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Afinal, o que é a industrialização verde? Guia explica porque este ainda é um termo em disputa

Pesquisa analisou o conceito e a sua aplicabilidade no Brasil, Colômbia e Chile. Documento traz informações, dados e conceitos sobre o tema para a sociedade em geral

Júlia Mendes ·
10 de abril de 2024

A organização sem fins lucrativos Climate Tracker lançou neste mês o “Guia para Industrialização Verde”, voltado para jornalistas e para a sociedade civil. A proposta central do documento é esclarecer o significado do conceito de indústrias verdes e entender como ele se dá na prática. A pesquisa se concentrou em três países latino-americanos: Brasil, Colômbia e Chile. Pesquisadores afirmam que “industrialização verde” ainda é um termo em disputa pelo mundo todo.  

O documento foi resultado de um estudo realizado durante quatro meses por pesquisadores dos três países. Segundo Maria Beatriz Mello, responsável pela pesquisa no Brasil, a proposta era analisar não apenas o conceito de industrialização verde – ou novos modelos de desenvolvimento – nas três nações, mas também as diferenças de aplicabilidade em cada uma. Ela explica que, no Brasil, o termo se pauta num conceito de “neoindustrialização”, na qual a descarbonização e a bioeconomia estão inseridas, assim como a busca por uma desvinculação da economia pautada em commodities. 

“A neoindustrialização é importante para a agenda brasileira de desenvolvimento no sentido de sair desse espaço de economia primária de commodities para entrar em um outro espaço da economia nacional e global, numa economia mais industrializada, que vende bens de maior valor agregado e com maior retorno financeiro para os países. Então tem muito a ver com o processo de desenvolvimento do país, mas também do desenvolvimento que quer ser mais verde, mais sustentável e mais preocupado com as questões climáticas”, disse a pesquisadora.

A primeira etapa da pesquisa se concentrou em entender o que cada país entendia como industrialização verde. Para isso, foi necessária uma revisão bibliográfica de autores, artigos e documentos sobre o assunto. Após isso, foram realizadas entrevistas com profissionais de diferentes áreas para entender como o conceito se dá na prática. Segundo Maria Beatriz, a cada etapa alcançada, informes sobre os resultados encontrados eram divulgados e ao final da pesquisa, foi feito um relatório geral. A pesquisadora destacou que essa é uma pesquisa introdutória, porque o assunto ainda tem muito a ser discutido.

Lançamento do Guia para Industrialização Verde, no Rio de Janeiro. Foto: Júlia Mendes

Durante o evento de lançamento do Guia, realizado em 26 de março no Rio de Janeiro, a mentora no Brasil para Climate Tracker, Marcela Martins, explicou que não foi possível chegar a um significado comum entre os países em relação ao termo “industrialização verde”. Em suas palavras, “é um conceito ainda muito em disputa”. Apesar dos esforços em relacionar a industrialização com a sustentabilidade, o Brasil ainda precisa lidar com questões centrais voltadas para o petróleo. Por esse motivo, o técnico de assessoramento da Federação Única dos Petroleiros (FUP) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Cloviomar Cararine, também presente no evento, falou sobre a importância da discussão em torno da transição energética. “Essa discussão pode ser uma grande chance para o Brasil”, disse. 

Transição justa

Além disso, Cararine enfatizou que a mudança na forma de produzir energia no Brasil não vai ser algo repentino, mas a discussão e conscientização da sociedade sobre o assunto são fundamentais. Segundo ele, em um país como o Brasil, onde o petróleo tem grande valor econômico, as petrolíferas estarão sempre no final da fila nesse processo de transição. Isso porque, para além dos motivos econômicos, os trabalhadores do ramo também são diretamente afetados. O técnico afirma encontrar dificuldades em mobilizar os trabalhadores para o tema. É aí que entra a questão da “transição justa”. Segundo ele, não há como falar em mudança na industrialização sem pensar em justiça social.

Um processo de transição energética justa não dá margem para que uma maior desigualdade social se instaure. Além disso, é preciso que essa nova forma de energia seja acessível para todos, seja pela localização, seja pelo financeiro. “Um debate precisa ser feito, ouvindo todos os lados envolvidos para que seja de fato um processo de transição justa”, disse Cararine.

A mentora Marcela conta que um dos pontos que mais chamaram a atenção dos pesquisadores no relatório foi a ausência de planos energéticos regionais nos países pesquisados. Além disso, Maria Beatriz afirma que também não encontraram algo que integrasse a “industrialização” de cada uma das nações analisadas. “Acho que é importante nós, como sociedade brasileira, conhecermos o debate, se inserir melhor nele e decidirmos então o que entendemos por indústria verde, desenvolvimento e também o que a gente quer para o país. O guia é o primeiro passo. E aí também entra a importância do jornalismo para criar esses debates na sociedade brasileira, promover uma discussão mais ampla sobre assunto e ouvir diferentes pontos de vista para chegar num certo consenso justo”, finalizou. 

  • Júlia Mendes

    Estudante de jornalismo da UFRJ, apaixonada pela área ambiental e tudo o que a envolve

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