Na semana passada, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) tomou a palavra na tribuna do Senado para tranqüilizar seus eleitores em Novo Progresso sobre as conseqüências da passagem espetaculosa do ministro do meio ambiente, Carlos Minc, pela Floresta Nacional do Jamanxim, no início de agosto.
O senador frisou que tinha em mãos a cópia de uma minuta do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) a ser assinado entre Instituto Chico Mendes (ICMBio) e os moradores da unidade de conservação. E este documento garantiria que as forças de fiscalização na região estariam impedidas de multar desmatamentos ocorridos antes de novembro de 2007 na floresta nacional de 1,3 milhões de hectares, criada em fevereiro de 2006 junto com outras áreas protegidas numa estratégia para tentar conter as frentes de desmatamento na Amazônia. “Existem quase mil famílias na área atingida pela Floresta Nacional do Jamanxim. Este é um povo ordeiro atingido pela demarcação indevida dessa floresta nacional. Há um acordo, as famílias aceitam não fazer mais abertura de floresta, têm atitude de conservação daquela área, mas poderão continuar suas atividades”, declamou o parlamentar.
“Se houve algum acordo entre o ICMBio e os moradores, este documento ainda não chegou aqui”, informou o analista do Ibama, Badaró Ferrari, que tem atendido a imprensa durante a operação Boi Pirata II, orquestrada para tentar retirar rebanhos de dentro da unidade de conservação. Diferentemente do cenário pintado pelo senador, o que se vê no campo é a franca ampliação das áreas desmatadas através de novas derrubadas e queimadas, que no último fim de semana escureceram os céus de Novo Progresso e impediram os helicópteros da fiscalização de decolar por causa das densas nuvens de fumaça. De acordo com Ferrari, nos últimos dias, nada menos que 624 novos pontos de calor foram detectados na Floresta Nacional do Jamanxim. “Nós estamos trabalhando em cima dos novos desmatamentos, das queimadas que estamos vendo agora. Se houve algum acordo, ainda que verbal, ele não está sendo cumprido”, relata o analista.
A ampliação de áreas que já estavam desmatadas antes da criação da Floresta Nacional do Jamanxim, em fevereiro de 2006, é mais uma estratégia para consumar a ocupação irregular e forçar um novo acordo para redefinir os limites da área protegida, retirando-se porções que evidentemente perderam valor de conservação. Mesmo assim, segundo os fiscais, muitos dos focos de queimada ocorrem hoje longe das áreas reconhecidamente abertas antes da criação da floresta nacional.
Redefinição dos limites de Jamanxim
Há pouco mais de três anos, o governo federal criou um bloco de áreas protegidas de 2,8 milhões de hectares no eixo da BR-163 (que cruza Pará e Mato Grosso de norte a sul) com o propósito de barrar o avanço do desmatamento, tendo em vista benefícios à biodiversidade e à coerência do Brasil em fóruns internacionais, quando diz que está comprometido com redução de emissões de gases oriundos de queimadas. Mas a saúde da floresta indica que a opção do país ainda é outra.
Dos 1,3 milhões de hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, cerca de 12% já foram desmatados, algo como 150 mil hectares. Segundo informações das equipes de fiscalização, praticamente metade do que foi convertido não deu lugar a produções agropecuárias. As terras estão simplesmente abandonadas.
Pressões forçam a área ambiental do governo a rever as dimensões da floresta nacional, posição que está sendo comemorada por ruralistas e posseiros e esperada para o dia 9 de outubro. “Apesar de ser governo, o Instituto Chico Mendes (ICMBio) está sendo louvável, entendendo que a floresta nacional precisa ser redefinida”, elogia Nelci Rodrigues, presidente da associação Vale do Garça, no distrito de Castelo dos Sonhos (PA). Ela é uma das lideranças que entregaram uma proposta de redução da floresta nacional para o ICMBio. Apesar disso, não quis explicar o teor do novo desenho, como se essa área de floresta interessasse apenas aos moradores do sul do Pará.
O ICMBio também preferiu não divulgar a proposta dos ocupantes, tampouco comentou que porções serão excluídas da floresta. Reconheceu que na época da criação da unidade, foram incorporadas áreas já modificadas pela ação humana, por isso garantiu que a decisão sobre o desenho definitivo beneficiará mais a própria floresta. “A idéia é manter ou ampliar o nível de conservação. Temos que fazer com que a conservação saia ganhando”, informou Rômulo Mello, presidente do ICMBio. Ele estima que em cerca de 60 dias este trabalho esteja concluído.
Pressões e intenções
De acordo com Nelci Rodrigues, os moradores não cogitam receber indenizações para serem desapropriados. Ela sabe que para ter direito a isso, eles precisam provar que são legalmente donos de suas propriedades. “O estado do Pará não tem título. Há mais de 20 anos não se intitula nenhuma área. A nossa vinda para a Amazônia foi um chamamento do governo federal na década de 70. Se há erro, há erro por parte do governo também”, rebate Nelci.
