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Queda livre

Andorinhas raras encantam ao despencarem do céu rumo à cachoeira da Pancada Grande, na Bahia, abrigando-se atrás de suas águas. Agora, elas estão a salvo.

Andreia Fanzeres ·
18 de maio de 2005 · 21 anos atrás

Todos os dias, pontualmente a quinze minutos do pôr-do-sol, a cachoeira de Pancada Grande, no sul da Bahia, é cenário de um raro e belo espetáculo da natureza. Chuva de pássaros.

Quando as nuvens ganham um tom róseo, a temperatura começa a baixar e os grilos da mata cantam para chamar a noite, centenas de andorinhas se preparam para seu merecido descanso.

Depois de se empanturrarem de insetos ao longo do dia, elas dançam pelo céu em círculos como num enxame e despencam, uma a uma, na direção das volumosas quedas da Pancada Grande, cachoeira de 61 metros de altura no município de Ituberá.

As pequeninas aves têm o nome científico Cypseloides senex, mas são conhecidas como andorinhões-velhos-da-cascata. Resistentes ao frio e com plumagem impermeável, elas atravessam a cortina d’água e se fixam às rochas. Por trás das turbulentas quedas, confeccionam seus ninhos com musgo e saliva, em um ambiente hostil e barulhento. É quase inacreditável ver como pássaros tão delicados escolheram a Pancada Grande (que não tem esse nome à toa) para dormir e se reproduzir. Mas, no nordeste, essa espécie não tem muitas outras opções.

Ao amanhecer, as andorinhas mergulham no ar e deixam as águas da Pancada Grande para mais um dia de caça nos fragmentos de mata atlântica preservados dentro da propriedade da fábrica de pneus Michelin. De vez em quando, a forte correnteza arrasta os andorinhões ao tentarem alçar vôo. Mas eles, com surpreendente habilidade, se livram das águas do rio Serinhaém como se nada tivesse acontecido.

Os moradores das redondezas aprenderam, desde cedo, a apreciar tão extraordinário ritual – mais comum nas cachoeiras da região sudeste. Ainda hoje ficam de queixo caído e olhos atentos em cada uma das andorinhas que se aproximam da Pancada Grande. Diante do magnífico espetáculo, não dá para acreditar que a praga das hidrelétricas também já tenha ameaçado esse lugar. O Centro de Referência Ambiental da Bahia confirma o motivo da preocupação dos moradores locais: a Itapebi Geração de Energia S/A obteve no ano 2000 licença para implantar uma hidrelétrica na Pancada Grande. Mas como não cumpriu os 34 condicionantes do projeto, ele perdeu a validade e a empresa aparentemente abandonou a idéia de estragar um dos últimos refúgios de mata atlântica do estado. Oficialmente, ninguém tem autorização para mexer um dedo na cachoeira. Afinal, o espetáculo tem que continuar.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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