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Caminhos da devastação

Pesquisa feita pelo Imazon descobre mais de 95 mil quilômetros de estradas clandestinas em região da Amazônia onde a malha viária oficial é quase dez vezes menor.

Manoel Francisco Brito · Andreia Fanzeres ·
19 de maio de 2005 · 19 anos atrás

Lá vai um balde de água fria – aliás, água congelante – para quem acredita que o tapete verde da Amazônia que se vê do avião é composto por áreas intocadas. Basta chegar um pouco mais perto para perceber que debaixo das copas das árvores esconde-se uma extensa e confusa malha viária clandestina quase dez vezes maior do que a referência oficial. Um levantamento inédito e ainda em curso do Instituto do Homem e do Meio Ambiente (Imazon) já conseguiu estimar através de imagens de satélite que em uma zona geográfica que vai do sudeste do Acre ao centro-oeste e sul do Pará – passando pelo sul do Amazonas e a ponta norte do Mato Grosso – existem 95.355 quilômetros de estradas não-oficiais, ou endógenas, como prefere chamá-las o pessoal que trabalha no instituto.

“O nome se deve ao fato de que elas são construídas a partir de necessidades locais, sem qualquer conexão direta com um plano de manejo ou política de expansão da malha viária oficial”, explica Amintas Brandão Jr.. Ele é o pesquisador que desde julho de 2003 recebeu a missão de mapear essa estrutura rodoviária ilegal que cresce à margem dos governos federal e estaduais na região, administradores de uma rede de 10.190 quilômetros dentro da área analisada até agora (mapa). Os números do Imazon são ainda mais impressionantes quando se nota que eles não se referem à região mais devastada da Amazônia. “Cerca de 80% da área mapeada está fora do conhecido arco do desmatamento. Esta é uma fronteira intermediária, onde ninguém achava que havia alguma coisa”, conta Adalberto Veríssimo, do Imazon.

As rodovias informais são a indicação mais clara do rumo que a devastação da floresta amazônica está seguindo. Brandão e seu grupo sabem exatamente onde encontrá-las. “Próximas às estradas oficiais”, revela, apesar de recomendar certa cautela com sua afirmação, dizendo que ainda lhe falta uma análise final mais detalhada. “As estradas endógenas nascem a partir de outras federais e estaduais”, diz Brandão. “E não há dúvidas de que quem abre essas frentes está investindo pesado no desmatamento. É a forma mais explícita que temos para prever as novas áreas ameaçadas”, completa Veríssimo. Não é à toa que apenas 20% da devastação da floresta ocorre num raio superior a 30 km da malha viária oficial.

As estradas endógenas têm características que lhe são peculiares. São construídas em terras públicas, geralmente por agentes privados. Seu avanço é desordenado, incentivado pela abundância de florestas, o que move o setor madeireiro. Mas não só ele. A reboque chegam os grileiros, até os garimpeiros. Elas caracterizam-se também pela total falta de planejamento viário. O que determina seu traçado é a demanda de tirar recursos da floresta. Isso torna os sinais da presença das rodovias clandestinas relativamente óbvios. Vistas do alto, nas imagens capturadas pelos satélites, parecem um emaranhado de linhas que não têm exatamente destino algum. Estão em quase todo o lugar. Quem escapa são as unidades de conservação.

Além disso, essa rede tem a incrível facilidade de crescer a uma velocidade assustadora. De acordo com dados preliminares do próprio Imazon, em 1990 existiam 5.042 quilômetros de estradas ilegais na região centro-oeste do Pará – equivalente a 44% do estado. Cinco anos depois, esse número pulou para 8.679 e, em 2001, já eram 20.796 quilômetros. Hoje, toda área já analisada no Pará contabiliza 61.798 quilômetros de vias clandestinas.

Para encontrar essas estradas que o Brasil não vê, o Imazon trabalha em cima de imagens de satélite numa escala de 1 por 50 mil, ou seja, cada unidade do mapa equivale a uma real de 50 mil. As imagens são divididas em bandas e estudadas de forma específica. “Só para efeito de comparação, para elaborar taxas de desmatamento, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) geralmente se preocupa em visualizar tudo que é maior do que 6,25 hectares”, diz Veríssimo. Já o Imazon consegue enxergar qualquer coisa acima de 3 hectares na floresta e, assim, identifica a malha viária ilegal. Segundo Brandão, nessa escala o leito da estrada aparece com muito mais brilho e onde a mata é densa o contraste é ainda maior. Duro é achá-las em áreas onde a densidade florestal é baixa. Quando há dúvida ou convém checar os dados do satélite, o Imazon manda uma equipe a campo para verificar a olho nu o que se passa sob o verde amazônico.

Com a intenção de mostrar a importância dessas estradas ilegais no processo de devastação, o Imazon repassa ao Ibama e ao Ministério do Meio Ambiente seus relatórios sobre a malha endógena. Segundo Veríssimo, integrantes do ministério já começaram a utilizar os mapas como indicador de pressão ambiental e instrumento que ajuda a definir a criação de unidades de conservação e zoneamento fundiário. Até o final do ano, o Imazon almeja ter a Amazônia toda mapeada para que, já em 2006, seja possível escolher algumas áreas que serão monitoradas de perto. “Queremos estabelecer uma taxa, saber em quanto tempo uma área cortada pela estrada é devastada. É preciso entender o sentido real dessa luz amarela que está acesa e agir rápido”, alerta Veríssimo. O tempo ruge.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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