“Uma das cláusulas [do TAC] diz que o ICMBio autorizará a continuidade de todas as atividades já existentes na Flona do Jamanxim”, disse o senador Flexa Ribeiro, em tom de vitória. Para Rômulo Mello, do ICMBio, o acordo cria uma situação de conforto social para quem ja morava na floresta nacional quando ela foi criada, em 2006. Esse é o procedimento normal de negociação quando o governo cria uma unidade de conservação e se vê sem condições de retirar eventuais moradores com indenizações e desapropriações imediatamente. O problema está em outra condição do acordo. “Outra cláusula diz: não realizar novas autuações de desmatamento até novembro de 2007”, discursou o parlamentar.
Isso significa que quem devastou a floresta nacional até um ano e nove meses depois de sua decretação está isento de punições, segundo o acordo. “Essa data foi discutida anteriormente entre comunidades, Serviço Florestal Brasileiro, o nosso termo está sendo construído, esse é um acerto normal que precisa ser feito entre as partes. É uma negociação”, justifica Mello.
Praticamente desde que a floresta do Jamanxim foi decretada, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon) vem monitorando desmatamentos em seu interior. Seja após fevereiro de 2006 ou novembro de 2007, a unidade de conservação mantém-se entre as que mais rapidamente estão sendo destruídas na Amazônia. Em junho de 2008 já havia perdido 92 km² considerando apenas os dois anos anteriores, de acordo com o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do instituto.
Em Novo Progresso, os fiscais fazem questão de mostrar que não pretendem aliviar novos crimes. “Se este documento vier atestando quem tem direito de permanecer na floresta nacional, vamos analisar a área a partir do que já havia sido desmatado antes da criação da unidade. Se ele tiver ampliado seu desmatamento, terá a área embargada, será multado”, explicou Ferrari.
Modelo de desenvolvimento
A despeito do que o Brasil propala em fóruns internacionais sobre estabelecer novos modelos de desenvolvimento para a Amazônia, nada parece ter mudado em relação à maneira como os moradores do arco do desmatamento encaram a criação de áreas protegidas. “Ela veio engessar a comunidade, deixando de gerar emprego renda, provocando impacto social”, entende Nelci Rodrigues. Esses empregos e essa renda são efêmeros, segundo mostrou há exatos dois anos o Imazon, quando detalhou o modelo de exploração de “boom e colapso” no arco do desmatamento. A conversão irracional da floresta deixa os municípios mais pobres após os anos de auge da economia local, com a diferença de ficarem também exauridos, sem recursos naturais.
Teoricamente, não deveria ser assim. A floresta nacional figura entre as categorias de unidade de conservação que, de acordo com a lei de gestão de florestas públicas, pode passar por processo de concessão para que empresas que apresentem as melhores condições sócio-ambientais realizem manejos em esquema de rotação de áreas com impacto mínimo à natureza. Entre os requisitos das empresas candidatas está dar prioridade à capacitação e emprego de mão-de-obra local.
De acordo com avaliação do Ibama em Novo Progresso, seis mil cabeças de gado foram retiradas e outras 15 mil estão saindo da Floresta Nacional do Jamanxim. Segundo os fiscais, cabe à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) remover os rebanhos após serem apreendidos. Mas quando a Conab terá condições de retirar tanto boi em área tão remota ainda é incógnita. Armas, serras elétricas, mil litros de óleo diesel, tratores, caminhões e serrarias também foram apreendidos e estão sendo levados para a base do Ibama. Os autos de infração somam mais de 23 milhões de reais em multas.
Diante de um quadro desses é difícil não pensar que Jamanxim possa ter um desfecho tão desastroso quanto está tendo a Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia. Com ingredientes semelhantes – demonstrações espetaculosas do ministro Carlos Minc, tentativa de retirada de gado da unidade, aceitação de invasores em seu interior e acordos ilegais para desmembrar a floresta em áreas menos restritivas à conservação – a floresta do estado de Ivo Cassol viu a milionária operação de fiscalização bancada com dinheiro público minguar até os órgãos envolvidos perceberem que não fazia mais sentido manter tantos servidores no meio do fogo-cruzado. Azar da unidade de conservação que só começou a ser implementada 15 anos depois de sua criação.
Para o ICMBio, os esforços para implementação de Jamanxim serão impulsionados. Até agora, o governo dispôs de apenas um analista ambiental para os 1,3 milhões de hectares da floresta nacional. De acordo com Mello, mais dois servidores serão transferidos nas próximas semanas. “Sabemos que isso não é suficiente, mas precisamos iniciar a implementação. O plano de manejo já está sendo elaborado. Estamos tratando da criação do conselho de gestão da unidade, o que também não é simples”, acrescenta o presidente do Instituto Chico Mendes.
No início de agosto, o coordenador da operação Boi Pirata II do Ibama, Leslie Tavares, teve uma ordem de prisão expedida por um juiz estadual do Pará, que também havia determinado cancelamento de todos os procedimentos de fiscalização. A decisão foi anulada horas depois pela Justiça Federal. Dezenas de blogs e jornais atacam as ações de fiscalização ambiental no Jamanxim diariamente. E fiscais convivem com ameaças de terem as bases incendiadas ou serem sitiados pela população, como já aconteceu em Paragominas (PA) e Paranaíta (MT). Um projeto de lei do deputado Asdrubal Bentes (PMDB-PA) tramita no Congresso desde 2006 para sustar não só a Floresta Nacional do Jamanxim, mas as outras unidades de conservação criadas para tentar frear o desmatamento na Amazônia ao longo da BR-163. Brigar pelas unidades de conservação na Amazônia é coisa séria.
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