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Pedindo passagem

A nova safra de veículos utilitários é melhor e mais potente do que as anteriores graças, acredite quem quiser, às novas normas de controle de emissões.

24 de abril de 2006 · 18 anos atrás

A cena é cada vez mais comum nas estradas brasileiras: você está viajando a uma velocidade razoável, às vezes acima do limite permitido, quando surge atrás de você um desses utilitários esportivos de mais de duas toneladas pedindo passagem, piscando os faróis e sinalizando com a seta esquerda que é melhor sair da frente. Obediente – ou intimidado – você vai para a pista da direita e é ultrapassado quase como se estivesse parado.

Nesse último feriado, indo para Nova Friburgo (RJ), não foi diferente. Exceto pelo fato que me fez pensar sobre a origem desse fenômeno, chegando à conclusão que essa nova safra de veículos pesados é um excelente argumento para derrubar a balela de que as normas ambientais andam na contramão do desenvolvimento.

Vilões do trânsito

Independentemente do estilo de condução de seus donos, os chamados utilitários, ou SUVs, na sigla em inglês para Veículos Utilitários Esportivos – que estão cada vez menos utilitários e cada vez mais esportivos –, são considerados os vilões do trânsito. Para os que se preocupam com a segurança, eles são menos estáveis e exigem mais espaço de frenagem, se comparados com veículos menores. Além disso, por causa do seu peso e de suas estruturas reforçadas, quando batem – em algo ou em alguém – causam estragos muito maiores do que um carro de passeio. Em termos ambientais, esse quadro não melhora. Os SUVs consomem mais combustível, pneus e matéria prima em geral do que seus “primos” menores. Por todos esses motivos, eles se tornaram alvo de críticas em todo o mundo.

Tendo em vista a necessidade de se refrear o impacto ambiental dessa massa crescente de veículos, os países têm adotado normas de controle de emissões cada vez mais severas, cuja observância é obrigatória para todos os veículos novos. No Brasil, essas normas são ditadas pelo Conama, como parte do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores – Proconve.

Criado em 1986 com o objetivo de reduzir os níveis de emissão de poluentes nos veículos automotores e incentivar o desenvolvimento tecnológico nacional, o Proconve fixou os limites máximos de emissões de poluentes para cada categoria de veículo, os quais devem ser atingidos dentro de um determinado cronograma.

Para os utilitários, por exemplo, o programa estabeleceu uma redução de mais de 50% nas emissões de monóxido de carbono e entre 40% e 70% nas emissões de óxidos de nitrogênio, dependendo do combustível utilizado. Tudo isso em vigor desde 1º de janeiro de 2005. A partir de 2009, novos níveis, ainda mais baixos, entrarão em vigor. Trata-se de uma tendência mundial, ligada diretamente às metas estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto. A Europa tem suas próprias metas – mais rigorosas que as brasileiras – e até alguns estados dos EUA têm implementado rigorosamente medidas semelhantes, como a Califórnia.

A reação do mercado e da indústria

Em uma situação dessas, a argumentação típica que seria utilizada pela indústria automobilística seria a de que o cumprimento de normas como essas geraria custos insuportáveis, desemprego, recessão, etc. Tais argumentos já viraram chavão nos processos legislativos e jurídicos envolvendo questões ambientais. Nesse caso específico, não foi diferente. Mas, com um pouco de boa vontade fiscal do governo e um pouco de pressão interna e internacional de grupos ambientalistas, o Proconve acabou passando como é hoje. Para a nossa sorte.

Trata-se de um bom programa, que vem sendo cumprido pelos fabricantes. E, ao contrário do quadro econômico catastrófico pintado pela indústria, os negócios vão muito bem, obrigado. Não apenas as vendas de veículos no país vêm crescendo nos últimos anos – em 2006, a indústria automotiva teve o melhor mês de março e o melhor primeiro trimestre da história do setor, segundo dados da Siresp (Sindicato da Indústria de Resinas Plásticas do Estado de São Paulo) – como os veículos estão cada vez melhores em termos de desempenho e emissões.

No caso dos utilitários, esse quadro é ainda mais evidente. Eles vendem como água, têm apresentado um aumento significativo de potência e desempenho – o que explica as cada vez mais freqüentes ultrapassagens – e poluem muito menos do que há dois anos – ainda muito mais do que carros de passeio, evidentemente. Graças às exigências do Proconve, os novos utilitários com motores diesel, por exemplo, estão sendo equipados com motores eletrônicos que não apenas aumentaram muito a sua “cavalaria”, como melhoraram o seu desempenho em geral.

Não houve desemprego, não houve recessão, não houve estagnação tecnológica, não houve aumentos despropositados de preços e a ladainha de que a implementação de normas ambientais rigorosas prejudica o desempenho econômico cola cada vez menos.

Se alguém saiu perdendo nessa história, eu não sei quem foi.

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