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Reação interessante

Após violentos comentários, colunista relata os prováveis motivos da reação a seus artigos. Em novo texto sobre ambientalismo e direito dos animais, pede mais civilidade.

30 de janeiro de 2007 · 17 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Não costumo escrever seguidamente sobre o mesmo assunto para não aborrecer os leitores, mas, nesta ocasião, estou fazendo-o para responder a uma situação excepcional. Com efeito, apesar de ter escrito sobre temas ambientais durante 45 anos, inclusive muito sob a modalidade de artigos editoriais ou de opinião em jornais e revistas, nunca antes tinha provocado uma reação tão numerosa e majoritariamente negativa e até certo ponto violenta. Achei interessante essa reação e, por esse motivo, nesta nota me proponho a analisar brevemente o que aconteceu.

Para mim o artigo “Ambientalismo e direito animais” apenas pretendia estabelecer as diferenças entre o ambientalismo e o protecionismo aos animais. Eu apenas esperava, como usual, uns poucos comentários e, no melhor dos casos, cerca de uma dezena. Mas, chegaram 77 comentários sem contar um par a mais na caixa postal. De outra parte, apenas magros 16% dos comentários recebidos indicam que esses leitores pareceram compreender qual era o tema que se discutia. Os 84% dos comentários, independentemente de se estavam a favor ou contra, não trataram do tema central e fixaram seus comentários em aspectos relativamente acessórios do texto. De outra parte, apenas 19% dos comentaristas se manifestaram favoravelmente, enquanto que uns contundentes 63% expressaram veemente repulsa pelo artigo ou por afirmações feitas no mesmo. Os 10% restantes foram de comentários relativamente neutros. O mais interessante para o autor, ademais de que seus leitores não pareceram compreender de que tratava a coluna, foi o caráter desproporcionalmente agressivo, insultante e até ameaçante de vários comentários negativos.

Lembrei-me de reações similares contra artigos da colunista Silvia Pilz, também de O Eco que escreveu, diga-se de passagem, de forma engraçada e inteligente, sobre pombas, gatos, cachorros e rodeios. Seus artigos “O Bandido é o mocinho” (17/04/2005) e “Sem rodeios” (01/05/2005), em especial, provocaram uma avalanche de comentários que chamaram minha atenção pelo seu caráter virulento. Do mesmo modo que agora, ela recebeu mais comentários que qualquer outro artigo, embora sobre temas bem mais transcendentais, publicados naquelas mesmas edições. O curioso é que a própria autora, nos artigos citados, fazia certa confusão entre ambientalismo e protecionismo animal que é, exatamente, o que eu pretendia esclarecer e diferenciar.

A conclusão mais evidente desses resultados, na medida em que eles provenham de uma amostra representativa de leitores, é que eu não tive êxito no meu intento de clarificar as diferenças entre o ambientalismo e o protecionismo animal ou os defensores dos direitos animais. Vários fatores podem ter contribuído para isso e, dentre eles e após reler o artigo, reconheço que meu texto era chato e reiterativo e que alguns conceitos poderiam ter sido mais bem apresentados e sustentados. Também reconheço que, por se tratar de uma coluna de opinião, não fiz uma revisão bibliográfica ou eletrônica aprofundada sobre o tema da crueldade animal que, admitidamente, não é a minha especialidade.

Mas, o problema principal foi que não consegui que a maior parte dos leitores que se manifestaram o fizesse se concentrando no tema de fundo. Por isso, no lugar de discutir onde termina o protecionismo animal e onde começa o ambientalismo, eles passaram a protestar ou defender questões e opiniões que o artigo menciona apenas como prova de diferenças, no suposto da sua imposição à sociedade como um todo. Por exemplo, o autor nada escreveu contra quem optar por ser vegetariano, contra quem cuida de seus bichos de estimação e, muito menos, contra quem evita o trato cruel aos animais. Somente pretendeu demonstrar que quem faz isso não é necessariamente um praticante do ambientalismo. O autor tampouco tem nada contra a agricultura orgânica, atividade que ele mesmo favoreceu em todas suas funções públicas. Tão somente não acredita que ela seja a solução para aliviar a fome da humanidade. Seja como for, é evidente que o artigo não atingiu esse seu propósito. Revisando o texto tampouco encontrei nada que justifique respostas insultantes, salvo quiçá para quem seja membro ativo da porção extremista e radical do amplo espectro do protecionismo animal ou dos direitos animais que, na sua maioria, são pessoas equânimes.

