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Se New Hampshire decidisse

Se os dois vitoriosos nas primárias de New Hampshire forem candidatos e um deles virar presidente, o que aconteceria com a política ambiental do EUA? Certamente seria muito melhor que a de Bush.

9 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

New Hampshire é ainda menor que Iowa, é o 41o estado em população, Iowa é o 30o. Mas os dois têm influência desproporcional nas primárias para escolha dos candidatos à presidência do EUA. Como são as duas primeiras consultas (Iowa é um “caucus”) recebem enorme cobertura da imprensa, especialmente das TVs. Mas não é só isso. Como são colégios eleitorais pequenos, os eleitores têm contato direto com os candidatos e daí vem o prestígio de suas escolhas: são “escolhas de base”. New Hampshire é um estado que tem uma parte mais liberal e outra mais conservadora. Além disso, 45% do eleitorado é independente, ora vota democrata, ora, republicano. Nas dez últimas primárias de NH, em seis delas o eleitorado acertou o democrata que foi finalmente indicado para concorrer pelo partido e em oito delas o candidato republicano. Uma dessas duas, em que New Hampshire não indicou o que seria escolhido pelo partido Republicano, foi a de 2000, quando McCain deu uma surra em Bush, que terminou levando a candidatura no final.

John McCain é o queridinho do estado. Nas primárias de 2000, ele ganhou de Bush em todos os distritos. Desta vez, sua votação não foi tão avassaladora, mas de qualquer forma ele apareceu como imbatível desde o começo. McCain é um republicano fora da curva, com posições muito mais liberais que as da média de seu partido em questões sociais e ambientais. Seu conservadorismo republicano aparece basicamente nas questões econômicas, de política externa e segurança nacional.

Hillary Clinton chegou em New Hampshire com torcida contra da maior parte da mídia. Desde o começo, foi tratada como perdedora. Até Barak Obama acabou caindo na armadilha do “já ganhou” e disse à CNN que ela teria, depois New Hampshire, que “pôr sua campanha de volta nos trilhos”. Hillary ganhou apertado, mas com uma diferença de três pontos, que derrubou os pesquisadores de opinião e deixou Obama com um travo de arrogância, sempre amargo na relação entre candidatos e eleitores.

A decisão não foi tanto baseada em grandes questões ou divisões acerca da economia, da guerra no Iraque, migração ou meio ambiente. Foi, primeiro, uma rejeição geral a Bush. Os que votaram em McCain e Clinton são majoritariamente aqueles que têm raiva de Bush e, secundariamente, os que estão insatisfeitos com ele. Entre os eleitores de Mitt Romney e Obama, predominam os que estão insatisfeitos ou não têm “hard feelings” a respeito dele. Em, segundo, uma decisão baseada em atributos pessoais. Nas pesquisas, McCain e Clinton bateram todos os outros nesses atributos, tipo quem seria o melhor comandante em chefe, quem tem a melhor experiência, quem governaria melhor. Os temas foram todos exaustivamente debatidos, face a face, com milhares de eleitores, mas, nas urnas, prevaleceram os sentimentos pessoais. Hillary, usualmente apresentada como não gostável (“likable”), fria demais, mostrou seu lado mais humano, e levou.

John McCain tem posições claras e respeitáveis sobre meio ambiente. Uma de suas principais justificativas sobre o aquecimento global é igualzinha à de Mike Huckabee, seu oponente no partido, mas ele prefere atribuí-la ao ex-primeiro ministro britânico, Tony Blair: “é como disse Tony Blair. Suponhamos que estejamos errados e não exista essa coisa de emissões de gases estufa e nós adotemos tecnologias verdes. Tudo que fizemos foi dar às nossas crianças um planeta melhor. Mas suponhamos que estejamos certos, e nada façamos? Então, que tipo de legado estaremos deixando para as gerações futuras? Acho que devemos abordar esse debate dessa forma”. Para ele, a questão não só é verdadeira, como crucial, tanto que investiu dinheiro de campanha para fazer um spot político (“polispot”) sobre aquecimento global, onde diz que acredita no consenso científico, inclusive na possibilidade de, em algum momento, atingirmos um “ponto de ruptura’, um “tipping point”, e que, além de uma questão crucial para a humanidade, é uma questão de segurança nacional para o EUA, por causa da dependência de petróleo importado de regiões com elevada instabilidade política. Veja o vídeo aqui.

