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Favelas 3, meio ambiente zero

Existem soluções viáveis para as favelas cariocas. É possível dar vida melhor aos seus moradores e impedir a devastação de áreas de proteção ambiental.

5 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Na semana passada, ocorreu na PUC-RJ um seminário sobre favelização, meio ambiente e urbanização no Rio de Janeiro. Do debate, participaram juristas, geógrafos, secretários do governo municipal e o vice-prefeito. Infelizmente, a ênfase dos argumentos ficou concentrada na defesa velada da favelização. Ou melhor, dos direitos dos favelados. O meio ambiente tomou 10% do tempo. E entre protegê-lo, reprimindo e removendo construções que invadem áreas protegidas, preferiu-se a suposta preferência do pobre sobre a floresta. Vigorou o politicamente correto.

É tentador confundir a defesa dos pobres com a defesa da favelização. Nesse contexto, repete-se com freqüência que “favela não é problema, é solução”. De fato, é uma péssima solução de moradia para pessoas de baixa renda que, por isso, acabam indo viver em condições medievais. Pior ainda, destruindo o patrimônio ambiental do Rio de Janeiro, suporte da qualidade de vida delas mesmas, como o lazer barato, e motor do turismo na cidade. Mas quais são as causas do problema? É aí que mora o debate mais interessante.

O trágico da favela é que seus moradores têm renda para viver em moradias bem melhores e salubres. O arquiteto Afonso Kuenerz, voluntário em projetos sociais no morro Dona Marta, defende esse ponto de vista. “Favelado tem toda condição de comprar uma casa ou apartamento popular. Falta oferta e financiamento”, afirma. Ele conta que, nos últimos 30 anos, a legislação elevou brutalmente os custos de fazer um loteamento destinado a famílias de renda baixa ou média-baixa. Até 1970, quando começaram a ocorrer as mudanças, havia empreendedores regulares que se dedicavam à construção popular. As regras eram simples. Bastava abrir ruas de saibro, delimitar os lotes das casas e as áreas públicas. Desde então, passou a ser responsabilidade do loteador, entre outras coisas, pavimentar ruas, fazer o calçamento e prover rede de água e esgoto.

Negócios são negócios. E o custo da regulação, claro, acaba sendo repassado em boa parte para o comprador da moradia. É o Estado impondo ao pobre o custo de melhoramentos urbanos que o próprio poder público deveria fazer. Assim, induz o crescimento das favelas e cria outro problema. Máquinas de grande porte não entram lá. Urbanizar favelas é muito mais caro do que fazer o mesmo em um bairro popular.

Recentemente, uma empresa, que Kuenerz prefere não identificar, apresentou um projeto de construção de 1500 apartamentos em um subúrbio do Rio. Cada um custaria cerca de R$50 mil. A legislação obriga que um empreendimento de 500 ou mais unidades construa também uma escola. De acordo com as especificações da lei, essa escola custa, hoje, R$4 milhões. No caso desse projeto, seria exigida a construção de duas escolas, implicando um gasto adicional de R$8 milhões. Isso elevaria o valor de venda dos apartamentos para R$56 mil. Como o preço inicial já batia no limite do bolso dos compradores potenciais, a empresa desistiu do empreendimento.

Roberto Kaufman, presidente do SINDUSCON-RJ (Sindicato da Indústria da Construção Civil) vê possibilidades de mudança pela frente. Após 14 anos tramitando pelo Congresso, em 2005 foi aprovada a lei 11.124, que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Popular. Com ela, o governo federal, estados e municípios passarão a ter um fundo para financiar moradias populares. Ele sonha que, com financiamento farto, poderíamos construir habitações populares em grande número, dentro da capacidade de pagamento dos compradores.

No Rio de Janeiro, o modelo advogado por Kaufman é o seguinte. Seriam construídos conjuntos residenciais de até 500 moradias. Eles seriam constituídos de prédio baixos e com projetos diferenciados, para evitar a monotonia visual dos conjuntos populares da década de 70 e 80. Todos guardariam espaço para áreas de lazer e pequenos comércios. Cada apartamento teria 50 metros quadrados, com sala e dois quartos. O custo? R$40 mil, sendo metade subsidiado pelo governo e a outra metade financiado ao morador em 20 anos. Uma família ganhando três salários mínimos gastaria 20% da sua renda com a mensalidade do financiamento.

Moram em favelas no Rio 1,2 milhão de pessoas, numa média de 4 por residência. Isso significa que existem cerca de 300 mil moradias nas favelas. Kaufman calcula que nos terrenos hoje disponíveis na Avenida Brasil, zona portuária e ao longo das linhas de trem e do metrô possam ser construídas 150 mil habitações populares. Custo total da empreitada: em torno de R$6 bilhões. Como metade seria financiada pelos compradores, caberia ao estado R$3 bilhões. Isso representa cerca de 5% do PIB do município do Rio. Ou seja, por um vigésimo do que a cidade produz por ano, valor que poderia ser financiado a longo prazo, existe uma alternativa muito melhor para metade da população que habita hoje as favelas. Kaufman lembra que, segundo a Organização Mundial de Saúde, cada R$1 aplicado em moradia com saneamento economiza R$4 em gastos com saúde.

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