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O poder cor de rosa dos bancos de rodolitos – patrimônio que precisa ser conhecido e conservado

Pesquisa aponta os bancos de rodolitos como hotspot da biodiversidade, no entanto, apenas 15,7% das áreas conhecidas estão dentro de Unidades de Conservação na costa brasileira

30 de junho de 2025
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Juliana Di Beo

    É bióloga e atua com comunicação científica para fortalecer a cultura oceânica na rede Ressoa Oceano.

  • Rafael Magris

    É analista ambiental do ICMBio com interesses que incluem ecologia marinha aplicada para subsidiar decisões de gestão e ações de planejamento de conservação.

  • Marina Sissini

    É bióloga, doutora em ecologia e mergulhadora. Ao longo da última década tem estudado os bancos de rodolitos, com interesse na sua biodiversidade, ecologia e evolução.

  • Paulo Horta

    É biólogo, pós-doutor em Ecologia Marinha, professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do CNPq e membro da Rede Clima, do Instituto Coral Vivo e da IUCN (International Union for Conservation of Nature). Ao longo das últimas décadas tem se dedicado ao diagnóstico e à busca de soluções para a emergência climática e da crise da biodiversidade.

A biodiversidade marinha presente na costa brasileira é de tirar o fôlego, soma-se mais de 5 mil espécies da fauna e 2.360 da flora marinha – das quais 2.300 são espécies de algas, segundo dados compilados pelo 1º Diagnóstico Marinho-Costeiro. Apesar da grande diversidade, elas são pouco conhecidas pela população. Exemplo desse desconhecimento são os rodolitos, algas altamente especializadas em capturar carbono e formar megahabitats, que são verdadeiros oásis no fundo marinho. Costumam apresentar coloração que varia entre rosa, vermelho e roxo e são comumente encontradas aglomeradas formando grandes extensões tridimensionais no leito do mar. 

No Brasil, os bancos de rodolitos se distribuem amplamente por toda a costa, mas são mais abundantes e conhecidos na região do litoral amazônico, Nordeste e Leste (Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia). Esses ambientes marinhos desempenham uma série de funções ecológicas, principalmente conectando diferentes ambientes recifais, o que os torna um importante hotpost de biodiversidade (ambientes que concentram uma grande quantidade de espécies associadas), segundo estudo de revisão liderado por pesquisadores brasileiros que avaliou o estado de conservação e a importância dos bancos de rodolitos em nosso litoral.   

Apesar da alta contribuição dos bancos de rodolitos para a biodiversidade e para a humanidade, atualmente, menos de 5% da área oceânica está protegida, ainda que o Brasil tenha avançado na conservação, com a criação de áreas marinhas protegidas para recifes de corais, manguezais e ilhas oceânicas. De acordo com a pesquisa, publicada na revista Diversity and Distributions em janeiro deste ano, é urgente a implementação de áreas marinhas protegidas para os bancos de rodolitos, ecossistema que ao lado dos recifes mesofóticos encontrados na foz do rio Amazonas segue invisibilizado, apesar de prestarem grandes contribuições à humanidade. 

Função ecológica e econômica

No Brasil, os bancos de rodolitos se distribuem ao longo de toda costa, da foz do rio Amazonas, ao seu limite sul, no litoral Catarinense, com formações na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo (SC) e na Ilha do Campeche. No entanto, a região Norte e Nordeste correspondem às localidades de maior abundância desses ecossistemas. Áreas mais profundas no Litoral sul do Brasil foram identificadas com elevada probabilidade de ocorrência, mas a presença destas formações ainda carece de confirmação. Em relação à riqueza total de espécies, a região da foz do rio Amazonas apresenta o terceiro maior número de espécies ameaçadas, endêmicas, e de interesse comercial, em relação a outras áreas da costa brasileira.

O peixe saramunete (Pseudupeneus maculatus) é uma espécie que vive associada a bancos de rodolitos. Créditos Anônimo/ Arvoredo (SC)

De acordo com o estudo, apenas 22 das 307 Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) contêm bancos de rodolitos, isso representa cerca de 15,7% de cobertura para esses ecossistemas. Dentre as Unidades de Conservação (UC), a Costa das Algas, na costa do Espírito Santo, e a Reserva Biológica (Rebio) do Arvoredo, em Santa Catarina, incorporaram intencionalmente os bancos de rodolitos dentro dos limites da UC para sua preservação. Enquanto que para as demais áreas, a presença desses ecossistemas é meramente ocasional, pois elas estão focadas na proteção de outros ambientes, como recifes rochosos e corais.

