Análises

Julho sem plástico é uma oportunidade para enfrentar a injustiça social

Não é possível acabar com nenhum desses problemas em julho deste ano, mas podemos começar a reconhecer que o plástico desnecessário – descartável e não medicinal – não é essencial

Jacqueline Savitz ·
29 de julho de 2020 · 4 anos atrás
Onde menos se espera, plástico. Foto: unsplash.

À primeira vista, pode parecer que a ideia de um “julho sem plástico” não está à altura dos problemas que temos diante de nós, com a Covid-19 em contínuo avanço e nosso país, os Estados Unidos, em um momento crucial no combate à injustiça racial. Mas, olhando de perto, conter a produção de plástico é necessário para se atingir a justiça social, e é viável, mesmo no contexto de uma pandemia. Provavelmente vamos demorar mais para nos livrar do plástico do que para desenvolver uma vacina para a Covid-19, mas não temos tempo a perder.

Esta é uma crise que vem se gestando há décadas. Não se trata dos usos indispensáveis na área da saúde, e sim dos 40% de todo o plástico produzido para embalagens e recipientes ​​de alimentos e bebidas – tudo feito para ser usado ​​uma única vez. A engenharia que cria milhões de produtos com um material feito para durar eternamente, mas que deve ser jogado fora depois de usado uma vez, representa um desperdício, uma frivolidade e um atraso. A reciclagem mal consegue dar conta de um décimo de todo o lixo plástico. E quando se considera que esse plástico descartável está destruindo ambientes naturais e ameaçando comunidades – não apenas em bairros pobres dos Estados Unidos, mas também em países em desenvolvimento que não estão equipados para lidar com isso – é mais do que um desperdício. É antiético. E isso é apenas a ponta do iceberg.

O uso do plástico está aumentando rapidamente. O material já se tornou tão onipresente que foi encontrado nas  profundezas do oceano, no gelo do Ártico, em nossas chuvas e até no ar dos lugares mais remotos do mundo. Tartarugas marinhas ameaçadas de extinção estão se enredando e sufocando nele em todo o mundo, e já foram encontrados 35 quilos em uma única baleia. Os seres humanos também não são poupados do consumo de plástico, que chegou à nossa comida, à nossa água e ao nosso ar, e os cientistas ainda estão tentando entender como isso está afetando a saúde humana. Pode-se dizer com segurança que a situação só vai piorar à medida que a produção de plástico quadruplicar entre 2014 e 2050.

É importante entender por que a produção está crescendo. O plástico é um dos usos dados a uma matéria-prima controlada por poderosos interesses empresariais, preocupados em continuar aumentando seus lucros, mesmo à custa dos oceanos, do meio ambiente e de nós. Essa matéria-prima é o petróleo, e novos usos para ela são procurados constantemente.

Foto: unsplash.

Mas o petróleo é uma commodity que deveríamos eliminar gradualmente à medida que mudamos nosso paradigma energético para energia limpa e renovável, o que é absolutamente necessário para enfrentar as mudanças climáticas. E é preciso dizer – principalmente à luz de preocupações recentes e que já deveriam ter sido enfrentadas sobre justiça social – que esse sistema de uso de petróleo, seja para fabricar plásticos ou com outra finalidade, impulsiona a mudança do clima, que impõe um fardo desproporcional às comunidades pobres, muitas delas negras. Essa é outra razão pela qual tratar os problemas da poluição do plástico e da questão climática é um imperativo moral.

A Louisiana é um exemplo típico. Há décadas, a indústria vem estabelecendo plantas petroquímicas ao longo de 13 quilômetros do rio Mississippi, um trecho constituído principalmente por bairros afro-americanos e de baixa renda e apelidado de “corredor petroquímico”. No final dos anos 1980, ganhou um apelido ainda pior, “Rota do Câncer”, depois que os moradores observaram um número incomumente alto de casos da doença em suas comunidades. Agora, a maior fábrica de plástico do mundo está sendo construída ao longo dessa mesma faixa e deve liberar 800 toneladas de poluentes tóxicos no ar por ano.

Não é possível acabar com nenhum desses problemas em julho deste ano, mas podemos começar a reconhecer que o plástico desnecessário – descartável e não medicinal – não é essencial. Existem alternativas, e temos capacidade de projetar sistemas que reduzam sua necessidade. Temos a responsabilidade de proteger o planeta e as comunidades minoritárias, impactadas desproporcionalmente pela produção de plástico. Declaremos nossa independência em relação ao plástico este mês e assumamos um compromisso de nos libertar dele cada vez mais, mês a mês, de agora em diante.

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  • Jacqueline Savitz

    Diretora de Políticas da Oceana, a maior organização internacional dedicada exclusivamente à conservação dos oceanos.

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