Reportagens

Lonely Planet Verde

O guia de viagem mais popular do mundo lançou edição dedicada a roteiros ligados a questões ambientais e sociais. Tem de férias com gorilas em Ruanda a passeios com órfãos na Tailândia.

Adriana Maximiliano ·
22 de setembro de 2006 · 18 anos atrás

Que tal tirar férias na Venezuela, entre a Grande Savana e a fronteira com o Brasil? Mas quem vai para lá não deve pensar apenas em explorar a região e deitar na rede. No povoado de Santa Elena de Uairén, os turistas têm no pacote cinco horas diárias de trabalho voluntário – plantar sementes, cuidar de crianças e ensinar outra língua estão entre as opções. A hospedagem será em casas de famílias locais ou numa moradia exclusiva para voluntários. E quem quiser ainda pode fazer aulas de espanhol por um custo baixo. Já as aulas de respeito ao meio ambiente e à cultura da região são dadas naturalmente, a todo instante, sem custo adicional.

Férias como esta não estão nos guias turísticos tradicionais. Elas foram reunidas pela primeira vez no livro “Code Green – Experiences of a Lifetime”, que acaba de ser lançado pela editora Lonely Planet nos Estados Unidos, Europa e Austrália em papel reciclado e com tintas de soja não-modificada geneticamente. São 82 sugestões de turismo responsável, dadas por gente de países e profissões diferentes, mas que tem a mesma consciência ecológica. “A primeira vez que a editora cogitou a idéia de publicar um livro sobre turismo responsável foi em 2002. Mas, na época, não sentimos que o mercado estava pronto para este tipo de livro. Só há um ano comecei a tocar o projeto”, diz a editora australiana Kerry Lorimer, de 43 anos, que escreveu 32 histórias do livro, inclusive a única que se passa no Brasil: a conservação da lontra e outros bichos no Rio Negro, Pantanal.

Kerry conta que já viajou para mais de cem países, viu orcas no Canadá, “conversou” com gorilas em Ruanda e até virou refém no Iemên. Mas foi no Brasil que ela teve as férias mais completas. No livro, ela dá a dica: “Enquanto seus dias serão preenchidos com o excremento da lontra (fascinante por si só), suas noites provavelmente vão girar em torno de caipirinhas com os ‘caubóis’ locais e muita bossa nova até altas horas”.

A idéia do livro é inspirar o leitor, seja qual for sua idade, país ou profissão, a ajudar na defesa de paraísos ecológicos pelo mundo. “Quem não conhece um lugar que já foi mágico e acabou sendo desfigurado pelo turismo? Eu mesma tenho boas lembranças de praias desertas na Malásia, Tailândia, Bali e Ilhas Virgens que foram invadidas por imensos resorts, perderam muitos recursos naturais, inclusive água, sofreram avarias permanentes no meio ambiente e não tiveram nenhum retorno financeiro para a população local”, diz Kerry, lembrando que o turismo é uma das indústrias que cresce mais rapidamente hoje no mundo. O desafio agora é fazer o turismo responsável acompanhar o passo do setor e ganhar mais adeptos e popularidade nos guias e revistas especializados. Depois de anos publicando guias turísticos com um certo quê de ecológico, a Lonely Planet assumiu esta luta de vez com o “Code Green”. Logo nas primeiras páginas, o livro traz uma crítica à vulgarização do termo ecoturismo e lembra o tripé de princípios que está por trás do turismo responsável: respeitar o meio ambiente, preservar a herança cultural da região e ajudar a melhorar a qualidade de vida da comunidade.

Volta ao mundo

O livro foi dividido em sete regiões: África & Oriente Médio; Ásia; Austrália & Nova Zelândia; Europa; América do Norte; Pacífico e Américas do Sul e Central, Antártica & Caribe. A visita aos gorilas das montanhas de Ruanda e Uganda, na África, está entre as sugestões mais selvagens do livro. Através da empresa inglesa Discovery Initiatives, é possível fazer uma visita e aprender um pouco sobre a linguagem destes animais em extinção – há apenas 650 no mundo. “Quando eles batem no peito e fingem vir para cima, por exemplo, querem dizer que são os donos do pedaço”, escreveu Kerry. O vôo a partir de Londres, 14 dias de hospedagem, além de safáris e visitas a três famílias diferentes de gorilas em Ruanda e Uganda, custam cerca de 3,5 mil libras.

