Reportagens

Leilão da ANP abre 16,3 mil km² na Foz do Amazonas para exploração de petróleo e gás

Petrobras e Exxonmobil arremataram a maior parte dos blocos leiloados. Área aberta para exploração é mais da metade do território da Bélgica

Cristiane Prizibisczki ·
17 de junho de 2025

A Agência Nacional de Petróleo (ANP) realizou na manhã desta terça-feira (17) o leilão para o 5º ciclo de oferta permanente de concessão (OPC) para 172 blocos exploratórios de petróleo e gás, sendo 47 blocos na Foz do Amazonas. Dos 47 blocos em oferta na região da Foz, 19 foram arrematados, somando uma área de 16, 3 mil km², o que significa que uma área equivalente à metade do território da Bélgica está agora aberta à exploração.

No total, 31 empresas estavam aptas a participar do certame, mas apenas quatro apresentaram ofertas: o braço brasileiro da americana ExxonMobil Brasil e Petrobras, que fizeram ofertas em consórcio, e a também americana Chevron Brasil Óleo que se consorciou com a chinesa CNPC Brasil, também apresentando ofertas conjuntas.

A área da Foz do Amazonas foi dividida em quatro setores. ExxonMobil e Petrobras arremataram 10 dos 19 blocos, a maioria em áreas sensíveis, logo na desembocadura do rio. Chevron Brasil e CNPC Brasil arremataram 9 blocos. O total de blocos arrematados representa 40% dos blocos ofertados na Foz do Amazonas.

“É alarmante que mais de 40% dos blocos ofertados na Bacia da Foz do Amazonas tenham sido arrematados neste leilão da ANP. Ao assumir 10 blocos em consórcio com a ExxonMobil Brasil, a Petrobras se coloca como protagonista de um projeto político arriscado que está cavando um buraco na credibilidade ambiental do Brasil”, alertou a porta-voz de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade, após a realização do certame.

Para Ricardo Fujii, especialista em conservação e líder de transição energética do WWF-Brasil, ao adquirir blocos na Foz do Amazonas, a Petrobras ignora alertas científicos, os riscos socioambientais e o próprio Acordo de Paris. 

“É uma aposta perigosa em ativos fósseis que só terão retorno se o mundo fracassar na luta contra o colapso climático. Estamos falando de uma das regiões mais sensíveis do planeta, onde vivem ecossistemas únicos como o grande sistema recifal amazônico e mais de 80% dos manguezais do país – berços da pesca, da segurança alimentar e do sustento de milhares de famílias. Em vez de liderar a transição energética, a Petrobras escolhe ampliar um portfólio de alto impacto e retorno incerto, colocando em risco o futuro climático do Brasil e do planeta”, disse.

A organização lembra que, para além dos impactos socioambientais, a exploração no local é também tecnicamente injustificável do ponto de vista econômico. De acordo com estudo recente, até 85% da extração de petróleo planejada pela Petrobras pode não ser lucrativa em um cenário de aquecimento limitado a 1,5ºC.

Além disso, diz a WWF, o leilão confronta diretamente os compromissos assumidos por todos os países, incluindo o Brasil, sobre a necessidade urgente de avançar para a transição energética e colocar o planeta em um rumo longe dos combustíveis fósseis.

Além dos blocos da Foz, outros 12 setores com blocos exploratórios estavam em leilão, localizados em cinco bacias sedimentares: Parecis (terra), Potiguar, Santos e Pelotas (mar).

A Oferta Permanente é a principal modalidade de licitação para exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil. Atualmente, há duas modalidades: Oferta Permanente de Concessão (OPC) e Oferta Permanente de Partilha da Produção (OPP), de acordo com o regime de contratação (concessão e partilha).

Ações na Justiça

O leilão aconteceu mesmo com a recomendação do Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) para que os blocos da Foz fossem retirados. Segundo o órgão, o leilão viola uma série de obrigações legais e compromissos climáticos, incluindo a falta de consulta às comunidades tradicionais e falta de estudos. 

Além do MPF, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e os Sindicatos dos Petroleiros (Sindipetros) filiados à entidade também entraram na Justiça contra o certame. 

O pedido dos petroleiros aponta uma contradição institucional: enquanto a Petrobras ainda não obteve licença do IBAMA para perfurar um poço na Foz, no bloco FZA-M-59 – que não entrou no certame desta terça-feira – a agência autoriza a oferta de áreas na mesma região a empresas privadas e estrangeiras, várias delas sem vínculo com o interesse nacional e a soberania energética. 

Outras ações também correm na justiça e a judicialização do leilão tende a aumentar. Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, chama atenção para a sensibilidade jurídica dos blocos arrematados. 

“Foi uma derrota. Nós esperávamos que não tivesse nenhum bloco arrematado, porque esses blocos estão com uma sensibilidade jurídica, sem as análises adequadas que deveriam constar, sem embasamento jurídico, então, esperávamos que as empresas fossem ter um pouco menos de apetite ao risco”, disse, em entrevista ao colunista de ((o))eco, Bruno Araújo, diretamente da sede da ANP, onde o leilão estava sendo realizado.

Segundo ela, o Arayara vai continuar com as Ações Civis Públicas já abertas que pediam a retirada dos blocos do leilão e em apoio às comunidades que estão sendo impactadas com outros litígios e questionamentos.

Segundo Thiago Maiandeua, representante da comunidade indígena da APA Ilha de Maiandeua, no nordeste do Pará, presente na manifestação realizada pela sociedade civil na frente da sede da ANP, as comunidades afetadas vão se manter mobilizadas. 

“O  próximo passo é articular os territórios para que a gente possa aproveitar o momento da COP30, para mostrar que a gente não está satisfeito com essa visão de empreendimento e que a gente vai bater na tecla de que a gente precisa ser consultado, com base na Convenção 169, e estamos aí na luta, a gente vai continuar”, disse, em entrevista ao colunista de ((o))eco, Bruno Araújo.

A judicialização também é a via apontada pelo Observatório do Clima, rede que reúne mais de 100 organizações da sociedade civil. Em entrevista coletiva antes da realização do leilão, Claudio Angelo, coordenador de política internacional do OC, disse que a sociedade civil entrará na justiça no caso dos blocos que não passaram pelo licenciamento adequado.

“Estamos acompanhando tudo muito de perto e prontos para entrar com ações judiciais sempre que surgir alguma proposta de exploração que não esteja estritamente autorizada pelo IBAMA”, disse.

  • Cristiane Prizibisczki

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

Leia também

Reportagens
9 de abril de 2025

ExxonMobil consolida ‘petroestado’ em meio a denúncias ambientais na Guiana

A expansão petrolífera na Guiana veio à custa do aumento da desigualdade, da flexibilização de regras ambientais, da queima irregular de gás e da crescente influência estrangeira sobre o país

Notícias
10 de outubro de 2019

Abrolhos: leilão para exploração de petróleo perto da região não recebeu ofertas

Fato representou uma vitória para os ativistas que protestavam em frente ao Hotel Hyatt, na manhã desta quinta-feira (10), no Rio de Janeiro

Colunas
16 de junho de 2025

O petróleo deve ficar onde está: debaixo da terra (e do mar)

É no mínimo contraditório que no ano que o Brasil receberá a COP30, o governo brasileiro pressione o Ibama pelo licenciamento da Foz do Amazonas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 1

  1. JULIANO PISKE diz:

    Papai mandou, ANP obedeceu, e o silêncio daqueles que apoiam Papai é ensurdecedor…….