Reportagens

Gato e sapato

O Jockey Club do Rio, que sempre tratou bem dos gatos que vivem lá, está sendo acusado de exterminar os animais. Mas no local não há provas do crime.

Ana Antunes ·
20 de julho de 2005 · 19 anos atrás

Como tantas praças do Rio de Janeiro, a Santos Dumont, no bairro da Gávea, é usada para despejo de gatos. Também como em outras praças, os bichos que vivem soltos acabam encontrando patronos, que no mínimo lhes trazem comida regularmente. Mas a Santos Dumont tem uma coisa que as outras praças não têm: um clube grã-fino freqüentado por esses animais vadios. E isso está virando um problema.

O Jockey Club do Rio de Janeiro, que fica em frente à praça, virou alvo de críticas e até de processo na Justiça, acusado de dar sumiço nos gatinhos que proliferaram em suas dependências. Mas seu caso parece uma história de mistério policial. Até pouco tempo atrás, o Jockey Club tinha a fama de tratar seus vira-latas quase tão bem quando os cavalos de raça que hospeda por trás de seus portões. O que terá havido?

A pista leva a 2002, quando a produção do Vivo Open Air, evento que, para se realizar no Jockey, pediu para que os gatos fossem retirados do local durante os 20 dias agendados para shows e sessões de cinema ao ar livre. Os bichos não combinavam com o perfil do público que iria à festa. O clube improvisou um gatil para confinar os animais provisoriamente. Acabada a festa, o clube parece ter gostado, porque resolveu manter os gatos no gatil. Soltos, eles causavam transtornos aos sócios, sujando a tribuna de honra, cruzando as pistas em horas de corrida, assustando cavalos e, ainda por cima, enfiando-se em tubulações e geradores de energia.

Até aí, tudo bem. O gatil não gerou queixas. As voluntárias continuavam levando os gatos para o abrigo, onde os tratavam e alimentavam. A controvérsia surgiu quando o clube mudou de diretoria, em novembro de 2002. Segundo as protetoras dos animais, a partir dessa troca de guarda adotou-se o que qualificam como política de extermínio. Elas acusam o Jockey de dar veneno aos animais e até queimá-los no forno crematório que existe no local. O forno é utilizado para incinerar o corpo dos cavalos que têm que ser sacrificados quando se machucam.

A diretoria do Hipódromo do Jockey, área que abriga o gatil, afirma que quem rompeu o acordo foram as voluntárias. Elas se comprometeram a dar comida aos bichos e não o fizeram. Elazar David Levy, responsável por esses assuntos no clube, afirma ainda que as voluntárias, chefiadas por Ana Yates e Marli Perilo, agiram assim de má-fé, só para denunciá-lo à polícia como responsável pela fome dos gatos. Com a briga, Ana e Marli foram impedidas de freqüentar o gatil e o convênio, rompido.

Apesar da proibição, o trabalho de proteção aos vira-latas não acabou. Três vezes por semana, Marli sai de sua casa na Barra da Tijuca para cumprir o ritual de distribuir 10 quilos de ração para os gatos. Há cinco anos ela se juntou a um grupo de mulheres que toma conta dos gatos de rua cujo endereço residencial são os muros do Jockey. E ela jura que o número de gatos tem diminuído nos últimos anos. Agora são cerca de 60. Houve época em que eram quase 400.

Para Marli, nem no escuro os gatos são pardos. À noite, ela os conhece pelo nome, sabe a árvore genealógica de cada um e lembra com tristeza daqueles que diz terem desaparecido nas instalações do clube. Cada vez que um carro dobra a entrada principal do clube, fica sobressaltada como uma mãe com medo que os bichos sejam atropelados. Isso às vezes acontece, diz ela.

Do outro lado, desde o rompimento com as voluntárias, o Jockey estabeleceu um contrato de cooperação com a Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais – SEPDA. O responsável pelo Hipódromo diz que a iniciativa da parceria partiu do próprio clube, que pediu à Secretaria uma visita semanal de veterinários. Mas, como tudo nessa história, parece que as coisas não foram bem assim. Segundo a ex-secretária Maria Lúcia Frota, o órgão teve que ameaçar ir à Justiça para forçar o clube a assinar o acordo. Segundo Maria Lúcia mais difícil ainda foi manter o local em condições aceitáveis para os animais. “O gatil ficou em quarentena, apenas os animais doentes podiam ficar lá”, diz ela. Depois que saiu do cargo, em janeiro de 2005, acha que a situação do gatil piorou muito. Maria Lúcia afirma que os animais são mal-tratados na instituição. “A prática lá era de campo de concentração, confinar para depois exterminar”, acusa.

Para investigar as denúncias de maus-tratos foi aberto um inquérito civil. A dra. Rosani Cunha, responsável pela ação, diz que ainda não é possível fazer qualquer afirmação a respeito do caso. Ela pediu ao Jockey relatórios sobre os eventuais falecimentos, especificando a causa mortis dos animais e com informações sobre o peso de todos os gatos do gatil. Os documentos já foram recebidos e estão sendo examinados pela Justiça.

O Eco agendou uma visita ao gatil do Jockey e encontrou um ambiente amplo e limpo, com um abrigo para os dias chuvosos e um espaço coberto para a alimentação. Os gatos estão de coleira e parecem saudáveis. Além disso, existe um ambulatório para cuidar dos bichanos que ficam doentes. O gatil está a procura de famílias que queiram adotar os gatos abandonados. A adoção é um processo cheio de formalidades. Ninguém pode simplesmente passar por lá e sair como seu gato vadio. Exige-se um cadastro e a apresentação do CPF. É preciso explicar para onde o bicho será levado. E ouvir recomendações da veterinária sobre a melhor maneira de tratá-lo. Maria das Graças de Oliveira foi lá escolher semanas atrás um animal de estimação. Saiu bem impressionada. “Os gatos são muito bem tratados, vêm até com certificado de saúde”, diz ela. E aí, caso encerrado?

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