O sucedido levanta muitas perguntas. Por exemplo, levando-se em conta o grande número de comentários, saber se a maior parte dos leitores de O Eco são defensores dos direitos animais. Se isso for verdade, cabe perguntar se é possível que esse tema interesse e importe mais que temas ambientais vitais para a humanidade (o efeito estufa ou a destruição das florestas tropicais e a perda da diversidade biológica), discutidos reiteradamente em O Eco e que, em geral, apenas levantam uns poucos comentários. O caso também sugere se existe alguma relação entre esses resultados e o comportamento social responsável de que o Brasil seja um dos raríssimos países do mundo onde, de fato, se proíbe a caça de animais silvestres.

A resposta à primeira pergunta se reúne com outra, feita em outro parágrafo, sobre a representatividade da amostra formada pelos que opinaram sobre o artigo. Examinando cada comentário feito se conclui que, em especial os negativos, parecem partir de uma mesma fonte, tanto que vários deles repetem textualmente algumas frases. A impressão que tive é que meu artigo tenha caído num circuito de “chat” de algum tipo onde mais que a leitura e a reflexão, o importante é não deixar de se manifestar e, mais ainda, somar atrás do líder. As diferenças entre esses comentários foram muitas vezes restringidas apenas ao calibre do insulto final, no que se manteve certa originalidade.

Confirmando essa suposição está o fato de que muitos dos comentaristas se conhecem entre eles e que, para meu alívio, até começaram a discrepar entre eles mesmos inclusive sobre temas que nem consegui compreender. O caráter altamente dogmático da maior parte dos comentários negativos também aponta nessa direção. Em conclusão, tudo parece indicar que os comentários recebidos representam a opinião de um grupo coeso de ativistas hipersensíveis convocado para a ocasião e não a de outras dúzias de milhares de leitores de O Eco. Os cidadãos em geral, como ficou demonstrado pelos resultados de diversas pesquisas de opinião, se interessam muito pelos verdadeiros problemas ambientais nacionais, mas, aparentemente não consideram valer a pena participar numa discussão como a referente aos direitos animais. Quiçá isso mesmo seja um erro, pois, no final, quem cala consente.

Embora esses ativistas possam não ser tantos como parecem, seu comportamento disciplinado tem impacto. Por exemplo, a cada vez que uma autoridade pública federal ou estadual pretendeu permitir a caça, baseada em estudos e em planos de manejo bem feitos foi exatamente esse tipo de reações as que pesaram para que se renunciasse ao intento. Permitir o manejo da fauna silvestre, por razoável e desejável que possa ser, não compensa a suposta perda de votos que essa reação pública parece implicar. As autoridades preferem não correr esse risco. É em grande medida por isso que o país não maneja seus recursos de fauna silvestre, que ficam à mercê de caçadores “tradicionais” e, em especial, de traficantes, quando não são exterminados pela destruição de seus habitats vitais ou pela aplicação de defensivos agrícolas.

Nos dias de janeiro de 2007, quando o meu artigo esteve no ar, foi publicada no The New Yorker, uma crítica ao livro “Vegetable Love: The history of vegetarianism” do autor Steven Shapin. O anônimo crítico do livro fazia notar que os vegetarianos têm, desde há muito tempo, os melhores argumentos éticos e que seu número está crescendo muito nos países desenvolvidos. Mas, considerando que ao mesmo tempo a população humana nos países desenvolvidos (e nos subdesenvolvidos também) consome a cada dia mais carne, o autor da nota comenta que “os argumentos intelectuais parecem pesar pouco na hora de comer”. Ele aponta finalmente, que “a história dos vegetarianos (e dos anti-vegetarianos) não agrega nada, nem vai à parte alguma, exceto no sentido de que vai a todas as partes onde existe gente disposta a pensar no que significa ser humano e ser bom”. Arremata dizendo que “essa discussão é uma história de moral humana, mas não por isso menos uma história de engenhosidade humana em argumentação moral”.

Esses comentários, em especial o penúltimo, se expandidos ao protecionismo animal, se aplicam bem ao resultado do meu intento e se, de um lado, é gostoso estimular debates, de outro, o fato de que não sirvam para nada, nem levem a parte alguma, no que me diz respeito me desestimula a persistir. Tem muitos outros temas, bem mais transcendentes, que podem ser debatidos construtivamente, ou seja, de forma racional ou um pouco mais civilizada.

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