Análises

Darwin, o subversivo que mudou meu caminho

Um de seus livros determinou minha profissão. Anos depois, em Galápagos, conheci El Solitario Jorge, a tartaruga gigante extinta em junho.

Fabio Olmos ·
6 de agosto de 2012 · 12 anos atrás
Meu encontro com El Solitario Jorge, último da linhagem extinta em junho. (Foto: Fabio Olmos)
Meu encontro com El Solitario Jorge, último da linhagem extinta em junho. (Foto: Fabio Olmos)

Clique para ampliar

Livros são coisas perigosas. Eles podem mudar sua vida. Quando eu tinha seis anos li o “Viagem de Um Naturalista ao Redor do Mundo”, onde Charles Darwin conta suas experiências durante a viagem do Beagle, entre 1831 e 1836. Foi esse livro que fez que eu desejasse me tornar um “naturalista” (profissão hoje conhecida como biólogo) e, junto com os documentários que assistia, acendeu a vontade de viajar e conhecer a diversidade da vida, as “endless forms most beautiful”, como Darwin descreveu.

Claro que seria inevitável colocar Galápagos no topo de minha lista de lugares a visitar, mas, sem vir de uma família com recursos, tive que esperar muito tempo e me tornar um profissional razoavelmente bem sucedido antes de ter essa oportunidade. Finalmente, em 1998, fiz a peregrinação que todo biólogo deseja fazer.

Foi nessa viagem que conheci os famosos tentilhões, sabiás-do-campo, iguanas e tartarugas que impressionaram Darwin e plantaram a semente da teoria que é a base para a compreensão não só da Vida, mas também de qualquer sistema complexo que envolva replicantes e recursos limitados. A Perigosa Ideia de Darwin tem implicações muito profundas, da domesticação de humanos e sociedades, passando pela memesfera que hoje dita a política e pela ascensão da inteligência artificial movida a algoritmos.

Foi também nessa viagem que conheci El Solitario Jorge, o último Chelonoidis abingdonii. Jorge morreu em 24 de junho de 2012, o ponto final de uma história evolutiva que começou milhões de anos atrás quando seu ancestral, lançado ao mar por algum desastre ou acidente, conseguiu chegar à praia de uma ilha há muito submersa e deu origem à linhagem das tartarugas gigantes de aparência pré-histórica.

O direito à existência que foi negado Jorge e sua linhagem porquê marinheiros, especialmente baleeiros, os usaram como comida e introduziram cabras em sua ilha, destruindo assim a vegetação. Coletores científicos abastecendo museus  também tiveram seu papel, como o infame Rollo Beck, que em 1906 matou três das quatro  abingdonii sobreviventes (Jorge foi o que escapou).

Chelonoidis nigra abingdonii não é, de maneira alguma, a única forma de vida erradicada deste planeta porquê pessoas precisavam se sustentar de alguma maneira. Mas vale lembrar que nem a indústria baleeira e nem a criação de cabras que eram tão importantes a ponto de justificar o fim das abingdonii existem mais. Como não existem mais nem indústrias, nem tribos e nem civilizações que varreram espécie após espécie deste planeta.

Quando vejo o que estamos fazendo com 3,5 bilhões de anos de evolução, e o porquê de estamos fazendo isso, olho esta foto de Jorge e me pergunto qual é a espécie primitiva.

Foi nessa viagem que conheci os famosos tentilhões, sabiás-do-campo, iguanas e tartarugas que impressionaram Darwin e plantaram a semente da teoria que é a base para a compreensão não só da Vida, mas também de qualquer sistema complexo que envolva replicantes e recursos limitados. A Perigosa Ideia de Darwin tem implicações muito profundas.

O direito à existência foi negado a Jorge e sua linhagem porque marinheiros, especialmente baleeiros, os usaram como comida e introduziram cabras em sua ilha, destruindo assim a vegetação.

Coletores científicos abastecendo museus também tiveram seu papel, como o infame Rollo Beck, que em 1906 matou três das quatro abingdonii sobreviventes (Jorge foi o que escapou).

A espécie Chelonoidis nigra abingdonii não é, de maneira alguma, a única forma de vida erradicada deste planeta porque pessoas precisavam se sustentar de alguma maneira. Mas vale lembrar que não existem mais a indústria baleeira e nem a criação de cabras, que eram tão importantes a ponto de justificar o fim das abingdonii. Como não existem mais nem indústrias, nem tribos e nem civilizações que varreram espécie após espécie deste planeta.

Quando vejo o que estamos fazendo com 3,5 bilhões de anos de evolução, e o porquê de estarmos fazendo isso, olho esta foto de Jorge e me pergunto: qual é a espécie primitiva?

 

Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia.

 

  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Leia também

Notícias
14 de novembro de 2024

Sombra de conflitos armados se avizinha da COP29 e ameaça negociações

Manifestantes ucranianos são impedidos de usar bandeira de organização ambientalista por não estar em inglês

Podcast
14 de novembro de 2024

Entrando no Clima#34 – Conflitos dentro e fora das salas de negociações comprometem COP29

Podcast de ((o))eco fala da manifestação silenciosa da Ucrânia e tensões diplomáticas que marcaram o quarto dia da 29ª Conferência do Clima da ONU

Salada Verde
14 de novembro de 2024

Parlamento europeu adia por um ano acordo para livrar importações de desflorestamento

Decisão mantém desprotegidas florestas no mundo todo, como a quase totalidade da Amazônia sul-americana e outros biomas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.