No mês passado, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, inventou uma nova expressão para se referir à queda do desmatamento no estado. Disse em Cuiabá, durante um seminário sobre sustentabilidade na Amazônia, que o desflorestamento é um leão que está adormecido. E que cabia à sociedade mantê-lo assim, para que não acordasse. Em Mato Grosso, o “sossega-leão” veio com um endurecimento da fiscalização depois da Operação Curupira, em junho de 2005, e de um cenário econômico desfavorável à expansão da fronteira agrícola. Talvez o governador não imaginasse ter que ser desmentido tão cedo. Mas nesta segunda-feira, o Imazon e o Instituto Centro de Vida (ICV) divulgaram números do desmatamento indicando que o leão acordou.
Embora o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) tenha registrado entre agosto de 2006 e julho de 2007 uma redução no desflorestamento de 59% em relação aos 12 meses anteriores, nos três últimos meses (entre maio e julho deste ano) o desmatamento aumentou 200% se comparado ao mesmo período de 2006. De acordo com o último boletim transparência florestal, essa subida na taxa de desmatamento coincide com um aumento dos preços do gado e da soja e de perspectivas de expansão dos biocombustíveis.
“Existem estudos que mostram uma correlação entre o preço das commodities e os níveis de desmatamento do ano seguinte em Mato Grosso. Por isso o desafio hoje no estado é quebrar essa relação de 2007 para 2008, agora que o valor das commodities começou a se reverter”, explica Laurent Micol, pesquisador do ICV.
Em números absolutos o desmatamento continua em patamares tímidos. Exatos 76 quilômetros quadrados de florestas foram colocados abaixo em Mato Grosso no mês de julho. Mas isso significa um aumento de 145% em relação a julho de 2006. Desse total, 85% do desmatamento ocorreram em propriedades rurais (metade das quais sem licença ambiental), 14% dentro de assentamentos de reforma agrária e 0,35% em terras indígenas. Felizmente, nenhum desmatamento foi detectado dentro de unidades de conservação no período em questão.
Na análise do desmatamento por município, a porção noroeste do estado aparece com destaque. Juína, que vive uma tensa disputa territorial entre fazendeiros e índios por conta da iminência de ampliação da terra indígena Enawenê Nawê, lidera o ranking entre os municípios que mais desmataram em julho, com 11 quilômetros quadrados. Não muito longe dali, Colniza, um dos lugares mais violentos do país, está encostada na segunda posição, pois destruiu 10 quilômetros quadrados naquele mês. Rondolândia e Aripuanã, também municípios da região noroeste, figuraram entre os 10 que mais desmataram em julho. A maior parte dos outros nessa lista localizam-se no nordeste de Mato Grosso, na região do Araguaia, como Canabrava do Norte, Vila Rica e Santa Cruz do Xingu.
Segundo Micol, lista dos 10 municípios que mais desmatam em Mato Grosso sempre apresenta alguma variação. No entanto, alguns não saem do ranking, e por isso deveriam ganhar mais atenção do estado na implementação de políticas contra o desmatamento, como é o caso de Marcelândia, Colniza e Aripuanã.
Risco de desmatamento
Nesta edição do boletim, o ICV e o Imazon apresentaram uma nova metodologia para estimar, no curto prazo, o risco de novos desmatamentos em Mato Grosso. A intenção foi desenvolver um método para prever a localização de futuros desflorestamentos combinando apenas dois fatores: taxas de desmatamento dos últimos anos e a área de floresta remanescente fora de áreas protegidas em polígonos de 25 quilômetros quadrados (ou 2.500 hectares). “Há modelos de médio e longo prazos que levam em consideração outros fatores, como a distância de estradas e da sede dos municípios para estimar os riscos de desmatamento numa determinada região, mas nosso objetivo foi criar um modelo simplificado para orientar ações preventivas”, diz Micol, do ICV.
Os pesquisadores estabeleceram uma escala das áreas de um a quatro, entre baixo, médio, alto e muito alto risco. E aplicaram essa classificação no estado, retalhado nesses polígonos. “Entendemos que onde existe algum risco de desmatamento são regiões com algum prognóstico de desmatamento, mas que ainda conserva florestas não protegidas”, explica. Para testar a metodologia, eles fizeram a previsão com dados de 2006 e analisaram o que foi de fato desmatado em 2007. Acertaram na mosca.
“Praticamente todo desmatamento naquele ano aconteceu em células onde dissemos que o risco era entre médio e alto”, conta Laurent. Novamente, quem se destacou foram os municípios do noroeste e norte do estado, como Colniza, Aripuanã, Cotriguaçu, Nova Bandeirantes, Juara e Paranaíta. As áreas do entorno do Parque Indígena do Xingu também foram avaliadas como críticas, especialmente em Marcelândia, Santa Carmem, Nova Ubiratã, Feliz Natal, Gaúcha do Norte e Querência, além de áreas centrais do estado como em Nova Maringá, Brasnorte, Tapurah e Porto dos Gaúchos.
O sistema de risco de desmatamento está à disposição do governo de Mato Grosso. Com a ferramenta, é possível ser ainda mais convincente ao exigir a inserção de mais propriedades rurais no Sistema de Licenciamento Ambiental das Propriedades Rurais do Estado (Slapr), primeiro passo para que essas áreas sejam licenciadas. Hoje, apenas 12 mil das 19 mil propriedades estão pelo menos cadastradas no sistema. Isso equivale a cerca de 30% da área de Mato Grosso.
Segundo o ICV, existe uma expectativa de cadastramento de pelo menos 70% das propriedades nos próximos dois anos. Mas ultimamente a taxa de adesão tem estado na faixa dos 2,5% de área ao ano, muito lento para atingir esse objetivo. Alguns setores da sociedade, como os produtores de soja, já declararam sua intenção de regularizar suas áreas. Falta convencer os pecuaristas. “O governo está com a faca e o queijo na mão”, diz Micol.
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