Os bancos de rodolitos oferecem importante suporte para a biodiversidade. Eles funcionam como berçário ou “banco de sementes”, sendo, portanto, fundamentais para o ciclo de vida de inúmeras espécies que vivem nesses territórios ou em ecossistemas adjacentes. Com base nas análises dos dados compilados, o estudo aponta que esses ambientes podem abrigar 1.053 espécies. Dentre elas, as macroalgas são o grupo mais representativo, com 308 espécies. Em seguida, os invertebrados correspondem a 469 espécies e os peixes com 252 espécies, representam o terceiro grupo mais diverso, sendo 15% dessas espécies de interesse comercial. A alta riqueza de peixes, como também de invertebrados, pode ser explicada pela conectividade que os bancos de rodolitos mantêm com outros ecossistemas, especialmente, os recifes de corais rasos e profundos. Essa conexão íntima funciona como um mosaico de paisagens marinhas que pode salvaguardar a riqueza de espécies.

Avaliações recentes realizadas em profundidades de 2 a 51 metros, em áreas e ilhas costeiras e formações oceânicas em regiões tropicais e temperadas – de latitude  53°N–27°S –  revelam o poder cor de rosa dos bancos de rodolitos. Estes são habitats altamente produtivos, que podem absorver até 1347 gramas de carbono por metro quadrado (gC/m²), valores que excedem as estimativas relatadas para outras florestas de macroalgas. Para se ter ideia, esse valor é quase 3 vezes maior do que os incêndios da Amazônia emitiram por metro quadrado em 2024 — de acordo com estimativas do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) divulgadas pelo Observatório do Clima. De maneira geral, a capacidade de absorver carbono é maior em menores latitudes e nas áreas mais rasas, pois esse processo é determinado pela disponibilidade de luz e pela composição de espécies. Essa alta produtividade, juntamente com depósitos substanciais de carbonato (0,4–38 mil toneladas), torna os bancos de rodolitos contribuintes altamente relevantes para o ciclo oceânico atual e futuro do carbono e, consequentemente, para o controle climático do planeta.

Ameaças reais e potenciais

Além dos bancos de rodolitos e o Grande Sistema de Recifes do Amazonas serem ecossistemas desconhecidos pela sociedade e por tomadores de decisão, não estão protegidos por nenhuma área de proteção na região da Foz do Amazonas. Esta situação se torna ainda mais crítica com o eventual avanço dos blocos de exploração de óleo e gás sobre tal ecossistema, que já se encontram sujeitos a outros impactos decorrentes da pesca, mudanças climáticas e poluição.

Ainda segundo o estudo, as atividades de exploração de óleo e gás, bem como a  mineração, podem causar a liberação de poluentes e alterações no fundo marinho que, por sua vez, levam ao soterramento e morte dos rodolitos. 

Além disso, o derramamento acidental de óleo poderia causar perdas ainda não compreendidas para os rodolitos. Por isso, a criação de áreas marinhas protegidas nessa região é fundamental para manter a biodiversidade, aumentar a resiliência, e os serviços ecossistêmicos fornecidos pelos bancos de rodolitos e os demais ecossistemas na região. 

Políticas públicas nessa direção devem ser acompanhadas por litigância ambiental e climática, ao mesmo tempo que orientam a construção de detalhado plano de contingenciamento em caso de vazamento, considerando especialmente o monitoramento, mitigação e remediação de impactos em ambientes biogênicos complexos como bancos de rodolitos.
Se comparado a outros ecossistemas costeiros chave, numa perspectiva global que reflete a escala regional, a área de bancos de rodolitos em quilômetros quadrados (km²) é maior que a área estimada de recifes de corais, florestas de kelps e gramas marinhas. Mas quando olhamos o número de espécies estudadas e o valor investido em pesquisa nestes diferentes ambientes naturais, a barra dos valores dos bancos de rodolitos nem chega a aparecer no gráfico. O Brasil detém a maior extensão de banco de rodolitos do mundo, na Plataforma de Abrolhos, na costa sul da Bahia, e uma área estimada para ocorrência de 167 a 230 mil km2, ao longo de toda plataforma continental. Com isso, a conectividade de paisagens marinhas deve ser ainda mais proeminente na costa brasileira. Mas, as áreas marinhas protegidas que incluem os bancos de rodolitos é desproporcional nas regiões e ainda muito pequena quando comparada a outros ecossistemas.

Raia manteiga (Hypanus berthalutzae) embaixo do peixe xaréu-olho-de-boi (Caranx hippos) em meio ao banco de rodolitos de Fernando de Noronha (PE). Créditos: Daniel Venturini

Caminhos para a conservação

Tendo em vista a crescente pressão da pesca e da indústria de petróleo e gás para explorar a plataforma amazônica (vide os 19 blocos arrematados em 17 de junho em leilão da ANP), ações para identificar e proteger áreas prioritárias para a conservação da natureza são urgentemente necessárias para salvaguardar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos fornecidos pelos bancos de rodolitos e outros ambientes, como o sistema de recifes amazônicos. 

