Notícias

O que é o Pacto Leticia e qual a importância dele para a conservação da Amazônia?

Publicação na Science destaca que há a necessidade de desenvolver ações e metas para a implementação do Pacto de Letícia na região amazônica

Carolina Lisboa ·
12 de novembro de 2019 · 5 anos atrás
Chefes de Estado e Delegação da Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil, Equador, Guiana e Suriname comemoraram a assinatura do Pacto de Letícia para a Amazônia. Foto: Itamaraty/Flickr.

Em setembro, representantes de Bolívia, Brasil, Equador, Colômbia, Guiana, Peru e Suriname se reuniram em Leticia, na Colômbia, e assinaram um acordo de cooperação se comprometem a promover ações concretas para garantir a proteção da Amazônia. Assinado no dia 6, o pacto lista dezesseis pontos nos quais os países signatários pretendem colaborar, que incluem, além do combate ao desmatamento, a criação de iniciativas de restauração florestal, o uso sustentável dos recursos, ações de fortalecimento da mulher e de povos indígenas e a criação de campanhas educacionais sobre a importância da Amazônia.

Apesar das metas, o pacto ainda é extremamente vago. “Foram listados dezesseis pontos nos quais os países signatários pretendem colaborar, mas não foi especificado como se pretende atingir cada ponto, qual país será responsável por cada um, e como cada meta será alcançada”, explica a pesquisadora Paula Prist, uma das autoras do artigo Collaboration across boundaries in the Amazon (Colaboração além das fronteiras na Amazônia, em português), publicado na última sexta (08) na seção Letters da revista Sciencemag, da editora Science. O artigo coloca em pauta a importância do pacto e dá diretrizes sobre como implementá-lo, sugerindo ações e metas para os países signatários.

Em entrevista para ((o))eco, Paula Prist detalha o conteúdo da publicação:

*

((o))eco: Qual a importância do pacto para a conservação da Amazônia?

Paula Prist: O Pacto de Leticia representa um passo essencial e importante na colaboração entre fronteiras para a Conservação da Amazônia, que se colocado em prática, pode de fato vir a contribuir para a manutenção da maior floresta tropical do mundo. Dada sua grande área e ao fator “remoto” de muitas localidades, uma ação conjunta de todos os países que compartilham a floresta poderia facilitar ações rápidas de controle e combate ao desmatamento e incêndios, por exemplo. Isso é de extrema importância, pois muitos dos impactos causados pelo desmatamento e pelos incêndios florestais não ficam restritos aos locais do evento. A disseminação da fumaça, por exemplo, pode provocar problemas de saúde em locais muito distantes do foco de incêndio, enquanto o desmatamento, mesmo que local, pode levar a diminuição das chuvas em todo o sudeste da América do Sul. Por isso acreditamos que a preservação da Amazônia deve ser feita em um esforço colaborativo, uma vez que seus benefícios também não ficam restritos ao seu país de origem.

“Apesar de ser um ótimo primeiro passo, o Pacto de Leticia hoje não passa de uma lista de desejos de sete países”.

Porém, até o momento, esse Pacto não passa de declarações de intenções, extremamente vagas, e sem metas claras. Foram listados dezesseis pontos nos quais os países signatários pretendem colaborar, mas não foi especificado como se pretende atingir cada ponto, qual país será responsável por cada um, e como cada meta será alcançada. Apesar de ser um ótimo primeiro passo, o Pacto de Leticia hoje não passa de uma lista de desejos de sete países, que precisa ser muito trabalhada para se tornar ao menos um pouco efetiva. Um outro ponto a ser ressaltado é que a Venezuela não está presente nesse acordo. Dada a atual situação da Venezuela (onde ocorre grande parte da atividade ilegal de mineração da Amazônia), alguns pontos ficam mais difíceis de serem alcançados.

Quais são as vantagens e desvantagens para os países signatários do Pacto?

As vantagens dos países signatários do Pacto é que as ações de conservação da Amazônia podem ser feitas de forma conjunta. Essas colaborações entre fronteiras para conservação têm se mostrado efetiva em outros países, evidenciando que os custos com a conservação podem ser reduzidos, enquanto as metas para conservação são atingidas mais facilmente. Com isso os países conseguiriam promover a conservação da Amazônia mais facilmente. Por exemplo, existe uma forte evidência que altas taxas de desmatamento (de cerca de 20%) podem fazer com que a Amazônia atinja um ponto irreversível, que degradaria o ciclo hidrológico, levando a diminuição das chuvas na América do Sul, e afetando o abastecimento de água nos centros urbanos e nas áreas agrícolas. Nesse sentido, é muito mais fácil que a meta mínima de cobertura florestal seja estabelecida de forma conjunta e que o monitoramento das porcentagens de cobertura florestal seja realizado considerando toda a bacia Amazônica, do que pais por país. Não adianta nada um país realizar um esforço tremendo de conservação e preservar toda sua Amazônia se os outros não fizerem a mesma coisa. Esse país, que sozinho conseguiu preservar quase toda sua Amazônia, por exemplo, vai acabar sofrendo os impactos negativos do desmatamento e dos incêndios florestais Amazônicos dos países vizinhos de toda forma. Por isso, a conservação da Amazônia deve ser feita de forma conjunta.

