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Justiça homologa TAC 3 do Comperj, que transfere implantação de parque da Petrobras ao governo do RJ

Estado se compromete a desapropriar fazendas e restaurar área, enquanto gestão da unidade de conservação ficará com a prefeitura de Guapimirim

José Alberto Gonçalves Pereira ·
29 de agosto de 2024

A 1ª Vara Cível da Comarca de Itaboraí (RJ) homologou no último dia 26 um novo termo de ajustamento de conduta (TAC) relacionado ao descumprimento de condicionantes do licenciamento ambiental do Comperj pela Petrobras e pelo governo do Estado do Rio de Janeiro. No TAC 3 do Comperj, proposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por intermédio da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Itaboraí, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Seas-RJ), o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a prefeitura de Guapimirim (RJ) definem suas atribuições na implantação do Parque Natural Municipal Águas de Guapimirim (PNMAG). Criado em janeiro de 2013 por decreto do então prefeito de Guapimirim, o Parque Águas não saiu do papel até hoje, estando ainda ocupado por fazendas de gado.

Quando plenamente implantado, o parque funcionará como zona tampão para mitigar (atenuar) os impactos ambientais negativos do Gaslub (ex-Comperj) sobre duas unidades de conservação (UCs) federais – Área de Proteção Ambiental (APA) Guapi-Mirim e Estação Ecológica (Esec) Guanabara, que abrigam quase metade dos remanescentes de manguezais do Estado do Rio de Janeiro. Além de ecossistema vital para a reprodução de espécies marinhas, o manguezal protege a linha costeira de eventos climáticos extremos, como ressacas, cada vez mais intensos e frequentes.  

Seas-RJ e Inea obrigam-se no novo TAC a apoiar técnica e financeiramente o município de Guapimirim na elaboração do plano de manejo, sinalização e demarcação do PNMAG. Mais que isso, o Estado do Rio de Janeiro assumiu no acordo com o MPRJ e a prefeitura de Guapimirim a responsabilidade pela desapropriação dos 2.525 hectares onde o parque deverá ser implementado. Até maio passado, o governo fluminense relutava em assumir tal encargo, alegando que a responsabilidade pela desapropriação era do município de Guapimirim, que se recusava a aceitar esse compromisso, alegando não possuir orçamento para pagar as indenizações aos donos das fazendas existentes na área do parque. Após a desapropriação dos imóveis, o Estado repassará a posse do terreno à prefeitura, que responderá pela gestão do parque, incluindo pagamento de funcionários e manutenção da UC. A propriedade da área, contudo, será do Estado. 

Pelo acordo firmado com o MPRJ, a Seas-RJ e o Inea poderão utilizar integralmente o saldo da conta específica do FMA-RJ relacionada ao Termo de Compromisso (TC) nnº LI IN 001540.35.02.2013, firmado em dezembro de 2013 entre Petrobras e Inea, no apoio financeiro à elaboração do plano de manejo, regularização fundiária, sinalização e demarcação do parque. Há pouco mais de R$ 7 milhões nessa carteira em decorrência do rendimento da aplicação financeira do montante de R$ 4 milhões depositados pela empresa em 2015 para quitar o TC de 2013. O novo TAC também obriga o Estado a “envidar esforços para a utilização de outros recursos depositados na carteira de compensação ambiental do FMA, mediante apresentação e aprovação, pela Câmara de Compensação Ambiental – CCA, do respectivo projeto, ou, ainda, de outras fontes de custeio, obedecendo às regulamentações específicas do mecanismo financeiro”.

Em complemento ao TAC 1 do Comperj (atual Gaslub), assinado em 2019, o novo acordo estabelece critérios para a execução de projetos de restauração florestal a serem seguidos pela Seas-RJ e INEA, como o de priorizar esforços para a promoção de ações de restauração ecológica no Parque Águas e nas faixas marginais de proteção das sub-bacias hidrográficas dos rios Caceribu e Macacu, que margeiam o Gaslub e deságuam na Baía de Guanabara.

Embora presentes em reuniões que discutiram as bases para o novo TAC, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério Pùblico Federal (MPF) em São Gonçalo (RJ) preferiram não assinar o documento. Para Breno Herrera, gerente regional do Sudeste no ICMBio, “a celebração deste TAC é um avanço em relação à implantação do Parque Natural Municipal das Águas de Guapimirim”. Entretanto, ele diz que o acordo não promove avanços significativos quanto à restauração florestal das matas ciliares dos rios Macacu e Caceribu, “ação imprescindível para a mitigação dos impactos do empreendimento sobre o regime hidrológico local”, critica Herrera, completando: “A efetiva manutenção dos atributos ecológicos da APA Guapimirim e da Esec Guanabara, localizadas à jusante do empreendimento, depende desta restauração, antes do início de operação do empreendimento. Por esta razão, acompanharemos a implementação do TAC, mas optamos por não o assinar.”

