Três anos depois da lei que criou a Unidade de Conservação Monumento Natural das Ilhas Cagarras, a 5 km da Praia de Ipanema, a pesca predatória ainda pode ser flagrada no arquipélago. A Unidade foi criada pela lei 12.229 de 2010 para proteger os remanescentes de Mata Atlântica, os refúgios e áreas onde aves marinhas migratórias como atobás-marrons e fragatas botam seus ovos, bem como a beleza cênica do local. Ela é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, e seu Plano de Manejo está em elaboração e deve ser concluído até 2015.
Nesta fase de implementação, os gestores na UC visitam as ilhas uma ou duas vezes por mês para fiscalizar se está sendo cumprida a lei que proíbe a pesca a menos de 10 metros de distância do costão rochoso das ilhas Cagarras, Palmas, Comprida e Redonda, além das ilhotas Filhote das Cagarras e Filhote da Redonda. Nestas ilhas, acampamento ou pernoite só com autorização do ICMBio, que as concede para atividades de pesquisa científica e educação ambiental.
Pesca proibida
As fotos acima mostram pesca sendo realizada dentro da faixa de 10 metros ao redor de uma das ilhas protegidas e ainda com o uso de compressor, prática ilegal. De acordo com esportistas que frequentam as águas das Cagarras, a pesca com compressor ou de arrasto é comum por barcos maiores no local.
Segundo a coordenadora do Monumento Ambiental Ilhas Cagarras, Fabiana Bicudo, que recebeu o flagrante, a embarcação identificada já tem processo de denúncia aberto para apuração de infração ambiental na Polícia Federal. “Enviaremos a foto para constar no processo, inclusive como desobediência e reincidência e ele será responsabilizado administrativa (multa) e penalmente”, garantiu.
Esta deverá ser a segunda punição aplicada até agora pelo ICMBio nas Cagarras. A primeira ocorreu no final de 2012, durante uma das 4 operações de fiscalização que o órgão já fez com a ajuda de polícia ambiental. Na ocasião, foi feito um flagrante de embarcação pescando polvo perto dos costões e aplicado auto de infração com multa de R$1.000,00. De acordo com a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605), as multas para pesca proibida podem variar de R$ 700,00 a R$ 100.000,00.
As duas únicas punições são o resultado da fiscalização feita na UC federal pelo ICMBio com a ajuda da Cicca – Coordenadoria de Combate aos Crimes Ambientais, órgão da secretaria de Estado do Ambiente-RJ. Com helicópteros, lanchas, botes infláveis, motos de trilha e efetivo de outros órgãos, a Cicca ajuda a vencer as dificuldades logísticas para a fiscalização. “Não é tão fácil controlar por causa do acesso próprio das ilhas”, diz o Cel. José Maurício Padrone, que dirige o órgão. Para chegar nos costões não basta ir de lancha: tem que ter bote inflável também. Até o fim de outubro a Cicca terá mais um helicóptero Esquilo disponível para fiscalização.
Como a presença do poder público é insuficiente nas ilhas, denúncias são bem-vindas para investigação e punição dos infratores, e devem ser encaminhadas através do email [email protected]. Foi o caso das fotos desta reportagem, feitas no dia 23 de agosto no arquipélago.
Fiscalização, de longe e de perto
Fabiana Bicudo fala dos progressos: “Já retiramos acampamentos, onde encontramos muito material de pernoite entre barracas, lençóis, churrasqueiras, cimento, roupas… Fizemos a retirada de apetrechos de pesca, como canos de pvc cimentados ao longo de todo costão para suporte de varas de pescar. Vale ressaltar que nestas ações sempre levamos folhetos elaborados especificamente para divulgação das normas”. Esse esforço parece ter efeito. No início de 2012, entre garrafas PET e grelhas de churrasco, foram recolhidos 80 quilos de objetos na base de mutirão. Já no final do ano, em outra operação, o lixo recolhido não chegou à metade.
De longe, nenhuma sujeira ou problema parece ameaçar o meio ambiente. A imagem das ilhas vista das areias da Praia de Ipanema é um cartão postal irretocável.
A sede do ICMBio, no alto do Parque Dois Irmãos no Leblon, também se beneficia de um visual deslumbrante em que o MONA salta aos olhos. Entretanto, lá há a ideia de usar a vista para implementar, em paralelo às ações de campo, um sistema de vigília através do uso de lunetas de longo alcance com registro fotográfico. “Esta metodologia será extremamente eficaz e poderá aumentar enormemente nosso esforço de proteção, já que teremos como observar e identificar as embarcações com maior freqüência”, espera Fabiana.
