-estagiária da Promotoria Especializada em Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Monica é bióloga, formada em 1992 pela Universidade Santo Amaro, em São Paulo.

De posse de seu diploma de biólogia, Monica foi para Alta Floresta, extremo norte do Estado de Mato Grosso, trabalhar em projetos de educação ambiental e desenvolvimento sustentável da região. Foi justamente nesse projeto, diante da necessidade de explicar às pessoas da região a importância da preservação da natureza, os problemas – inclusive legais – que determinadas atividades poderiam causar e a necessidade de promover atividades econômicas alternativas para as comunidades locais, que ela teve seu primeiro contato com a legislação ambiental. Daí para a sala de aula da Faculdade de Direito da Universidade Cândido Mendes, no Rio, sempre pensando na área ambiental, foi um pulo. Em 1996, concluiu sua Pós-Graduação em Avaliação Ambiental, na PUC-Rio, dois anos depois pegava seu segundo diploma de graduação. Ainda em 1999 finalizou o curso de pós-graduação em meio ambiente da COPPE.

O primeiro contato com o escritório foi graças à indicação de Francisco Sampaio, um dos precursores do direito ambiental no Rio de Janeiro, que gostou da conexão entre os cursos de biologia e direito no seu currículo, ainda na época em que ela estagiava no Ministério Público. “Fui contratada pelo escritório no último ano da faculdade e acabei ficando porque os projetos eram inovadores e, conseqüentemente, desafiadores”, lembra ela. Hoje o trabalho que faz envolve os mais variados aspectos da legislação ambiental. Vão desde a defesa dos clientes em processos judiciais e administrativos, até o desenvolvimento de projetos de regularização de contingências ambientais à luz da legislação ambiental, principalmente de atividades que foram iniciadas anteriormente à existência das exigências contidas na legislação ambiental, e trabalhos de consultoria. “O papel do advogado é muito abrangente. Nós aconselhamos os clientes, ajudando-os a se adequarem às normas ambientais; trabalhamos na análise legal e com o suporte jurídico na elaboração e revisão de EIA/RIMAs, negociação e posterior celebração de Termos de Compromisso e de Ajustamento de Conduta junto aos órgãos ambientais e ao Ministério Público e muitos outros serviços”, afirma. “O Protocolo de Quioto e o mercado de carbono, por exemplo, também podem se transformar em nichos interessantes de trabalho.”

Tem mais: segundo ela, o fato de estar em um grande escritório propicia um atendimento muito amplo a todos os tipos de questões jurídicas apresentadas pelos clientes: “Na área de direito ambiental, nós somos sete pessoas – entre advogados (4) e estagiários (3). Muitas vezes, um cliente que nos procura, principalmente por questões jurídicas ambientais, também têm problemas de natureza trabalhista, cível ou tributária. Nesses casos, sempre há alguém no escritório com uma solução e disposto a cooperar.”

O fato de os princípios morais de Monica permanecerem intactos se deve ao fortalecimento dos princípios ambientais na sociedade brasileira e internacional. “Os empresários e pessoas em geral têm mostrado uma preocupação crescente em não causar danos ambientais, em realizar um trabalho preventivo. Mesmo quando o cliente busca o escritório para resolver questões geradas por algum dano ambiental, percebe-se que o fato gerador não foi proposital, mas um acidente. Isso, ao que me parece, não é apenas uma questão de não prejudicar as suas imagens ou a de suas empresas, mas uma verdadeira preocupação com o meio ambiente. Não existe o cliente que nos consulta objetivando poluir por si só.”

Monica, sem dúvidas, tem um emprego que, apesar de dar muito trabalho, é de dar inveja. Nem todos que se aventurarem a advogar na área ambiental terão a mesma sorte de não ter que escolher entre ganhar dinheiro e defender aquilo em que acreditam. A experiência dela serve para mostrar não apenas que há espaço para a defesa do meio ambiente nas grandes firmas de advocacia, mas também que este é um caminho que deve ficar cada vez mais aberto para quem o vê como a única alternativa viável. É apenas uma questão de princípios.

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