Manaus, AM – Nas imagens de satélite de Manaus, o imenso quadrilátero se destaca a nordeste da área urbana. São dez mil hectares, com as partes sul e oeste já bem definidas pelos contornos da mancha urbana, enquanto a leste e norte os limites da floresta ainda são difíceis de identificar. Melhor que continue assim. Aquele grande quadrado, com 10 mil metros de cada lado, é a reserva Adolpho Ducke, um das áreas de experimentos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
A área da reserva foi escolhida pelo botânico Adolpho Ducke na década de 1940 e doada pelo governo estadual ao Inpa na década seguinte. As pesquisas na área começaram em 1963 e, desde então, foi ali que se desenvolveram estudos que resultaram em boa parte do conhecimento que se tem sobre a Amazônia Central. Na Reserva Ducke, já foram catalogadas mais de 2100 espécies de plantas e centenas de animais (50 anfíbios, 71 peixes, 80 répteis, 350 aves e 50 mamíferos).
Ao longo dos anos, a cidade foi abrindo seus braços para envolver a Ducke, como uma imensa célula pronta para fagocitar uma molécula. Um olhar mais próximo mostra também que esse abraço carrega diversas outras ameaças. Moradores de áreas próximas invadem a reserva para se banharem nos rios limpos ou em busca de animais para caçar. Além disso, o Linhão de Tucuruí passa na borda da Adolpho Ducke.
O medo de pesquisadores, não só do Inpa, mas também de outras instituições, é que esse processo continue até que a reserva esteja totalmente isolada do restante da Floresta Amazônica. E para esses pesquisadores, a maneira como o entorno vem sendo tratado na discussão do Plano Diretor da Cidade, que tramita na Câmara Municipal de Manaus, deixa espaço para essa possibilidade.
Pela proposta do relator Elias Emanoel (PSB), o entorno ainda não urbanizado da Reserva Ducke seria considerado uma Área de Transição, com um tratamento intermediário entre a Zona Urbana e a Zona Rural. Para o vereador, a proteção desse entorno estaria garantida não pelo Plano Diretor, mas por uma Área de Proteção Ambiental (APA) já criada pela prefeitura, mas que ainda aguarda ser implantada.
Os críticos acham que a APA não é suficiente. Imagens de satélite podem demonstrar claramente que uma outra APA em Manaus não tem impedido o desmatamento e a rápida ocupação imobiliária na outra ponta da cidade, no Tarumã, Zona Oeste. Professores do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas apresentaram uma proposta, que ainda não foi analisada pelos vereadores, de transformar o entorno da Ducke em uma Zona de Amortecimento.
“A proposta prevê a criação de uma faixa de 10 quilômetros no entorno, onde qualquer alteração ou empreendimento no local teria de ser aprovado previamente pelo Inpa ou por um comitê especial”, explica o professor de Geografia Urbana da Ufam, Marcos Castro.
Para o Inpa, o importante é salvaguardar não apenas o entorno, mas a conexão da Reserva Ducke com o restante da floresta. Em 2009, um documento assinado pelo coordenador científico do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), o ecólogo José Luís Camargo, que representa o posicionamento oficial do Instituto, destaca o riscos da fragmentação da floresta.
O texto chama a atenção para os resultados de 35 anos de pesquisas realizadas pelo projeto, que identificaram alterações na composição da vegetação e também extinção local de animais, devido ao isolamento de blocos de floresta. O documento destaca também a necessidade de evitar ao máximo os dois lados da reserva que ainda mantêm conexão com o restante da floresta, importantes para animais, plantas e para evitar o chamado efeito de borda, alterações provocadas pela redução da umidade e aumento da temperatura nos limites de uma floresta.
“Esses dois lados ainda permitem a mobilidade da fauna local (incluindo onça-pintada, onça-vermelha, porco-do-mato etc.) e a troca gênica entre indivíduos de diferentes populações”, afirma o documento. “Além de preservar a essência florestal da Reserva Ducke, tais cautelas também ajudarão a preservar a integridade de todas as atividades que são tradicionalmente desenvolvidas por lá, um dos patrimônios de maior concentração de pesquisas (e, portanto, conhecimento) da Bacia Amazônica”, conclui.
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