Três agências governamentais dos EUA e do Reino Unido confirmaram de forma independente nesta quarta-feira a notícia que já era aguardada desde os últimos meses do ano passado: 2015 desbancou 2014 e foi o ano mais quente desde que os registros globais de temperatura começaram, em 1880.
Segundo a Nasa (agência espacial dos EUA) e a Noaa (Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera, também dos EUA), o ano passado teve uma média de temperatura 0,13oC mais alta do que 2014. O Met Office, serviço de meteorologia do Reino Unido, afirmou que a temperatura do ano ficou 0,75oC mais alta do que a média de 1961 a 1990. Todas as três agências apontaram – numa coincidência rara entre entidades que usam modelos e bases de dados diferentes – que o ano passado teve temperatura 1 grau Celsius mais alta do que a média pré-industrial.
O ano que passou ficou marcado por eventos climáticos extremos em todo o mundo – seca e incêndios nos EUA, recordes de temperatura no verão de países europeus, onda de calor que deixou milhares de mortos na Índia, calor acima da média na Rússia, na China e na América do Sul, com algumas capitais brasileiras batendo recordes históricos de temperatura, ciclones extratropicais como o Patricia, inundações na Ásia, entre outros.
A combinação das mudanças climáticas globais, causadas pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, e de um forte El Niño está provavelmente por trás do tamanho do recorde – a última vez que um recorde de alta de temperatura global foi batido com tanta folga foi justamente em 1998, outro ano de El Niño forte. O El Niño é um ciclo natural de aquecimento no Oceano Pacífico, que tem um impacto sobre o clima global, elevando os termômetros.
Gavin Schmidt, diretor do Centro Goddard de Pesquisas Espaciais, diz, no entanto, que o recorde teria sido batido mesmo na ausência de um El Niño em 2015. “O ano de 2015 não começou com um El Niño”, afirmou o pesquisador. Segundo ele, o impacto do fenômeno na temperatura da superfície só é sentido seis meses mais tarde. Isso ajudaria a explicar as altíssimas temperaturas de outubro, novembro e dezembro, e permite também prever que 2016 será um ano ainda mais quente que 2015. Mas não explica o restante do ano passado.
“O recorde que tivemos é apenas um sintoma da tendência de longo prazo”, afirmou. “E não temos nenhuma evidência de que a tendência de longo prazo esteja mudando nas últimas décadas.” Este século teve 15 dos 16 anos mais quentes.
José Marengo, climatologista chefe de pesquisas do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), diz que muitos dos eventos climáticos vivenciados no Brasil no último ano, como inundações nas regiões Sul e Norte, calor no Centro-Oeste e seca no Sudeste e Nordeste, refletem os dados confirmados pelas agências internacionais. Segundo ele, o El Niño ainda deve atingir seu pico nos próximos meses, e os brasileiros continuarão a sentir seus efeitos. “Porém, não foi só o El Niño”, reforça o pesquisador. “O que estamos vivendo hoje é consequência de décadas de emissões de gases de efeito estufa. Os anos anteriores, que não tiveram El Niño, também foram mais quentes, não é mais atípico.”
Acordo do Clima
Na COP21, a conferência do clima das Nações Unidas que ocorreu em Paris no fim de 2015, os países de todo o mundo concordaram em agir para limitar o aquecimento do planeta abaixo dos 2 graus em relação à era pré-industrial, com o esforço de buscar um limite em 1,5ºC. O “teto” em 2 graus Celsius tem como base recomendações do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que alerta para a possibilidade de graves consequências das mudanças climáticas caso o mundo aqueça mais do que isso.
Para cumprir a missão, o mundo inteiro deve adotar medidas de redução de emissões de gases de efeito estufa, a um ritmo acelerado. Análises sobre as metas voluntárias de redução de emissões apresentadas pelos governos às Nações Unidas mostram que caminhamos para um planeta de 2,7ºC a 3,5ºC mais quente do que era antes da industrialização.
Os cientistas da Nasa e da Noaa foram claros em dizer que os dados apresentados hoje não possibilitam a projeção para o futuro, apesar da já observada tendência de aquecimento nos últimos anos. Gavin Schmidt disse que “nada de especial aconteceu” com o que foi decidido na COP21 a partir dos números divulgados hoje. “Os dados servem para que os formuladores de políticas decidam o que fazer”, disse o pesquisador. “O importante para reverter a tendência de aquecimento é quão rápido vamos reduzir as emissões.”
José Marengo ressalta que, mesmo que haja redução significativa de emissões, as regiões mais vulneráveis precisam estar preparadas. “Com as medidas de Paris estamos pensando no clima futuro. Para os impactos que já estamos vivendo no presente, temos que pensar em medidas de adaptação.”
*Este artigo foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima, republicado em O Eco através de um acordo de conteúdo. |
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