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Explorando a natureza e os pobres

Contra o que a maioria pensa, ingressos baratos nos parques nacionais brasileiros tendem a subsidiar o lazer dos mais ricos, em parte às custas dos pobres.

11 de março de 2005 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Já defendi antes que existem boas razões para os parques nacionais tentarem atingir independência financeira cobrando ingressos substanciais dos seus visitantes. Desde que esse dinheiro ficasse no parque, sem fazer o circuito Brasília de dissipação de recursos e centralização administrativa, esse seria um bom caminho para mantê-los em boas condições. Afinal, o ecoturismo atrai cada vez mais praticantes.

Um dos principais argumentos contrários a essa idéia é que cobrar caro pela entrada e uso de amenidades dos parques excluiria os pobres. Seria mais uma prática que aumentaria a desigualdade brasileira, dessa vez impedindo os mais desfavorecidos de aproveitar gratuitamente a natureza. Mas será mesmo que são os mais pobres que visitam os parques nacionais? E será que os ingressos atualmente cobrados representam a maior parcela dos gastos desse tipo de passeio?

Há um ano visitei a parte alta do Parque Nacional de Itatiaia para fazer as trilhas que levam ao cume das Agulhas Negras, de 2.787 metros, e Prateleiras, de 2.548 metros, duas das muitas atrações espetaculares do local. Foi um fim de semana inesquecível, mas nada barato. Os gastos com a viagem começaram com a compra de algum equipamento, como um casaco impermeável e meias grossas de caminhada. Afinal, essas trilhas são duras, tomam boa parte de um dia e, mesmo no verão, se entrar uma frente fria a temperatura pode despencar para perto de zero. Tive gastos com gasolina, hospedagem e comida. Além disso, como os passeios envolveram “escalaminhadas” de risco considerável, preferi fazê-los com guias. Uma boa parte dos visitantes faz o mesmo, e isso mantém, na região, várias pequenas agências de ecoturismo e guias independentes.
Quanto custa por cabeça uma visita a Itatiaia? Uma versão das mais baratas seria usar um carro para quatro pessoas e dormir num camping. Saindo do Rio de Janeiro, uma ida e volta ao parque tem cerca de 400 km. Um carro econômico talvez consiga fazer 15km/litro a R$2,20 nos postos de preço razoável. Arredondando, os gastos com gasolina seriam de R$60,00 ou R$15,00 por pessoa. Seriam necessários dois pernoites para poder aproveitar a manhã do sábado ou R$24 no camping do abrigo Alsene, tradicional e perto do parque. Vamos imaginar que viajantes espartanos conseguissem gastar R$20,00 com comida durante os dois dias. Adicionando os ingressos do parque de R$3,00 por dia, o total individual seria de R$65,00. No fim das contas, os ingressos do parque representariam apenas cerca de 10% de todas as despesas. Isso sem contar o investimento necessário no equipamento de camping como barraca, saco de dormir, lanterna, fogareiro, etc.

Se um casal fizesse essa mesma viagem, num carro um pouco menos econômico, a conta de gasolina poderia facilmente chegar a R$40 por cabeça. Outros gastos individuais seriam: duas diárias, incluindo meia pensão, num quarto de pousada simples, R$140. Gastos com sanduíches, sobremesas e refrigerantes, R$40,00. E, finalmente, passeios guiados a R$40,00 cada, ou R$80 para os dois dias. A conta por pessoa poderia facilmente chegar a R$300,00 por fim de semana, onde o ingresso do parque representaria 2%.

Mesmo na versão barata, para padrões brasileiros, um fim de semana em Itatiaia é caro. Não é a toa que só cruzei com visitantes que pareciam bem de vida. Não faltavam pick-ups novas no estacionamento do Alsene nem montanhistas exibindo os melhores e mais modernos equipamentos importados. Para a grande maioria, para não dizer todos, o ingresso do parque representou uma pequena fração dos gastos totais da viagem.

Pobre parque, no fundo é ele que sustenta os guias e pousadas da região. Indiretamente também vende equipamentos, gasolina e carros off-road. Mas não fica com quase nada do que proporciona e, por isso, permanece mal cuidado. Minha observação e meu bom senso me dizem que a maioria desses benefícios vai para os mais ricos, e não os necessitados, que jamais verão as belezas de Itatiaia. Pior, como para a maioria dos parques a receita própria não paga as despesas de manutenção, os impostos pagos pela população em geral são necessários para cobrir a diferença.

Faltam mais informações para provar minha tese, como a renda média dos visitantes dos parques nacionais. Desconheço estudos específicos sobre o assunto no Brasil. Mas eles já foram feitos nos EUA e mostram que o financiamento dos parques nacionais via cobrança de ingressos e serviços desonera os pobres. Mesmo lá, quem usufrui desse lazer costuma ter renda alta. Continuo com o caso americano na semana que vem.

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