Belém – A capital paraense tem sido palco nos últimos dias não só de intensas manifestações da sociedade civil – que pede ações mais rígidas de preservação da floresta e respeito e proteção de seus povos e territórios –, mas também de declarações contundentes de ministros e secretários de Lula em defesa da Amazônia.
Ainda que tenha conseguido resultados importantes na área ambiental no primeiro semestre, a exemplo da redução no desmatamento na Amazônia, o governo brasileiro ainda precisa dar passos importantes para o cumprimento do Acordo de Paris, o que inclui a revisão de suas metas de emissão de gases estufa (NDC) – alterada no governo Bolsonaro no que ficou conhecido como “pedalada climática” – e a discussão sobre transição energética.
((o))eco conversou sobre esses e outros assuntos com a Secretária de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, que participou na manhã desta segunda-feira (7) de evento organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e BNDES na cidade de Belém. Confira:
((o))eco – No evento, você falou que o Brasil quer chegar em 2030 emitindo 1,2 bilhão de toneladas de CO2eq por ano, mas, para isso, a “pedalada climática” precisa ser revista. Quando o governo brasileiro pretende, de fato, rever suas metas de emissões, que foram alteradas no governo Bolsonaro?
Ana Tori – O presidente Lula já deu o recado no dia 5 de junho. Ele pediu para o governo federal fazer essa correção. Nós já temos o decreto do Comitê Interministerial e estamos para marcar a sua primeira reunião. Vai ser lançado o PAC [previsto para 11 de agosto], logo em seguida vamos marcar a reunião e abriremos os trabalhos vendo como é que a gente vai fazer a correção. Esperamos que no próximo mês e meio possamos fazer a correção do que foi a tal pedalada.
Voltaria ao que foi inicialmente estipulado pelo país em 2016, correto? Ainda não teremos uma nova meta…
Exatamente, essa é a ideia. Criamos um grupo de trabalho para trabalhar interministerialmente como a gente vai fazer essa correção no próximo mês e meio, como disse anteriormente.
E a gente começa, paralelamente, um trabalho pensando em planos setoriais, pensando na nova NDC para 2030, já pensando em 2035. Aí, sim, vai demorar um ano de trabalho, porque a gente vai ter que envolver todos os setores. Serão nove planos setoriais de mitigação e 14 de adaptação.
Esses planos estarão em vários Ministérios?
Sim, vai ser interministerial, onde a gente olha para a política de transporte, para a política de cidades, para a política de agricultura.
Muito se discute o estabelecimento de metas de emissões setoriais. Esses planos que você citou vão olhar para isso?
Sim, por isso os planos setoriais. Para cada plano setorial a gente vai ter não sei se uma meta, talvez um escopo de meta, mas com planos específicos. O que precisa ser feito? Em que tempo? Quanto custa? Vai precisar de mudanças regulatórias? Essa é a ideia. Entregar planos, realmente planos e não só metas.
E esse trabalho viria em 2024.
Isso. A gente espera poder entregar isso, vamos ver se conseguimos, até a COP 29. Acho que seria um bom momento, um ano antes da nossa própria COP, mostrar pelo exemplo. Liderar pelo exemplo.
Segundo os rascunhos do acordo que vai sair daqui, o documento não fará menção à redução de combustíveis fósseis e ainda não há consenso para a questão da meta de desmatamento. Como você vê isso, principalmente a questão dos combustíveis fósseis?
O tema dos combustíveis fósseis, de exploração de combustíveis fósseis, não só no Brasil, mas no mundo como um todo, ainda é uma questão. Em toda COP a gente fica atento se vai ser “phase down” [redução progressiva] ou “phase out” [eliminação progressiva]. Então eu acho que o que está acontecendo aqui é muito do que a gente vê nas COPs. Não tem um alinhamento de “phase out”, de falar “vamos acabar com os combustíveis”. Então a gente vai ter que ser um pouco mais criativo. O pico vai ser quando? Quando é que a gente começa a falar disso? Eu acho que a gente tem uma chance, nessa COP [COP28, em Dubai, a ser realizada em dezembro] de começar a falar de “phase out”, tomara, para podermos começar a falar disso internacionalmente e depois regionalmente também.
Você acha que a possível falta de metas no documento que vai sair daqui não o torna fraco?
Não acho de jeito nenhum. De novo: eu acho que a gente tem muito a celebrar.
Acho que esse encontro e essa retomada, falar de mudanças do clima a partir da Amazônia, é você estar falando de modelo de desenvolvimento. Acho que o que eu vi aqui, ainda que sem metas, foi um aprendizado entre os países, Brasil, Peru, Colômbia, todos os países [da Bacia Amazônica], para começarmos a pensar juntos como é que a Amazônia vai ser o centro de exportação de soluções sustentáveis e climáticas. Então, foi um primeiro passo, um primeiro passo fundamental. Vamos lembrar onde é que a gente estava há um ano atrás. A gente não sabia se a gente tinha democracia nesse país. Agora a gente tem os nove países, e ainda com Indonésia e com o Congo, falando como é que a gente vai liderar esse processo. Mudou a chave. Mudou a chave e o próximo caminho é ter meta.
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