Mais uma vez a mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas. É uma história repetitiva que, francamente, ninguém agüenta mais. O secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Alfredo Sirkis, em recente artigo em O Globo, de forma corajosa, assumiu que grande parte do problema é decorrente de posições radicalizadas sobre “a melhor forma de enfrentar o problema”. O que ocorre é que todos buscam uma solução ideal e excludente da outra proposta técnica que, quase sempre, é considerada como a solução da poluição. Gera-se um impasse e o grande perdedor é o meio ambiente. É a chamada Soma Zero.
As derrotas são grandes mestras desde que saibamos examiná-las de forma objetiva. Na minha atuação profissional como Procurador da República encarregado da proteção ambiental, em fins da década de 80 do Século XX – assim o tom arqueológico da informação dá-lhe uma maior credibilidade – pude participar de uma das grandes vitórias de Pirro do ambientalismo carioca. “Com uma nova vitória como esta estaremos liqüidados”. No fim do Governo Moreira Franco houve a possibilidade de construção de um emissário na Barra da Tijuca com vistas a impedir que o esgoto que então – e ainda hoje – era lançado nas lagoas da região continuasse a sê-lo. O governo havia proposto uma solução para o tratamento do esgoto a ser lançado ao mar que denominou como tratamento preliminar. As associações de moradores – capitaneadas pela AMABARRA – não aceitaram a solução e foram para a Justiça com vistas a impedir a implantação do emissário tal como projetado. O fato é que propus uma medida judicial perante a Justiça Federal e obtive uma liminar que impedia qualquer construção que não contemplasse tratamento completo do esgoto. Houve um acordo entre o Governo do Estado e o Ministério Público Federal para a implementação de uma solução adequada que, entretanto, se transformou em letra morta, ante as dificuldades orçamentárias. Fato é que, até hoje, ainda não existe tratamento de esgoto para a Barra da Tijuca. Estima-se que em 2006 o emissário entre em operação. Ou seja, levou-se a bagatela de 17 anos para a solução de uma questão elementar.
Para mim foi a constatação definitiva de um velho adágio: “O bom é inimigo do ótimo”. Uma cidade como o Rio de Janeiro não se pode dar ao luxo de ser uma espécie de palco iluminado para a exibição de vaidades dos mais diferentes palhaços das perdidas ilusões que, no caso, cheira ao ridículo, pois são vaidades sobre a cloaca máxima. Um fato importante a ser considerado é que soluções para problemas ambientais são, apenas, parcialmente técnicas. Em verdade, sem a existência de um consenso político quanto à necessidade de solução do problema e quanto ao fato de que ele, obrigatoriamente, será resolvido por uma mediação entre posições, não conseguiremos resolver as questões que nos afligem; muitos são os exemplos que confirmam a tese.
Hoje nós já acumulamos experiência suficiente – ou deveríamos ter acumulado – para saber que somente através do entendimento e de soluções “boas” é que poderemos avançar. Enquanto persistirmos buscando soluções “ótimas”, dificilmente conseguiremos nos mover. Aliás, um outro exemplo do que falo é o chamado Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), que conseguiu demonstrar que a incompetência é supra-partidária. O mencionado programa foi gerido pelo PDT, PMDB, PSDB, PSB e PT, sozinhos ou coligados. Adeus às ilusões. O próprio Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) levou uma volta. O que se vê são obras inacabadas, aumento da poluição, diminuição da própria Baía. O PDBG, em seu início, foi criticado por ser um programa de saneamento e não “ambiental”. Hoje, desgraçadamente, sabemos que se ele tivesse sido um programa de saneamento básico estaríamos no melhor dos mundos… Lamentavelmente, ele não foi nem uma coisa, nem outra.
A Lagoa Rodrigo de Freitas, ao que parece, vai pelo mesmo caminho. Grupos de ação, projetos, comissões, relatórios e o meio ambiente no purgatório. Existem diferentes propostas técnicas para amenizar o problema da mortandade de peixes na Lagoa. Nenhuma acabará com tal mortandade, pois por incrível que pareça a morte por causas naturais existe desde que o primeiro ser vivo apareceu na face da terra. Seguramente, em vários momentos as causas naturais poderão acarretar a mortandade de peixes. Porém, uma solução técnica pode impedir que o fenômeno se apresente com a freqüência que vem ocorrendo. Enrocamento ou aeração é um dilema pobre e irreal. Da mesma forma, não há dúvidas de que o sistema de esgotamento sanitário deve ser reexaminado para que se verifique o seu real estado de qualidade, a sua adequação às novas demandas, etc. Enquanto a questão ficar resumida a uma disputa entre torcidas de diferentes times, nós não conseguiremos chegar a uma solução adequada.
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