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Autódromo de Deodoro: projeto que preserva área está engavetado há 1 ano e meio

Apesar de aprovado por duas comissões, o texto jamais foi levado a plenário. Proposta de transformar a floresta do Camboatá em um novo autódromo do Rio avança

Emanuel Alencar ·
1 de março de 2020 · 4 anos atrás
Imagem do Campo de Instrução de Camboatá (Área 1) e de área militar anexa ao leste (Área 2). Fonte: Google Earth.

A polêmica instalação de um autódromo em Deodoro, Zona Oeste do Rio de Janeiro, afetando uma área de floresta com até 200 mil árvores, é vedada por um projeto de lei que está engavetado desde setembro de 2018 na Assembleia Legislativa do Rio. De autoria de Carlos Minc (PSB) e do ex-deputado André Larazoni, a proposta anexa a área, de 160 hectares, ao Parque Estadual do Mendanha. No entanto, apesar de aprovado por duas comissões, o texto jamais foi levado a plenário. Por pressões políticas. Na última quinta-feira (27), 12 conselheiros da Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) do Rio de Janeiro deram o aval para o prosseguimento do processo de licenciamento do empreendimento. A audiência pública deverá ser confirmada para o próximo 18 de março, no Corpo de Bombeiros de Deodoro.

“O PL já passou pelas comissões de Constituição e Justiça e Meio Ambiente, mas nunca foi votado. Há enormes pressões do prefeito Crivella, do governador Witzel e do presidente Bolsonaro, que são favoráveis ao empreendimento”, diz Minc. “A ideia é justamente trazer dinamismo econômico, com ecoturismo, horto, aliado à conservação da área. Não faz sentido um autódromo ali, até porque há outras áreas que poderiam receber o empreendimento. Acredito que a questão acabará sendo judicializada”.

As pressões para a liberação do empreendimento, cujo Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) foi apresentado ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) em novembro do ano passado, vem se intensificando. ((o))eco apurou que o assunto vem constrangendo alguns analistas do Inea, que enxergam total inviabilidade em conciliar a manutenção de um importante fragmento de floresta com ronco de motores. Também em novembro passado, o piloto inglês Lewis Hamilton jogou lenha na fogueira ao criticar a proposta, considerada por ele insustentável. “Se for derrubar uma árvore, sou contra. Vocês (brasileiros) têm uma floresta fantástica e são importantes para o controle climático”, disse na ocasião.

Floresta do Camboatá, em Deodoro, Rio de Janeiro. Arte: Márcio Lázaro.

Área em regeneração

Especialistas argumentam que a área em questão – concedida pelo Exército Brasileiro à Prefeitura do Rio – é o único fragmento bem preservado acima de 100 hectares de mata de terras baixas na cidade do Rio. Segundo o EIA-Rima, há quatro espécies da flora  no local ameaçadas de extinção: Grápia, Jacarandá-da-Bahia, Braúna e Jequitibá. Quanto à fauna, são cinco espécies correndo riscos: jacaré-do-papo-amarelo, saíra-sapucaia, trinca-ferro, capivara e mão-pelada.

“Em 68% desses 160 hectares existem áreas florestais em bom estado. É uma área em regeneração, com indivíduos [espécies de vegetais] jovens. Se quiserem levar um autódromo para a região, que seja utilizada a área do parque radical onde foi a canoagem [nos Jogos de 2016]”, sugere o botânico Haroldo Cavalcante, pesquisador do Jardim Botânico e membro do movimento SOS Floresta do Camboatá.

É de Haroldo a conta da necessidade de supressão de 200 mil árvores:

“Por estimativa, é por aí mesmo”, diz, acrescentando que o Jardim Botânico do Rio foi provocado pelo Ministério Público em duas ocasiões, em 2012 e 2013, e manifestou que a área tem enorme importância ambiental.

O presidente do Ceca, Maurício Couto, destacou que ainda não há deliberação nem análises definitivas sobre o empreendimento, e que o colegiado voltará a analisar a proposta após as audiências públicas. Já o Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate), do Ministério Público estadual, está finalizando uma análise qualitativa do EIA-Rima. O trabalho, conduzido pelo Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), reúne um grupo multidisciplinar.

Projeto do novo autódromo, sobre a Floresta de Deodoro. Foto: Divulgação.

Em maio de 2019 a Rio Motopark venceu o certame para a construção do autódromo, que seria capaz de receber a Fórmula 1 a partir da temporada de 2021, após o término do atual contrato com São Paulo. Mas o imbróglio ganhou corpo quando o portal “G1” divulgou que o presidente da Rio Motorpark, José Antonio Soares Pereira Júnior, é sócio da Crown Assessoria, que ajudou a montar o edital. Ainda naquele mês, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que a cidade tinha “99% de chances” de sediar as provas de velocidade. O projeto prevê 14 meses de obras e um traçado de 5 quilômetros para provas de automobilismo e motociclismo.

Uma das controvérsias ainda não esclarecidas diz respeito ao fato de o terreno não ter passado por uma varredura completa, possuindo “campos minados” ativos, já que as Forças Armadas utilizavam o espaço para treinamento desde a década de 1950. Acidentes com explosões já foram documentados, como mostrou reportagem da Agência Sportlight de dezembro.

 

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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Comentários 2

  1. Maria Pizzi diz:

    Pra que derrubar uma floresta para fazer uma autódromo que será usado quantas vezes por ano???
    Já erraram ao destruírem o antigo para fazer
    Um projeto megalômano e que é pouco usado!!
    Sou contra!!


  2. Marco Louzada diz:

    Considero inadequada área onde querem construir este autodromo, que vem sendo dourado como o atrator de empregos e do desenvolvimento regional.
    O desenho do autodromo que consta do Estudo de Impacto é outro e pode ser visualizado no endereço: http://www.inea.rj.gov.br/eia-rima-2019/

    Sugiro volume 1, página 143 ou volume 2, página 120.