Hillary Clinton não faz por menos. Para declarar sua posição sobre o tema, invoca o ex-vice-presidente de Bill Clinton, Al Gore. Mas ela tem sido criticada por concentrar todo o foco de suas propostas em relação ao aquecimento global na questão energética, deixando de confrontar os “do contra”, como têm feito, por exemplo, McCain e Barak Obama. Curiosamente, uma de suas mais claras afirmações sobre a realidade da mudança climática e a força do consenso cientifico, surgiu em um situação pública na qual ela e McCain estavam juntos. Numa viagem bi-partidária, de investigação sobre mudança climática, pelo Alasca e pelo território do Yukon, no Canadá, os dois senadores, John McCain e Hillary Clinton se viram diante de “permafrost” – gelo perene – derretendo e glaciais encolhendo e ouviram dos Inuits como o derretimento do gelo e a elevação do nível do mar já estão mudando suas vidas. McCain disse na entrevista coletiva à imprensa, em Anchorage, ao final da visita, que a “questão é quanto dano ainda causaremos antes de começar a adotar ações concretas”. Para ele, “ir a lugares como esses pelos quais acabamos de passar é atemorizador”. Hillary, na mesma mesa, disse que não achava que “reste qualquer dúvida razoável para qualquer um que realmente olhe para a ciência. Há ainda alguns que resistem, mas estão lutando uma batalha perdida. A ciência é avassaladora”.

A viagem parece ter marcado profundamente a senadora por New York, pois, num fórum sobre mudança climática reunindo candidatos à presidência, ela começa contando o que viu e ouviu, para sustentar suas posições sobre o aquecimento global. Veja o vídeo aqui. Em uma conferência no National Press Club, ela voltou a se referir a essas viagens. Veja o vídeo aqui. O resultado dessa convicção aparece mais diretamente em um plano para mudar a matriz energética do país, que foi muito bem recebido, embora enfrente críticas por deixar de se comprometer em questões como quanto da economia será alcançado pelo plano – o novo plano europeu atinge 50% da economia – ou fixar metas para o sistema de cota e crédito. Ela também apresentou um projeto de lei sobre “emissões-zero na construção civil”.

Há um ponto de firme convergência entre os candidatos: dos que continuam competitivos após as duas primárias e pelo que indicam as pesquisas de intenção de voto, somente os republicanos Mitt Romney e Rudolf Giuliani, não apóiam um sistema que fixe cotas e defina regras para um mercado de créditos de carbono. Todos os democratas têm uma proposta desse tipo em sua plataformas, assim como McCain e Huckabee, entre os republicanos. É pouco provável que um esquema de cota e crédito não seja adotado até 2010.

No seu plano de energia limpa, Hillary Clinton diz que o combate ao aquecimento global será a nova corrida espacial do EUA. Ela acredita que o Estados Unidos sempre soube confrontar os problemas de cada era, como no New Deal, na Guerra Fria e na corrida espacial. Hoje o aquecimento global e a dependência ao petróleo estrangeiro são os dois maiores desafios e seu plano define três metas principais, para começar a enfrentá-los: “reduzir as emissões de gases estufa a 80% do que eram em 1990, até 2050; cortar as importações de petróleo em 2/3 dos níveis projetados para 2030; e transformar a economia baseada em carbono, em uma “economia verde”, criando 5 milhões de empregos na indústria de energia limpa ao longo da próxima década.