Sendo imperativo que as ações do Planejamento Espacial Marinho (PEM) considerem os bancos de rodolitos, sua biodiversidade associada, suas vulnerabilidades e as interações entre os diversos estressores que atuam sobre estes ambientes. O estudo também fornece insights sobre como identificar áreas prioritárias para conservação de bancos de rodolitos através de levantamentos de biodiversidade. Tal abordagem de planejamento de conservação deve ser baseada nos princípios de complementaridade e conectividade genética com outros habitats costeiros (por exemplo, manguezais) e do fundo marinho (por exemplo, recifes de corais e rochosos e gramas marinhas), pois esses megahabitats funcionam como um mosaico funcional e interconectado de paisagens marinhas para várias espécies.

O Programa Florestas Marinhas para Sempre 

O contexto atual no qual nos encontramos próximos a receber a COP 30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – Conferência das Partes), em Belém (PA), se apresenta como grande oportunidade para sacudir as discussões ambientais e fazer pressão nos tomadores de decisão para protegerem os ambientes marinhos e costeiros. 

Exemplo de mobilização ambiental de sucesso foi a criação do programa internacional Tropical Forests Forever (TFF), que atingiu os mais altos níveis políticos para conservar florestas tropicais como a Amazônia. Esse programa, estruturado em ações de restauração e soluções baseadas na natureza para enfrentar as mudanças climáticas, inspirou a criação do Programa Floresta Marinha para Sempre – Marine Forest Forever Program – MFFP

As florestas marinhas são formadas por manguezais, marismas, algas que incluem os bancos de rodolitos, gramas marinhas, corais e esponjas. Em relação às florestas terrestres, elas recebem menos atenção apesar de serem indispensáveis para manutenção da biodiversidade, serviços ecossistêmicos e equilíbrio climático do planeta, como o sequestro de carbono atmosférico. Nesse sentido, a proposta de criação de um programa global para florestas marinhas, visa fortalecer a arrecadação de fundos para financiar ações coordenadas em todos os estados-membros das Nações Unidas.

Até o momento, 6,4% do oceano global está incluído em Áreas Marinhas Protegidas, com efetividade de conservação limitada contra pressões pesqueiras e poluição. O programa Floresta Marinha para Sempre, nesse sentido, representa uma estratégia importante para atingir metas ambientais globais, como a Meta 30×30, que pretende converter 30% do planeta em áreas protegidas até 2030 e atingir a proposta de renda básica incondicional para promover a justiça socioeconômica e ambiental transgeracional prevista nas discussões do Green New Deal. Isso pode gerar um importante catalisador para a promoção da justiça socioambiental por meio de pagamento por serviços ambientais. Além de poder ser incluído no cálculo das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e na elaboração de Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAP), conforme chamado pela declaração ministerial do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente e Sustentabilidade Climática (ECSWG) do G20. Integrada a um sistema de comunicação e educação, a proposta pode ser rapidamente disseminada entre continentes, fortalecendo e emancipando especialmente as frações mais vulneráveis ​​de nossas sociedades.

Se o Brasil conseguir criar e expandir as Áreas Marinhas Protegidas; fortalecer a criação do Programa Florestas Marinhas para Sempre; incluir a proteção efetiva dos bancos de rodolitos e outras florestas marinhas pelo Planejamento Espacial Marinho, ele não apenas contribuirá para atingir a meta de proteger 30% do planeta até 2030, mas também assumirá a liderança na conservação da maior extensão conhecida de bancos de rodolitos no mundo. 

Leia o estudo de revisão: doi.org/10.1111/ddi.13960

Leia a proposta de criação do “Programa Floresta Marinha para Sempre”: doi.org/10.1002/aqc.70037

Para saber mais

Nadine Schubert e colaboradores. “Pink power”—the importance of coralline algal beds in the oceanic carbon cycle. Nature Communications, 2024. doi.org/10.1038/s41467-024-52697-5 

Fernando Tuya e colaboradores. Levelling-up rhodolith-bed science to address global-scale conservation challenges. Science of the Total Environment, 2023. doi.org/10.1016/j.scitotenv.2023.164818

Rodrigo Leão de Moura e colaboradores. Tropical rhodolith beds are a major and belittled reef fish habitat. Scientific Reports, 2021. doi.org/10.1038/s41598-020-80574-w

Cristiana Seixas, Alexander Turra e Beatrice Padovani (Eds.) (2024). 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. bpbes.net.br/produto/diagnostico-brasileiro-marinho-costeiro 

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