Com um ideal na cabeça e uma ong nas mãos, o casal Rejane e Itanor estão conseguindo mudar a cara do currículo de escolas públicas em Brasília. Ela é produtora de marketing e ele advogado, mas é na causa ambiental que investem todo seu tempo há oito anos, desde que fundaram a Amigos do Futuro.
“A gente queria realizar algo importante, que fizesse a diferença para a nova geração”, diz Rejane Pieratti, presidente da ong. Tudo começou com a criação de uma “ecoteca”, construída em terreno cedido pelo zoológico de Brasília. “A Ecoteca é ambientalmente correta, feita com telhas de papelão, madeiras certificadas e tijolos prensados a frio, e foi imediatamente visitada em massa pela comunidade. Foi assim que percebemos o tamanho da carência de espaços de educação voltados para o meio ambiente em Brasília”.
Segundo Rejane, desde que foi inaugurada a Ecoteca sempre esteve lotada com turmas de 50 alunos por turno. “A procura foi tão significativa que, de dois anos para cá, as escolas públicas do Distrito Federal adaptaram o calendário letivo às visitações agendadas para conhecer nossas atividades”.
Os primeiros livros vieram do acervo pessoal da direção da ong, e em seguida a empresa Novo Rio Recicláveis – primeiro parceiro da Ecoteca – doou dinheiro para fazer crescer a Ecoteca, que hoje conta com 1.620 títulos. Sempre dentro da área ambiental, os assuntos variam: água, Amazônia, ar, artes, biodiversidade, desenvolvimento sustentável, direito, ecologia, educação ambiental, gestão ambiental, literatura, lixo e reciclagem. Eles também emprestam livros por um período de sete dias, mas apenas para quem for filiado à ong Amigos do Futuro.
Aquário
Deu tão certo que a idéia se expandiu. Depois da Ecoteca, Rejane e Itanor criaram outros dois projetos para formar um centro educativo gratuito no zôo, inédito no Brasil. O primeiro foi uma sala com 15 computadores ligados à Internet sob orientação de gestores da área de biologia e engenharia florestal. O outro é o Espaço Água (foto), inaugurado em novembro passado. Trata-se de uma estrutura tubular azul que lembra um aquário gigante. Enquanto passeiam, as crianças recebem informações sobre a gestão, reaproveitamento e preservação mananciais aqüíferos por meio de equipamentos que reduzem o consumo, tecnologias de captação da água da chuva, estação de tratamento e reutilização da água.
Os visitantes aprendem, por exemplo, o mecanismo de aproveitamento da água usada para lavar a louça, que depois pode ser usada nos jardins ou no vaso sanitário, além de todos os desdobramentos ambientais que envolvem a questão. “A chegada dos computadores era inestimável para a formação da consciência ambiental dessa nova geração. Já o Espaço Água atrai porque a própria estrutura chama a gente para mergulhar no assunto, literalmente”, explica Rejane, que contabiliza mais de 80 mil crianças de Brasília que já passaram pelo menos uma vez pelas atividades do complexo.
E não só lá dentro. “A ong promove campanhas, cursos e atividades ambientais nos fins de semana em outros espaços públicos do Distrito Federal, como no Parque da Cidade”, diz Rejane. “Desses, eu não tenho números. Já perdemos a conta de quantas crianças já passaram pela gente nos fins de semana”.
Enquanto Rejane toca o lado administrativo, Itanor Junior dedica seu conhecimento jurídico à solução de desafios ambientais e leva a experiência da Amigos do Futuro para outras entidades, em todo o Brasil. Tem ajudado ongs da Amazônia a organizar seus estatutos e providenciar à papelada necessária para conseguir financiamentos e parcerias para projetos ambientais. A colaboração de Itanor foi fundamental no processo de legitimação da reserva extrativista do Rio Purus, no Acre.
Referência nacional
Para a secretária de Educação do Distrito Federal, e ex-secretária de Meio Ambiente, Wandercy Camargos, o centro de atividades da ong Amigos do Futuro é referência nacional em educação ambiental. “Apesar de não ter partido da iniciativa do governo, a estrutura é um patrimônio que devemos apoiar. Pretendemos oficializar a parceria. As visitas agendadas e previstas na programação letiva agradam os alunos. Eles saem na frente, em todo o Brasil, quando o assunto é meio ambiente”, comenta.
Brenda Dornelas, coordenadora de educação do Colégio Arvense, uma das escolas públicas do Distrito Federal, agenda visitas periódicas ao complexo e diz que o comportamento das crianças e adolescentes mudou de quatro anos para cá. “Eles entendem o drama ambiental que estamos vivendo e sabem que o desafio de manter o planeta cabe a eles. As discussões são assunto no recreio. Hoje os meninos brigam entre si por conta do desperdício de água na escola e usam os dois lados dos papéis brancos”, resume.
O diretor do zoológico de Brasília, Raul Gonzales, diz que o complexo construído lá dentro pela ong incrementa suas atividades ambientais. “Já tínhamos um projeto de educação ambiental em andamento, e este outro veio agregar valor ao nosso”, comenta. Rejane explica que a ong doou duas salas para o zôo em troca da instalação do centro no terreno. Hoje elas estão fechadas ao público, mas o diretor promete: “Pelo menos uma vez por mês, depois do carnaval, vamos utilizar uma das salas como auditório para palestras, e a outra para uma exposição do zôo, como o museu de taxidermia”.
As três estruturas que formam o projeto custaram ao todo 900 mil reais, levantados de várias formas pela ong. As obras da Ecoteca, de R$ 447 mil, foram pagas pelo antigo projeto Unibanco Ecologia, e a churrascaria Porcão entrou com dinheiro para finalizar. Em seguida, vieram os computadores para a Escola Informática e Meio Ambiente, que foram doados pelas embaixadas da Finlândia e Nova Zelândia. Uma empresa pequena de Brasília instalou e pagou toda a rede de cabos da sala de computadores. “Para você ver que não são só os grandes que podem ajudar”, exemplifica Rejane. Na verdade, qualquer pessoa pode ser colaboradora, filiando-se à ong por 30 reais por semestre.
As obras do Espaço Água, que custaram 300 mil, foram patrocinadas pela Petrobrás. Rejane também emplacou o projeto entre os 30 escolhidos pela Bolsa de Valores Sociais, da Bovespa. “Ações” de 10 reais são vendidas para investidor, que escolhe qual iniciativa social ou ambiental quer ajudar. Quando o valor doado chegar a 100 mil reais, o projeto automaticamente cede lugar a outro.
“Infelizmente, os investimentos ambientais ainda andam devagar no Brasil, que prefere ajudar a área social”, lamenta Rejane. Ela diz que a quantia arrecadada por meio da Bovespa é, até agora, “irrisória”. “Tinha a expectativa de arrecadar o valor total em um ano. Já completamos o segundo ano com muito, muito pouco”.
Mas isso não a desanima. “A gente aqui olha pra frente. O que interessa disso tudo não é o que não conseguimos, mas o que já construímos: vi que podemos mudar o futuro com as nossas mãos, e de repente já fazemos parte da formação ambiental do novo cidadão de Brasília”.
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