Reportagens

Mudas para compensar emissões

Maior empreiteira do país quer contrabalançar poluição da queima de diesel em obras com plantio de vegetação nativa, em parceria com a estatal Furnas Centrais Elétricas.

Aldem Bourscheit ·
13 de outubro de 2009 · 15 anos atrás
Clique na imagem e confira slideshow sobre a obra no Rio São Marcos, entre Goiás e Minas Gerais. Fotos: Aldem Bourscheit

Maior empreiteira do Brasil e com projetos em doze países da América Latina e outros tantos na África, a Camargo Corrêa convidou a reportagem de O Eco para conhecer as obras da hidrelétrica de Batalha, entre Cristalina  e Paracatu e um projeto para compensar a poluição dos equipamentos usados na construção de usinas com o plantio de árvores nativas. O modelo será usado em empreendimentos conjuntos com a estatal Furnas Centrais Elétricas.

Segundo os cálculos da empresa, serão necessárias por volta de 172 mil mudas de árvores para compensar as emissões de Dióxido de Carbono (CO2) de maquinário, motores e veículos usados na construção das hidrelétricas de Batalha (MG/GO) e Serra do Facão (GO), ambas no rio São Marcos, Foz do Chapecó (SC) e Jirau (RO). O prazo estimado para captação dos poluentes é de vinte anos, tanto no Cerrado quanto na Mata Atlântica e Amazônia. Conforme a Camargo Corrêa, só os equipamentos das três primeiras usinas emitirão 120 milhões de quilos de CO2, da queima de 36 milhões de litros de diesel.

Cerca de nove mil mudas para absorver a poluição provocada pela construção da barragem de Batalha estão ganhando terreno em porções degradadas e margens carecas de riachos na reserva particular Linda Serra dos Topázios. Ela tem quinhentos hectares e fica a exatos 112 quilômetros do canteiro de obras, próxima ao núcleo urbano de Cristalina. O município é conhecido pela extração desregrada de cristais e pelo grande número de pivôs para irrigação, muitos alimentados com barraginhas.

Conforme o engenheiro agrônomo Alexandre Mariot, serão usadas mudas cultivadas a partir de amostras da vegetação de cada área alvo do projeto. Assim, a compensação da usina Foz do Chapecó deve ocorrer dentro da Floresta Nacional de Chapecó, e da Serra do Facão às margens do ribeirão Pirapitinga, entre Catalão e Davinópolis. Jirau não tem locais de plantio definidos. “Estamos associando combate ao aquecimento global com recomposição florestal. Pensamos mais na qualidade e menos na quantidade de mudas, assim garantimos variabilidade genética, o que torna as florestas mais resistentes”, disse o diretor-técnico da consultoria Organização e Planejamento em Biodiversidade.

Segundo Mariot, o plantio de mudas nativas é uma medida que ultrapassa as obrigações do licenciamento das usinas e a empresa tem realizado doações de mudas para proprietários rurais que desejam recompor reservas legais e áreas de preservação permanente, inclusive frente à obrigação imposta por multas ambientais. Mas afirmou que o foco do projeto são unidades de conservação, de preferência de “proteção integral”, como parques nacionais e reservas biológicas.

O controle do consumo de combustível será feito através de notas fiscais e o número de mudas foi balanceado entre cada região e baseado em uma série de estudos. A Camargo Corrêa também afirmou que o arranjo será “atestado por entidade pública ou privada com relação ao plantio efetuado, informações  do bioma, as espécies nativas plantadas, local e posicionamento com GPS do plantio, número de plantas e respectivo seqüestro de CO2 e quantidade de óleo diesel queimado”. O nome da certificadora não foi informado.

O arranjo agradou ao diretor de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes, Ricardo Soavinski. Segundo ele, o órgão está aberto a debater com toda e qualquer empresa que quiser apoiar as cerca de trezentas áreas protegidas federais com recuperação ambiental, recursos, equipamentos ou serviços. Afinal, elas vivem na maior pindaíba, como mostrou O Eco  “Estamos em início de conversa, não há nenhum acordo firmado ainda, mas temos interesse em avançar nas conversações. Qualquer empresa que quiser ajudar com doações é muito bem vinda”, disse.

Já Glenn Switkes, diretor para América Latina da ong International Rivers , ficou com a pulga atrás da orelha. Ele vê com bons olhos a iniciativa da empresa para compensar emissões de equipamentos, mas lembra que a produção de muitos materiais usados nesse tipo de obra, como cimento e metais, gera muita poluição, bem como os próprios reservatórios e turbinas. “A compensação poderia ser mais abrangente, levando em conta essas outras fontes de emissões”, avalia.

Switkes também comentou que o crescimento das árvores deverá ser acompanhado bem de perto, pois um porcentual delas pode morrer ou não se desenvolver de forma satisfatória. Também ponderou que alguns impactos são tão grandes que medidas compensatórias podem se tornar insignificantes. Ele recordou da usina de Belo Monte (rio Xingu), onde poderá ser movimentada quantidade de terra e rocha semelhante à deslocada na obra do canal do Panamá, além de prejuízos à floresta, populações e paisagens da Amazônia. “Devemos olhar esses programas de compensação sempre com certo ceticismo, pois muitos são soluções parciais”, disse.

Geração no Cerrado

Barrando uma região de baixo desnível com vegetação relativamente preservada às margens do rio São Marcos, a usina formará um lago com 138 quilômetros quadrados, 55 quilômetros de comprimento e 800 metros de altitude no ponto mais alto para gerar 52,5 Megawatts máximos e 40,4 Megawatts no período mais seco. No Brasil, pequenas centrais hidrelétricas produzem até 30 Megawatts. A energia de Batalha é suficiente para uma cidade com 130 mil pessoas, e será levada dali até uma subestação na mineira Paracatu , a noventa quilômetros de distância, despejando potência no sistema nacional.

Conforme biólogos que atuam no canteiro de obras, até agora foram recolhidos mais de 70 espécimes de animais, principalmente de cobras, lagartos e outros membros da chamada herpetofauna, além de pequenos mamíferos. Também foram identificadas mais de cem espécies de plantas. As margens do futuro reservatório deverão receber mudas dessa vegetação. A barragem não terá “escada” para peixes.

A usina deve entrar em operação em 2011, quando o Ibama lhe conceder uma última licença. Até agora, conforme a Camargo Corrêa, Cristalina e Paracatu já embolsaram mais de dois milhões de reais em impostos. Quando começar a gerar energia, as taxas por uso da água devem render 1,7 milhão por ano, divididos entre os municípios atingidos, governos estaduais, agência nacional de águas, ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia e fundo nacional de desenvolvimento científico.

O custo total da obra é estimado em 740 milhões de reais. A compensação ambiental ainda não foi definida. Se ainda valesse o 0,5% sobre o valor do empreendimento, derrubado em abril do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal , R$ 3,7 milhões poderiam ser investidos em áreas protegidas. A Camargo Corrêa registrou R$ 5,4 bilhões em receita no ano passado e é responsável por 55% da potência instalada no Brasil e 7% da geração mundial.

Menina dos olhos de uma empresa que é alvo de protestos freqüentes de ambientalistas pelo envolvimento em empreitadas polêmicas, como Jirau e Belo Monte, o projeto de “compensação de emissões com recomposição florestal” será apresentado no Congresso Mundial de Grandes Barragens em Lyon (França), entre 26 e 28 de outubro.

Explore a região onde é construída a Usina de Batalha no mapa abaixo:


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  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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