Na Ásia, um dos destaques é praticar ioga com quem mais entende do assunto: os indianos. Cada hora de aula custa entre US$ 2 e US$ 7 e, segundo o livro, esta é uma das melhores maneiras de absorver a cultura da Índia. Outra aventura tentadora naquele continente se passa na segunda maior cidade tailandesa, Chiang Mai: o trabalho voluntário num orfanato, pagando cerca de US$ 1 mil por duas semanas, com acomodação básica e alimentação incluídas. O Ban Kingkaew reúne 60 crianças de 1 mês a 6 anos, além de professoras, babás, enfermeiras, freiras budistas e turistas voluntários. Trocar fraldas, arrumar camas e brincar com as crianças fazem parte deste pacote de férias. “Apesar de ter estado várias vezes na Tailândia e ser apaixonado pela cultura daquele país, nesta viagem eu ganhei uma verdadeira janela para o estilo de vida tailandês. Pegar um táxi com destino ao mercado local e fazer um estoque de loção anti-mosquito e fraldas para seus companheiros de férias é muito mais recompensador do que assistir a uma apresentação de dança nativa no lobby de um hotel cinco estrelas”, escreveu o australiano Philip Engelberts no livro.

Na Austrália, é possível nadar com tubarões-baleias no recife de Ningaloo e fazer um tour guiado por comunidades aborígenes na região da Uluru. Para quem viaja com crianças, uma das melhores opções é visitar as imensas árvores Kauri na floresta neozelandesa de Waipoua. Como os autores do livro gostam, os guias mais uma vez são locais – maoris neste caso. “Seja qual for o lugar do mundo, é importante sempre usar os serviços de gente que nasceu e cresceu ali. As grandes redes internacionais de hotéis são um crime contra a cultura e o meio ambiente dos nossos paraísos ecológicos”, reclama Kerry, que colocou entre as sugestões da América do Norte uma viagem pela Route 66, famosa estrada americana: “Mas sempre optando por restaurantes e hotéis pequenos, de gente local”.

Algumas das aventuras na Europa são explorar – e ajudar a proteger – o delta do rio Danúbio, na Romênia, atravessar a Inglaterra de bicicleta e ajudar a conservar a fauna e a flora do lago Baikal, na Rússia. Já no Pacífico uma das sugestões é explorar o mar de Fiji de caiaque e trocar os resorts por um camping.

Ecologicamente correto, até o fim

Além das sugestões de viagens, o livro traz artigos sobre questões diversas, como dar ou não esmola, etiqueta em trilhas e a melhor maneira de identificar empresas que se dizem de turismo ecológico. mas não se preocupam com a natureza. Kerry Lorimer lembra ainda que qualquer viagem de avião tem um custo alto para o meio ambiente: “Um vôo entre Londres e Nova York, por exemplo, produz 1,57 toneladas de dióxido de carbono. Os aviões comerciais são responsáveis hoje por de 3% a 4% do impacto humano total nas mudanças climáticas. E esses números estão aumentando”. Um artigo do livro chega a sugerir que os leitores pensem na possibilidade de passar as férias em casa, ou perto dela, para não contribuir para o efeito estufa. Ao falar sobre o assunto, Kerry não é tão radical: “Eu acredito que os benefícios de uma viagem, como o aprendizado e o crescimento pessoal, são ótimas razões para continuar viajando. Mas todo mundo deve compensar seu próprio estrago calculando a taxa pessoal de gás carbônico e pagando por ela em organizações como a Climate Care.

A Climate Care, como explica o livro, calcula a emissão de dióxido de carbono de cada rota de avião e o valor, em libras, do estrago causado por passageiro. No próprio site da organização, o viajante pode fazer uma doação para diminuir sua culpa no problema. Segundo o site, todo o dinheiro doado vai para projetos que tentam minimizar o aquecimento global, como a recuperação de uma floresta em Uganda.

*Adriana Maximiliano é freelancer em Washington.

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