Ao passo que milhões de pessoas estão sendo retiradas da pobreza, o mundo enfrenta um enorme desafio para suprir a demanda por mais comida e energia. O alerta é do novo Cientista-chefe do governo do Reino Unido, John Beddington, que está em visita ao Brasil. Para ele, este país pode desempenhar um papel importante em prover tanto alimento como energia, desde que isso não ocorra às expensas de ecossistemas importantes.
O professor John Beddington, que assumiu o lugar de Sir David King em Janeiro como principal conselheiro em questões científicas do primeiro-ministro britânico Gordon Brown, conversou com O Eco nesta segunda-feira, primeiro dia de sua visita de cinco dias ao Brasil. Esta é a sua primeira viagem para outro país desde que assumiu o cargo. Ele está aqui para fechar o Ano Brasileiro-Britânico de Ciência e Inovação, que resultou em uma série de parcerias para pesquisas em questões como bioenergia e mudanças climáticas.
Sir David King desempenhou um papel importante na política internacional por ter elevado o perfil das mudanças climáticas na agenda mundial. Foi ele que provocou polêmica ao afirmar que o aquecimento global era uma ameaça maior para a humanidade do que o terrorismo, e com isso convenceu Tony Blair a tornar a questão uma prioridade do Grupo das Oito (G8) maiores economias.
Agora seu sucessor está tentando trazer algum senso de urgência para a questão da demanda global por alimentos. Ele insiste, no entanto, que não está de forma alguma negando a importância vital de lidar com as mudanças climáticas.
Em sua entrevista a O Eco, Beddington disse que o grande aumento no preço das commodities alimentares nos últimos dois anos tem uma série de fatores, entre eles a transferência de grãos para a produção de biocombustíveis nos Estados Unidos, uma seca desastrosa na Austrália e um incremento gigantesco na demanda, principalmente da Índia e China. Infelizmente, de acordo com o cientista britânico, isso não é um fenômeno temporário. Em primeiro lugar, a população ainda está crescendo dramaticamente, com mais do que o equivalente da atual população do Reino Unido ( cerca de 60 milhões) sendo acrescentada ao planeta a cada ano.
Contudo, diz Beddington, igualmente importante ao crescimento populacional é o número elevado de pessoas saindo de um estado de pobreza abjeta para condições de vida mais decente. “Como os programas anti-pobreza estão funcionando bem em uma série de países inclusive China, India e Brasil, o que se vê é uma mudança nas demandas do consumidor por diferentes tipos de produtos agrícolas, incluindo carne” afirma.
Mais comida, mais terra
Ou seja, quando pessoas se tornam mais ricas, elas tendem a comer mais carne, e isso não apenas exige mais terra para os animais, mas também mais grãos, como a soja, para alimentá-los; especialmente em se tratando de porcos e frangos. Se considerado que aproximadamente 3 bilhões de pessoas vivem atualmente com menos de dois dólares por dia, medidas anti-pobreza bem sucedidas vão criar uma enorme demanda por comida.
“Então você não tem apenas o crescimento populacional, que é projetado em 50% pelas próximas duas ou três décadas, tem-se essa elevação na demanda básica por alimentos e por energia também. Estamos falando de uma expectativa de aumento de 50% na demanda por energia, e algo acima disso na necessidade de comida. Então, isso é um problema de longo prazo”, acrescenta Beddington.
Em sua análise sobre o impacto dos biocombustíveis, o cientista é cuidadoso em distinguir entre a pressão sobre o suprimento de grãos causado pela conversão para etanol na agricultura americana e a política brasileira. “O biocombustível do Brasil é atualmente o mais útil para o mundo. Nós estamos conscientes do problema das mudanças climáticas, mas precisamos de energia para abastecer o setor de transportes. Ao mesmo tempo, temos este problema com o suprimento de alimentos. Então, vamos precisar produzir comida e biocombustíveis na mesma terra, e isso é o algo que o Brasil tem, grande potencial.”
Uma das implicações de uma demanda ainda maior por alimentos é a pressão que isso pode criar sobre ecossistemas como a Amazônia e o Cerrado. No recente anúncio do aumento do desmatamento no segundo semestre de 2007, a ministra Marina Silva fez uma relação direta entre o aumento do preço da carne e da soja com a degradação amazônica; a relação foi e continua a ser negada pelo Ministério da Agricultura.
Para Beddington, o desmatamento é um perigo real, mais é algo que pode e deve ser evitado. “Eu penso que o desafio para o mundo, para o Brasil e o Reino Unido entre outros países, é tentar assegurar que a produção agrícola cresça o suficiente para suprir a demanda extra por comida e energia, mas também garantir que serviços ambientais sejam propriamente preservados. Não é um trabalho fácil, mas é absolutamente essencial lidar com ele de forma apropriada”, diz o conselheiro-científico de Gordon Brown. E continua: “Não vai ajudar em nada se o aumento da produção de alimentos causar problemas de desflorestamento e aumento das emissões de gases estufa. Vai ser um erro incrível criar um problema tentando resolver outro. Mas não acredito que isso vai acontecer porque as pessoas estão bem conscientes dos problemas.”
* Tim Hirsch é jornalista britânico. Ex-correspondente de meio ambiente pela BBC de Londres, ele escreve agora como freelancer sobre assuntos internacionais ligados ao meio ambiente, ciência e desenvolvimento, com um foco especial no Brasil.
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