O gerente do Sudeste no ICMBio refere-se ao início de operação da refinaria de gás natural do Gaslub. Como mostrou ((o))eco na reportagem “Governo do RJ concede licença à Petrobras, ignorando descumprimento de condicionantes no Gaslub”, publicada no último dia 8, a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) concedeu a licença de operação e recuperação (LOR) para as unidades de utilidades da planta de gás natural (UPGN) na reunião do colegiado realizada em 6 de agosto. Nas unidades de utilidades, serão gerados insumos como água tratada, vapor e energia elétrica para a UPGN no megaempreendimento da Petrobras localizado em Itaboraí, no leste fluminense. Tudo indica que a Ceca concederá em breve a licença de operação (LO) à UPGN, atropelando novamente o licenciamento ambiental, mas agora podendo se valer do TAC 3 do Comperj para justificar o voto favorável da maioria dos membros do colegiado, ligados ao governo estadual. 

O procurador da República Marco Mazzoni, que conduz investigação a respeito do descumprimento de obrigações do licenciamento ambiental do Comperj pela Petrobras, esclarece por que o MPF decidiu não participar do TAC 3. “A instituição tem uma postura externa justamente para perceber se as medidas adotadas para o licenciamento atenderão aos critérios federais dos bens afetados, como o caso de medidas efetivas para reflorestamentos. Participar de um ato sem transformação da realidade seria inefetivo. Mas já sugerimos que o ICMBio e IBAMA poderão apresentar as áreas pertinentes para receberem o reflorestamento.”

O promotor Tiago Veras preferiu não responder ao questionamento da reportagem sobre a ausência da Petrobras nas reuniões que discutiram as bases do novo TAC. Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Itaboraí, Veras tem liderado o acompanhamento do cumprimento dos TACs do Comperj pelo MPRJ.

Contexto

A condicionante 30.2 da licença prévia (LP) do Comperj tem sido vítima de um jogo de empurra entre Petrobras, Inea e prefeitura de Guapimirim, cidade vizinha a Itaboraí, como mostrou a reportagem publicada pelo ((o))eco a respeito do assunto em 8 de agosto passado. Inicialmente, a estatal descumpriu a 30.2, que a obrigava a comprar, reflorestar e promover a manutenção de uma área de 2.525 hectares para servir de zona tampão, mitigando (atenuando) os impactos ambientais negativos do Comperj sobre a APA Guapi-Mirim e a Esec Guanabara. 

Em vez de tomar providências administrativas e judiciais e negar a concessão da licença de instalação (LI) à Petrobras, o Inea transformou a obrigação original ao averbar a licença de instalação (LI) IN001540/2009 em março de 2012 para incluir a condicionante 35, que afrouxou a condicionante 30.2 da LP. A condicionante 35 mudou radicalmente o compromisso descumprido da 30.2 ao prever apenas um genérico apoio financeiro e técnico da empresa ao poder público na implantação e manutenção da zona tampão. Não há até hoje esclarecimento público da Seas-RJ e do Inea para tal modificação.

A Petrobras foi novamente favorecida pelo Inea no Termo de Compromisso (TC) nº LI IN 001540.35.02.2013 assinado em dezembro de 2013. O documento definiu em R$ 4 milhões o valor do apoio financeiro da empresa e ignorou a previsão de suporte técnico constante na condicionante 35 da LI IN01540/2009. Não se conhecem até hoje os critérios que o Inea utilizou para fixar um valor anos-luz distante do mínimo necessário para desapropriar, implantar, restaurar e promover a manutenção do parque, que se encontra totalmente desmatado por causa das pastagens lá existentes. Tivesse cumprido a condicionante original do licenciamento, a 30.2 da LP, a companhia deveria ter desembolsado mais de R$ 200 milhões, mais uma verba anual de custeio da manutenção do Parque Águas. 

Estima-se que o custo para desapropriar a área não fique abaixo de R$ 30 milhões. Sua restauração pode ultrapassar a cifra de R$ 200 milhões, se considerarmos uma conta proporcional à usada para monetizar as obrigações de restauração florestal da empresa no TAC 1 do Comperj, assinado em agosto de 2019. A Petrobras depositou R$ 396 milhões no FMA entre 2019 e 2020 para custear a restauração florestal de 5.000 hectares prioritariamente na bacia hidrográfica onde o Gaslub (ex-Comperj) encontra-se instalado, cumprindo determinação do TAC 1.  

  • José Alberto Gonçalves Pereira

    Jornalista especializado em mudanças climáticas e economia verde. Voltou a escrever para ((o))eco em 2020, investigando o Fundo Clima.

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Comentários 1

  1. JOAO PAULO MACHADO TORRES diz: