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Carbono popular

Nesta semana, líderes dos ‘povos da floresta’ se articulam para tentar influenciar a escolha de mecanismos financeiros para evitar o desmatamento. Eles querem apoio do mercado.

Cristiane Ramalho ·
28 de março de 2008 · 16 anos atrás

Pesquisadores, ambientalistas e comunidades da América Latina querem influenciar as discussões sobre os mecanismos de compensação financeira pela preservação de florestas tropicais que serão adotadas no acordo contra as mudanças climáticas que substituirá o Protocolo de Kyoto em 2013.

De 01 até 04 de abril uma reunião será realizada em Manaus para alinhavar uma proposta conjunta para ser apresentada em Bonn, na Alemanha, durante eventos paralelos do encontro do órgão técnico da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – o SUBSTA – que acontecerá entre os dias 2 e 16 de junho.

O encontro em Manaus está sendo organizado pela Aliança dos Povos da Floresta com apoio do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM. Além de convidados da América Latina – como pesquisadores, representantes de lideranças indígenas, seringueiros e pequenos agricultores – vão participar do evento observadores da Ásia e da África. Mudança climática e desmatamento estarão no centro do debate, que tentará responder se o mercado de crédito de carbono pode ajudar a proteger as florestas ou se apenas vai trazer novos problemas.

Segundo Paulo Moutinho, coordenador de pesquisa do IPAM, índios e seringueiros da Amazônia já se definiram a favor da adoção do mercado de crédito como mecanismo para remunerar a redução do desmatamento e a preservação das florestas. Povos da Ásia e da África, porém, mostraram em Bali, durante a 13ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que tendem a ficar contra essa opção. Para eles, compensar com crédito de carbono países que reduzam suas emissões oriundas do desmatamento deixaria a floresta ainda mais atraente para os especuladores.

“Hoje, existem vários grupos fragmentados discutindo e tomando posições divergentes”, diz Paulo Moutinho. “Nosso argumento é que rejeitar a opção de mercado não vai ajudar ninguém a ganhar mais direitos”, antecipa o pesquisador, que espera fechar em Manaus uma proposta dos representantes da América Latina para ser discutida durante os eventos paralelos ao SUBSTA.

Centro do poder

Mesmo sem ter acesso às discussões e ao documento final do SUBSTA, os observadores que participam desses side-events têm boas chances de fazer suas propostas chegarem de alguma forma ao centro do poder, acredita Moutinho, que esteve em Bali e estará em Bonn para levar a proposta saída de Manaus.

Em Bonn, o SUBSTA (Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico) vai dar seqüência às negociações iniciadas na Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, em Bali – onde a proteção das florestas foi definitivamente incluída na discussão sobre os acordos pós-Kyoto.

“O SUBSTA é uma oportunidade para uma discussão mais científica”, explica Moutinho. Seu papel é subsidiar os governos com análises técnicas, que serão mais tarde levadas (ou não) para discussão na Conferência das Partes (COP), que têm enfoque mais político e será realizada no final do ano.

Fundo ou crédito?

Um dos pontos que deverá concentrar boa parte das atenções no SUBSTA, diz Moutinho, é justamente a questão da floresta e dos mecanismos de transferência de recursos financeiros para a redução do desmatamento, que vão girar em torno de duas linhas gerais: fundos e créditos.

Pelo menos num primeiro momento, o Brasil não deverá mudar sua intenção de criar um fundo de proteção às florestas. Mas, como confirmou a assessora do Ministério do Meio Ambiente, Fernanda Viana de Carvalho, durante a Conferência do Clima e Mudanças na Amazônia, no final de fevereiro, em Berlim, o Brasil também “ainda não descartou a questão do mercado”: “Se vamos adotar um fundo voluntário ou ligado ao mercado, isso vai ser definido depois”.

Além da questão da soberania, para Moutinho o Brasil estaria resistindo a adotar critérios de mercado também por medo de não conseguir cumprir as metas acertadas para o controle do desmatamento. Leia aqui texto do pesquisador apresentado durante a conferência em Berlim.

Pesa ainda o argumento, dentro do governo brasileiro, de que esse “é um jogo de ganho zero”, já que quem compra os créditos pode continuar poluindo. Para o pesquisador, porém, a saída para isso é impor limites: “É só obrigar o país a fazer, por exemplo, 85% da redução em seu próprio território”.

Um dos maiores focos de resistência à proposta de mercado para proteção às florestas estaria no Itamaraty, segundo Moutinho: “Para outros setores do governo, a opção pode ser até viável”.

O pesquisador acha que o ponto fraco da proposta de fundo feita pelo Brasil é o fato de ele ser voluntário, baseado na doação. Ele lembra que fundos em vigor, como o PPG-7, vêm caindo de dotação a cada ano. O que comprova que não basta contar com a boa vontade: “Como a mudança climática é para sempre, a sustentabilidade de qualquer investimento em floresta tem que passar por um sistema de mercado onde quem doa, ou investe, receba alguma coisa em troca”.

Onde está o dinheiro?

Para a Alemanha, parceira de peso do Brasil na questão ambiental, a solução de criação de um fundo está longe de ser uma saída fácil. “No mercado de carbono, existem mecanismos que definem de onde vêm os recursos. Mas se você adotar os fundos como solução, quem vai financiar isso? É uma questão que não posso responder, já que o meu ministério não teria dinheiro para isso”, disse a O Eco Nicole Wilke, coordenadora do departamento de Proteção do Clima Internacional do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha e representante da Delegação de Bali.

Nicole, porém, evita tomar partido. Ao ser perguntada se a proposta brasileira de criação de um fundo poderia ser encampada pela Alemanha, diz que seu país ainda não tem uma posição oficial em relação aos dois mecanismos de proteção das florestas (fundo ou mercado de crédito de carbono) – e que ambos os caminhos apresentam “vantagens e desvantagens”.

Para a alemã, estamos diante de um dilema – temos os instrumentos, sabemos os prós e contras, mas ainda não achamos o caminho. “Talvez a saída seja uma solução híbrida”, arrisca. Seja como for, ela terá que ser encontrada rapidamente: “Não temos muito tempo e estamos sob grande pressão. O bom é que estar sob pressão geralmente ajuda a resolver os problemas”.

* Cristiane Ramalho é jornalista em Berlim.

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