“Não adianta nada um país realizar um esforço tremendo de conservação e preservar toda sua Amazônia se os outros não fizerem a mesma coisa”.

Os países podem aproveitar das tecnologias e conhecimentos já existentes dos outros países signatários, sem precisar dispender recursos para o seu desenvolvimento. Com isso, caso um país possua uma tecnologia de ponta para monitorar o desmatamento em tempo real, por exemplo, essa tecnologia pode ser expandida, para toda bacia Amazônica, a um custo muito reduzido do que se cada país precisasse criar sua própria tecnologia. Além disso, diversos acordos podem ser feitos para que os países signatários possam estabelecer cooperações que possam contribuir para o desenvolvimento econômico e sustentável da região.

Entre as desvantagens, podemos citar que a divisão das metas deve ser estabelecida de forma clara e respeitosa, para que um país não acabe ficando responsável pela maior parte das ações, e que a soberania de cada país deve ser respeitada para não causar conflitos. Porém, se o Pacto for feito de forma clara e bem definida, só tem vantagens a trazer para todos os países signatários.

Quais devem ser as ações e metas dos países para que o Pacto seja efetivo?

Em primeiro lugar todos os dezesseis pontos listados no Pacto de Leticia devem ser traduzidos em metas claras. Por exemplo, o Pacto fala apenas em combater o desmatamento. De que forma irá fazer isso, e quanto de desmatamento eles visam de redução não é citado. Portanto, todos os pontos são extremamente vagos. Nós sugerimos, por exemplo, que o combate ao desmatamento deve ser feito de forma a se evitar que a Amazônia chegue perto do ponto irreversível, e que os países devem estabelecer uma meta de manter uma porcentagem mínima de cobertura florestal de 80%. Dessa forma existe uma meta clara a ser alcançada. Uma forma de se fazer isso seria expandindo os sistemas de monitoramento brasileiros para o resto da Amazônia (Deter, Prodes, MapBiomas, etc), por exemplo.

O Pacto fala em criar um centro conjunto de resposta a incêndios. Como? Via satélite? O Pacto também fala em criar ações conjuntas de restauração. Porém não estabelece uma meta a ser restaurada (em hectares/ano por exemplo).

Então um primeiro passo é estabelecer ações e metas reais, tangíveis de serem alcançadas, como o exemplo do desmatamento, para que os países possam coordenar as estratégias de ações e iniciar a colaboração efetiva.

Além dos dezesseis pontos propostos, nós sugerimos que os países podem promover mercados sustentáveis, onde os produtos florestais e aqueles que são de desmatamento-livre, podem possuir incentivos fiscais em todos os países do acordo (além de livre acesso – livre de impostos em todos os países Amazônicos). Sugerimos também a criação de Parques, ou Reservas transfronteiriças, que englobem mais de um país, o que também pode promover o turismo nessa região; e que organizações que trabalhem com meio-ambiente ou com saúde consigam transitar livremente por toda a bacia Amazônica. Isso é de extrema importância quando desastres como incêndios, por exemplo, acontecem. Dessa forma, a ajuda viria do local mais próximo, independentemente de sua nacionalidade.

*

 

Leia Também 

Referência no exterior, Brasil não faz dever de casa na área ambiental

Parques transfronteiriços, impulso à conservação

O manejo de parques transfronteiriços

 

  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

Leia também

Análises
31 de maio de 2011

O manejo de parques transfronteiriços

Primeiro artigo de série sobre o manejo ecossistêmico através das fronteiras internacionais fala da experiência do Parque Nacional do Alto Tatras, compartilhado pela Polônia e Eslováquia.

Análises
20 de março de 2012

Parques transfronteiriços, impulso à conservação

A Lei do SNUC prevê que a gestão de unidades de conservação contíguas deve ser integrada. Que tal extender esse conceito através das fronteiras?

Reportagens
11 de novembro de 2018

Referência no exterior, Brasil não faz dever de casa na área ambiental

Protagonismo do país nos acordos internacionais não se reflete nas políticas ambientais internas, mostra relatório da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.