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Ambientalismo do cotidiano

Ter comportamento ecologicamente correto é mais difícil do que parece. Para causar menos poluição e economizar água, no dia-a-dia,dependemos do setor público.

1 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

A princípio, isso de ser “ambientalista”, deveria se extrapolar a todas as atividades e não ficar restrito ao que se pensa nem tampouco ao que se diz e escreve. Ou seja, que gente como quem escreve esta nota, mais do que outros da mesma espécie, deveria ser coerente com sua filosofia e aplicá-la plenamente no dia-a-dia das suas vidas. Mas, como se explica a seguir, isso não é sempre fácil.

Primeiramente se descartam todas aquelas soluções que requerem, para serem aplicadas, ter nascido milionário ou ter feito fortuna. Faz-se referência a soluções como as chamadas casas “eco-inteligentes”, aos barcos movidos pelo vento captado por velas rígidas, que se orientam eletronicamente, ou aos automóveis movidos à energia solar ou hidrogênio – maravilhas que a televisão e as revistas especializadas mostram com freqüência e que, obviamente, são benevolentes com o entorno, embora seus custos sejam proibitivos. De outra parte, antes de elogiar os que se aproveitam desses portentos ecológicos, a gente deveria se perguntar qual foi o negócio que deu a seus donos tanto dinheiro. Possivelmente se descobrirá, como no caso da origem de muitas das maiores fundações mundiais que brindam dinheiro para salvar o meio ambiente, que a fortuna foi acumulada destruindo a natureza. Em conseqüência, o balancete ambiental nem sempre fica no azul. Não obstante, deve-se reconhecer que esses experimentos mostram um caminho importante para soluções que, sem dúvida, no futuro estarão ao alcance de muitos ou quiçá da maioria.

Outras medidas, sendo iguais ou mais importantes para o entorno natural, são bem mais prosaicas e parecem estar ao alcance dos cidadãos comuns. Pense-se em algumas, bem conhecidas, como: apagar a luz e os artefatos elétricos após o uso. Não desperdiçar água, caminhar ou usar a bicicleta no lugar de automóvel para fazer compras no bairro, usar transporte urbano ou compartilhar o automóvel para ir ao trabalho, cortar a grama com máquina sem motor, praticar coleta seletiva de lixo, utilizar o papel da impressora de ambos os lados. Ligar e falar por telefone apenas o que é necessário, não passar da velocidade de consumo mínimo de combustível ao dirigir um carro, não deixar a porta do refrigerador aberta, etc., etc. É verdade inconteste que a aplicação de todas essas medidas pela maioria dos habitantes no nível de uma cidade teria um efeito enormemente positivo no entorno e, também, na economia familiar e da cidade como um todo. Mas, é isso em todos os casos realista?

Fácil dizer

Veja-se, como exemplo, o caso do uso da água. Parece fácil se lembrar de fechar a torneira enquanto o homem se barbeia. Mas, deve-se levar em consideração que a mão que manipula a máquina de barbear é a mesma da torneira e que se ele usasse a outra, o desequilíbrio poderia provocar cortes ou desnivelar o bigode. E, sabe-se de sobejo que os erros na simetria bilateral humana são fealdade na certa.

Se a pessoa está usando água quente, desperdiçará ainda mais água ao fechar a torneira a cada lavada do rosto ou da máquina, pois deverá esperar vários segundos, para que volte a ficar quentinha. Ao se tomar uma ducha em casa ou em hotéis, independentemente do sistema de aquecimento, deve se esperar um bom tempo pela chegada da água quente. Em algumas instalações, deve se esperar mais tempo que o propriamente usado para se banhar. A pessoa até pode se sentir ecologicamente mal, mas dificilmente vai trocar uma gripe pela honra de ser um guerreiro ambiental.

Pessoalmente, posso viver com um carro sujo. De fato, ainda que não esteja seguro de que as minhas motivações sejam ecológicas, apenas lavo meu carro uma ou duas vezes por ano e de preferência na chuva. Ao contrário, minha esposa, pura ecologista, manda lavar o carro cada vez que está sujo e, isso, no lugar onde moramos, com o ano dividido entre a poeira e a lama, ocorre a cada dia. Assim, não é possível se proibir andar com os carros limpos no intuito de preservar a água, pior ainda por não existir técnica capaz de lavar a carroceria dos automóveis sem ela. É verdade que existem artefatos mais eficientes que outros no uso da água até para lavar carros, mas, nem sempre estão ao alcance de cada um.

