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O bonde passou

Brasil vai à reunião para implementar Acordo Internacional de Preservação de Albatrozes e Petréis como observador, porque o Congresso ainda não o ratificou.

Manoel Francisco Brito ·
2 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

O Brasil perdeu uma ótima chance de ocupar os primeiros lugares numa prova internacional de ambientalismo. O último país a lançar mão dela foi a África do Sul, o quinto a assinar o Acordo Internacional de Conservação de Albatrozes e Petréis e fazê-lo entrar em vigor. Seus signatários estão obrigados, daqui para a frente, a conservar as áreas de reprodução dessas aves marinhas e regulamentar o uso de medidas para evitar que morram presas em anzóis de barcos de pesca industrial.

Por ano, estima-se que essa atividade mate na costa Sul-Sudeste do Brasil cerca de 10 mil albatrozes e petréis. “Podíamos ter sido nós, no lugar dos sul-africanos”, diz a bióloga Tatiana Neves, sem deixar transparecer qualquer travo de desilusão com a lerdeza do Congresso Nacional, onde o acordo aguarda a ratificação, cumprindo uma via crucis que já dura 3 anos. Ela sabe que em alguma medida é preciso esperar e essa paciência ela transformou em perseverança ao longo dos últimos 13 anos, desde que decidiu se dedicar à proteção dos pássaros.

Seu principal instrumento nesse trabalho é a ONG Projeto Albatroz, fundada em 1991 e que tem o apoio da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo. A morte das aves é um resultado involuntário da pesca de espinhel – longos cabos de aço, alguns com 27 km de extensão, onde vão presos milhares de anzóis. A hora de maior perigo para elas acontece na largada do espinhel, quando voam atrás das iscas, em geral lulas ou pequenos peixes. Se mordem o anzol, acontece o que Tatiana chama de pesca ao contrário. “As aves saem do ar e são arrastadas para o fundo do mar”.

O fato de o Brasil não ter ratificado ainda o Acordo não chega a ser um desastre. Tatiana acha que é só uma questão de tempo. E o país, de todo modo, participará do encontro em novembro, que vai tratar da sua implementação. Ele comprometerá de vez seus signatários a conservar os sítios de reprodução de albatrozes e petréis e a regulamentar medidas para reduzir o índice de mortes de aves presas nos anzóis. Pena que o Brasil estará lá na condição de ouvinte.

No país existem duas áreas de reprodução de petréis. Uma fica em Fernando de Noronha. A outra na ilha de Trindade. Mas o problema maior está mesmo na zona de pesca da costa Sul-Sudeste do país, onde os pássaros se afogam aos milhares. Para evitar ou pelo menos reduzir o massacre, recomenda-se a largada noturna das iscas ou a utilização de um corante azul, que as torna menos atraentes para os pássaros. Uma terceira medida é o emprego de uma tecnologia simples conhecida como Toriline, que consiste em espalhar linhas semelhantes à serpentinas ao longo do cabo do espinhel, para espantar as aves.

Enquanto não se regulamenta a questão no Brasil,. tornando obrigatórios esses cuidados, resta aos defensores de albatrozes e petréis que voam sobre o mar do país convencer os pescadores a usá-los. “Sem eles, é impossível reduzir a mortandade”, diz Tatiana. Já conseguiu muitas adesões. Mas pelo número de mortes que ainda ocorrem, sabe que é preciso fazer muito mais.

Tatiana lembra que o governo está se mobilizando. Aumentou o número de observadores nas embarcações e debate hoje a adoção de um Plano Nacional de Proteção de Albatrozes e Petréis. Nessa batida, Tatiana não tem dúvida que o Congresso ratificará o acordo internacional. “É só uma questão de tempo”.

Tatiana participou ativamente da execução do texto do Acordo Internacional de Proteção. As primeiras discussões aconteceram em 2000, em Hobart, na Austrália, para onde ela foi enviada na função de assessora técnica de diplomatas da embaixada brasileira. Representou o país sozinha nas discussões, por conta de uma coincidência de datas para lá de azaradas para os albatrozes e petréis. A conferência diplomática começava no mesmo dia em que a delegação olímpica brasileira chegava à Sidney. Entre atletas e aves marinhas, a embaixada, é natural, foi cuidar dos primeiros. Com Tatiana, o Brasil não fez feio na reunião preparatória.

Tanto que os diplomatas não reclamaram de seu desempenho e logo se juntaram a seu trabalho. A 2ª reunião foi na Cidade do Cabo, na África do Sul. Em junho de 2001, o texto ficou pronto, o embaixador do Brasil na Austrália o assinou e ele foi remetido para o Brasil. Primeiro, passou por análise técnica e consulta entre três ministérios – Meio Ambiente, Relações Exteriores e Ciência e Tecnologia – e a Secretaria Especial de Pesca. Dali foi para o Congresso. Só falta fisgar os parlamentares.

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