Reportagens

Questão impertinente

A promoção de energias limpas foi tema de debate entre países ricos e emergentes no México, mas gafe de ministro britânico desviou a atenção para desmatamento na Amazônia.

Gustavo Faleiros ·
4 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

Durante esta semana, os países mais ricos do mundo reuniram-se para debater o problema do aquecimento global. O encontro, realizado em Monterrey, no México, teve como convidados representantes das quatro maiores nações emergentes: China, Índia, África do Sul e Brasil. A conferência faz parte do chamado Diálogo de Gleneagles sobre Mudanças Climáticas, lançado pelo governo britânico em 2005, quando ocupava a presidência do G8, e teve como foco a relação entre o consumo de energia e o câmbio climático.

Mas graças às notícias publicadas na imprensa britânica, as questões energéticas deram lugar à polêmica discussão sobre como evitar as emissões de gases estufa causadas pelo desmatamento da Amazônia. Segundo reportagem publicada no Daily Telegraph, o ministro de Meio Ambiente do Reino Unido, David Miliband, teria afirmado que estaria pronto para apoiar uma iniciativa de “privatização” da Amazônia como meio de combater as queimadas na floresta.

A repercusão negativa da proposta, fez Miliband correr para se explicar. Na terça-feira à noite, em encontro formal com o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, Claudio Langone, o britânico afirmou que na verdade o que dissera é que seu governo está disposto a apoiar planos de combate ao desmatamento no Brasil. Nesta quarta, Miliband divulgou nota oficial afirmando que “o interesse do Governo do Reino Unido não é o de apoiar ou promover a compra da Floresta Amazônica, mas, sim, de trabalhar com os colegas brasileiros (e outros países) para apoiar o manejo florestal sustentável”. O resto, foi fruto de uma distorção dos fatos provocada pela imprensa, disse.

Sinuca

Segundo Langone, o debate sobre o desmatamento não estava previsto para ocorrer no México, afinal 80% das emissões de gases de efeito estufa provém do consumo de energia. Mas uma vez que as queimadas entraram em pauta, o Brasil voltou a defender que os países ricos devem apoiar a proposta do desflorestamento evitado, apresentada há cerca de um mês em Roma e que tenta, através do tema de mudanças climáticas, envolver os países ricos na redução de emissões realizadas em nações emergentes.

Diante do mal entendido com a imprensa, o ministro britânico de Meio Ambiente resolveu mostrar simpatia pela idéia brasileira. “Acolhi, com satisfação, a recente proposta apresentada para discussão no âmbito da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima) pelo Brasil, em Roma, sobre incentivos positivos para a redução do desmatamento (…)”, mencionou em um comunicado à mídia.

Langone, que chefiou a delegação brasileira em Monterrey, disse que nenhum acordo político foi “aprofundado” para garantir o apoio do Reino Unido à proposta brasileira no próximo encontro da Convenção da ONU, que ocorrerá em novembro no Quênia. Mas o comunicado compromete em certo grau o ministro britânico que, se voltar atrás, pode abrir brecha para novas críticas.

Alto custo

As assembléias ocorridas neste Diálogo de Gleaneagles tiveram como linha mestra o relatório produzido pelo ex-economista chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern. Encomendado pelo Ministério da Fazenda britânico, o estudo teve como foco a economia das mudanças climáticas. Resultados indicam que os danos causados pelo aquecimento global poderão causar prejuízos que passam da casa do trilhão de doláres.

Mirando na resistência da administração Bush em aderir ao Protocolo de Quioto, Stern concluiu que quanto mais se demora para agir, maiores serão os gastos para mitigar os impactos. Regiões pobres serão as mais afetadas. A África, por exemplo, deve enfrentar uma queda de 12% em suas safras agrícolas até 2080. Nos altos custos, também foram contabilizados perda de fontes de água, erosão do solo, entre outros.

Um dos tópicos da discussão sobre o aquecimento é exatamente a relação entre os países ricos e os emergentes. Houve um painel sobre transferência de tecnologia onde se colocou a necessidade urgente de se modernizar a matriz energética da China, que aumenta a passos largos a sua geração de energia com combustíveis fósseis. Outro ponto com relação às nações em desenvolvimento é a produção de biodiesel. A importância da substítuição do petróleo por variáveis como o etanol foi frisada no documento de Stern, porém não houve qualquer negociação mais intensa entre as nações participantes sobre o tema. O que frustrou a delegação brasileira. “A conferência está aquém das nossas expectativas”, analisou Langone.

Em termos gerais, o encontro no México entre as nações mais ricas do mundo terminou sem uma proposta concreta para combater as mudanças climáticas. E a chance de se discutir formas de reduzir os desmatamentos nos países em desenvolvimento – uma importante fonte de poluição atmosférica- foi desperdiçada.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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