Que fazer com o óleo usado na cozinha? Pode-se, na verdade, acumulá-lo em recipientes ao invés de vertê-lo na pia. Mas, quando se dispõe de vários litros acumulados, ocupando espaço e criando riscos de incêndio, o que a gente pode fazer com isso? Sabe-se, claro, que poderia se reciclar. Então, fazer sabão, como alguns heróis ainda fazem? Difícil e nada barato considerando a energia gasta no processo! De outra parte, aonde você vai levar o galão de óleo velho? E quanto combustível vai ser gasto para que esse óleo seja eventualmente reciclado precisamente como combustível?

Finalmente, a pia, o esgoto e o rio próximo, caso não exista tratamento de águas servidas (como é provável), vão receberem a carga poluente. O mesmo acontece com as baterias usadas que, por falta de clareza e praticidade dos serviços disponíveis para sua disposição ambientalmente adequada, simplesmente terminam no lixo.

Os detergentes são um dos fatores importantes de contaminação das águas. A visão da enorme massa de espuma branca que cobre as águas batidas pela corrente, no rio Tietê após atravessar São Paulo, é digna de figurar entre as propagandas mais loucas idealizadas pelos produtores e vendedores de detergentes. O abuso de detergentes, incluídos os contidos em produtos de asseio pessoal, claro, é amplo e inadequadamente promovido pela publicidade.

Difícil fazer

Mas, na teoria, uma família ambientalmente consciente poderia ter algum controle sobre o uso ou abuso. Isso, outra vez, é mais fácil de dizer que de fazer. De uma parte porque empregadas, filhos e filhas nunca obedecem e porque as primeiras descobriram, faz tempo, que com a maior aplicação de detergentes o seu esforço diminui proporcionalmente, o que a propaganda se encarrega de lembrar nos intervalos de todas as telenovelas. Moços e moças modernos parecem ter chegado à conclusão de que seus cabelos ficam mais bonitos e que não os perderão nunca se os lavam até duas vezes por dia. A moda dos cabelos muito longos das meninas, bem sensual, é verdade, aumenta o consumo de xampus, condicionadores e outras substâncias. A água e a vida que depende dela rio abaixo paga a conta. E assim por diante, até os ambientalistas mais fanáticos terminam o dia insatisfeitos, sentindo que sua vida segue uma rota diferente a de seus princípios.

Os exemplos anteriores, com o uso e mau uso da preciosa água são repetidos com quase todas as nossas atividades diárias. A conclusão principal é que a grande maioria das soluções aparentemente óbvias para poupar os recursos naturais não pode ser abordada exclusivamente pelos indivíduos ou pelas famílias e que precisam de um suporte público que funcione eficazmente. Esse suporte deve se manifestar em serviços públicos e em regras sociais. Por exemplo, a reciclagem baseada na coleta seletiva exige um esforço dos cidadãos que devem iniciar o processo no lar, mas precisa de um equipamento urbano adequado que no geral não existe ou não opera eficientemente. A imprensa revela dia-a-dia como o lixo cuidadosamente selecionado no lar é misturado, no mesmo caminhão que o transporta até o lixão, ou até a estação de tratamento de resíduos sólidos que geralmente não funciona.

Os pobres, que como se sabe muito bem são maioria, compram os equipamentos de banheiro mais baratos que existem. Mas, os equipamentos sanitários baratos, em especial devido ao desenho hidráulico do vaso, consomem de duas a quatro vezes mais água que os caros. Consequentemente, os vasos sanitários dos pobres ocasionam enormes desperdícios de água e, injustamente, provocam custos maiores – se pagarem – para eles do que para os ricos. A solução é uma norma que obrigue a todos os vasos sanitários e seus equipamentos operarem com a mesma eficiência. A diferença de preços apenas deveria se referir ao luxo.

O uso de transporte público, que poderia ser fundamental para reduzir a contaminação do ar de origem urbana e preservar um recurso precioso como o petróleo passa, previamente, pela segurança pública e pela qualidade do serviço. É inútil promover o transporte público se este expõe os usuários a assaltos e humilhações e, pior ainda, se é caro e ineficiente. O uso de bicicletas sofre dos mesmos problemas de insegurança aos que, neste caso, se somam a ausência de infra-estrutura viária apropriada.

Em conclusão, sem pretender dizer que o individuo ou a família nada pode fazer para beneficiar o ambiente na sua vida cotidiana, parece verdade que a maior parte do realmente efetivo depende muito do comportamento do setor público. Este, se sério em relação ao assunto, deve tomar medidas tanto legais como práticas para possibilitar o bom comportamento individual ou, melhor ainda, permitindo que se exerça a responsabilidade. Sem isso, ademais de se tentar, até onde é razoavelmente possível – e é possível – fazer as coisas de forma mais adequada, é indispensável exercer pressão sobre os governantes e legisladores para que cumpram sua parte.

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