A tarefa não é fácil. “Há momentos em que é possível contabilizar até mais de 50 embarcações fundeadas no entorno das ilhas. Além dos barcos de operadoras comerciais de mergulho autônomo e passeio embarcado, há também embarcações particulares em atividade de lazer”, diz Fabiana.
O que pode e o que não pode
É preciso mesmo muita educação ambiental e também sinalização para que o visitante saiba o que pode e o que não pode fazer. Pode não parecer, mas acampamentos como o flagrado na foto ao lado, feita na mesma manhã de agosto na ilha Praça Onze são permitidos. Segundo o fotógrafo, que não quis se identificar, o acampamento daqueles pescadores era tão grande que podia ser avistado da Praia de Ipanema. A gestão da UC se defende. Poucos sabem mas a proteção não atinge todo o arquipélago que, além das seis ilhas do MONA Cagarras, conta com a Ilha Rasa, gerida pela Marinha, e com ilha da Praça Onze, onde não há restrições. “Podemos dizer de forma simplista que as ilhas sem vegetação não fazem parte da Unidade de Conservação, e nestas não há proibição de acampamentos ou atividades de pesca”, informa Fabiana.
Para a gestora, sinalizar é uma meta importante, mas o próprio meio ambiente oferece dificuldades aos que tentam protegê-lo. “No ano passado sinalizamos a Ilha Comprida, porém as placas foram retiradas pelas fortes marés. A previsão é de nos próximos seis meses possamos ter um novo modelo de sinalização”, diz.
Plano de Manejo
Soluções para problemas como este estão sendo procuradas nas reuniões para elaboração do Plano de Manejo, um documento técnico que deve estar pronto até 5 anos após a data de criação da UC. Fóruns e oficinas reuniram somente em 2013 mais de 350 pessoas para definição de normas e zoneamento de usos do MONA. “Fizemos um Fórum Público em abril e agora temos realizado oficinas temáticas com foco em: pesquisa, uso público, turismo, pesca e proteção. Temos obtido ótimos resultados pois todos os setores têm sentado para discutir conjuntamente os usos, como mergulho, passeio embarcado, escalada e pesca”, relata Fabiana. Ela espera que o documento técnico tenha o aval de todos os setores usuários envolvidos, deixando de ser meramente burocrático para adquirir status de pacto social.
Os trabalhos tem o apoio das 32 instituições que compõem o Conselho Consultivo do MONA. Entre elas, a UNIRio, a UFRJ, a UFF, o Museu Nacional, o Jardim Botânico, o Clube Marimbas, a Colônia de Pescadores de Copacabana (Z-13), a Federação de Montanhistas e o VIVARio. Os recursos financeiros vêm através do Fundo oficial, criado em 2012 pela SOS Mata Atlântica e mantido pelo Bradesco/SOS Mata Atlântica. “O Plano de Trabalho de 2013 prevê um investimento de cerca de R$100 mil na UC”, diz Fabiana.
Impacto do esgoto
Os estudos já levantaram, por exemplo, que o maior impacto ambiental sofrido no MONA é a poluição marinha, ligada ao esgoto in natura despejado continuamente na região pelo Emissário Submarino de Esgoto de Ipanema e à poluição da Baía de Guanabara, levada pelas correntes. “Pesquisas demonstram poluentes como o ascarel na casca dos ovos que nidificam nas ilhas afetando seriamente a conservação das espécies. Temos levantado estas informações científicas para provar que vale a pena buscar políticas públicas que minimizem este impacto”, diz Fabiana, acrescentando que a pesca irregular é o segundo maior problema a ser combatido. “Para melhorar a proteção à vida marinha no entorno das ilhas, estamos discutindo no Plano de Manejo também a criação de zonas de amortecimento, aumentando a área protegida para além dos 10 metros em volta do costão rochoso.”
Riqueza
Pesquisadores do Projeto Ilhas do Rio, da ONG Instituto Mar Adentro, coordenados pelo biólogo marinho Carlos Rangel, catalogaram mais de 600 espécies dentro dos limites do Monumento Ambiental das Cagarras e mais outras 100 pescadas no seu entorno pelos pescadores artesanais da Colônia de Copacabana (Z-13). Foram 50 espécies de algas, 135 de peixes e 157 de invertebrados bentônicos, dos quais 7 são provavelmente novos para a ciência. Na parte terrestre, foi estudada a mata semelhante à restinga, e inventariadas 157 espécies de ervas a árvores.
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