Seu Domingos da Silva (foto) não se importou com o barulho das motosserras, e indiferente às árvores caídas ao redor tocava o churrasco familiar em plena terça-feira, sob a sombra do último círculo de pinheiros que sobrou no Parque da Cidade, em Brasília. “Se não dava para esperar o fim de semana antes do corte, também não dava para deixar de fazer um último churrasco aqui”.
A operação de corte de 650 pinus quarentões, plantados antes mesmo de a área ser decretada parque, está a cargo da Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital), a mesma que plantou a espécie para ser transformada em lenha na década de 60. “O pinus cresce rápido. A finalidade desta madeira era mesmo comercial, lenha para os fornos das padarias, cerâmicas e carvoarias que mantinham aquele projeto de cidade. Mas você vê: o que é do homem, o bicho não come mesmo”, brinca Ozanam Coelho, diretor de parques da Companhia, que está devolvendo espécies nativas para dentro da cidade. “As próprias circunstâncias me dão de volta a oportunidade de replantar o cerrado em Brasília”.
Se o bicho come ou não, o certo é que um fungo ainda desconhecido atacou o tronco dos pinheiros (Pinus elliotti) do parque, moléstia que só foi detectada depois de uma ventania que atingiu 89 km/h no dia 18 de dezembro em Brasília. Desde então os pinheiros ficaram bambas, prestes a cair. Um perigo para os freqüentadores. A pressa da Novacap tem razão de ser: segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ventos de até 100 km/h devem sacudir novamente as árvores da cidade nos próximos dias.
Segundo Ênio Dutra, secretário da Comparques, todos os pinheiros serão cortados, mas a longo prazo. “Estamos trabalhando agora objetivamente, apenas nas árvores que oferecem risco”.
Mas Ozanam Coelho adianta os planos: “Vamos colocar no lugar dos pinus a quaresmeira rosa e roxa, os ipês branco, roxo e amarelo, o jacarandá vermelho e a fisocalina, que dá umas flores lilazes lindas demais”, orgulha-se o homem que replantou Brasília quando o cerrado veio abaixo para a construção da nova capital. Enquanto continua o plantio, “tarefa que não acaba”, faz também as reposições das árvores velhas e doentes da cidade. “Árvore velha, minha filha, é como gente velha: fica sem o telhado, tem pereba, ameaça cair no chão…”, brinca.
Sobre a falta de sombra nas churrasqueiras, Ozanam responde, sinceramente. “Eu não vou esquentar a minha cabeça com isso. As sombras das quaresmeiras não vão ser algo que eu espero desfrutar, minha filha. Tempo, tempo, tempo…”.
E despediu-se com as mãos no bolso, assoviando o restinho daquela música do Caetano, enquanto o velho crachá de funcionário da Novacap ameaçava voar em um pé de vento que nos pegou pela canela.
Leia também
Supressão de área verde para construção de complexo viário gera conflito entre Prefeitura e sociedade civil em São Paulo
Obras levariam à derrubada de 172 árvores no canteiro central da avenida Sena Madureira; municipalidade recorreu de liminar do MP-SP que mantém operação paralisada →
Mato Grosso aprova norma que limita criação de Unidades de Conservação no estado
Pelo projeto, só poderão ser criadas novas áreas protegidas após a regularização fundiária de 80% das já existentes. Organizações criticam decisão →
Garimpos ilegais de ouro podem emitir 3,5 toneladas de carbono por hectare e concentrar mercúrio no solo
Pesquisadores da USP e colaboradores analisaram amostras de áreas de mineração em quatro biomas, incluindo Amazônia →