Não é muito diferente do que McCain propõe. Ele é o co-autor do “Liberman-McCain Act”, que deixou de passar no Senado, numa votação que chamou muita atenção – Hillary e Obama votaram a favor. O projeto determinava, entre outras coisas, medidas que permitissem reduzir as emissões de gases estufa a 60% do que seriam em 2030, de acordo com as projeções mais confiáveis. Ele criava, também, um sistema de cota e crédito. O projeto foi derrotado, mas ultrapassou a marca mágica dos 40 votos. No Senado do EUA, projetos que não conseguem pelo menos 40 votos, não têm chance alguma. Já os que ultrapassam essa marca, embora não alcancem a maioria, tendem a ser aprovados, quando reapresentados. É muito provável que, quando ele seja reapresentado, um dos que votaram a favor dele esteja instalado na Casa Branca. Além disso, McCain apresentou ao Senado, também junto com o senador Liberman, uma nova versão de um projeto que eles vêm tentando aprovar desde 2003, sobre “Manejo do Clima e Inovação”, instituindo um sistema de cota e crédito que impõe limites às emissões de seis gases de efeito estufa e permite que empresas de quatro setores – indústria, eletricidade, comércio e transportes – comprem créditos para complementar seus esforços de redução de emissões, por um certo período e dentro de certas regras.

McCain tem um currículo ambiental impecável para um republicano. Votou contra seu partido em praticamente todas as questões ambientais relevantes, ficando, muitas vezes, do lado derrotado. Como na votação da proposta de George W. Bush para abrir a área de conservação da vida silvestre do Alasca à exploração petrolífera. Ele não vê conflito entre os interesses econômicos e ambientais do EUA, ao contrário, acha que eles estão entrelaçados e que, se não se alterar o padrão de carbono da economia, ela sofrerá as conseqüências mais rapidamente que o próprio meio ambiente. Numa crítica direta a Bush, ele diz que “nós não corremos dos problemas, nós os enfrentamos”.

Há, obviamente, muitas diferenças entre ele e Hillary Clinton. Uma, importante, é que McCain afirma que não teria assinado o Protocolo de Kyoto, enquanto Hillary diz que o assinará, assim que tomar posse. Mas McCain mudou um pouco sua posição e declarou, em New Hampshire, que embora seja contra o Protocolo, se a China e a Índia forem incluídos entre os países que terão metas compulsórias, “então, com base em nossos próprios critérios, poderíamos entrar também, porque esta é, realmente, uma tarefa global”. Uma diferença curiosa entre os dois apareceu nas entrevistas que o site Grist e a revista Outside fizeram com os candidatos, na qual perguntam a eles qual é o seu herói ambiental. McCain apontou Mo Udall, um jogador profissional de basquete que foi deputado democrata pelo Arizona por 30 anos, de 1961 a 1991. Entrou na Câmara para preencher uma vaga criada pela renúncia de seu irmão, terminou ficando e chegou a disputar as primárias para se candidatar a presidente, mas desistiu após perder em New Hampshire. Foi uma das principais lideranças ambientalistas do Congresso do EUA. Udall era um frasista impagável e, por isso, intitulou sua autobiografia de “Engraçado Demais para ser Presidente” (“Too Funny to be President”). Uma de suas mais famosas frases ambientalistas é: “quanto mais exploramos a natureza, mais nossas opções se reduzem, até que teremos uma só: lutar pela sobrevivência”. Na época, parecia engraçado. O herói ambiental de Hillary dispensa apresentações: Al Gore, ainda mais agora, depois do prêmio Nobel.

Não está com jeito de que Iowa ou New Hampshire definirão quem concorrerá para presidente. O lado republicano ainda está muito enrolado e não é improvável que Mitt Romney vença algumas da primárias à frente. Do lado democrata, tudo indica que Edwards tem pouco fôlego, mas é bom não esquecer que ele é o único homem branco e com jeito de mauricinho que pode ser competitivo. Hillary terá que vencer o bloqueio machista e Obama a barreira racista. Estou curioso para ver se alguma pesquisa tentará ver se a exposição na TV do EUA de sua avó, uma queniana tribal, falando uma língua para lá de estrangeira para a educação média dos americanos, teve algum efeito em sua derrota em New Hampshire.

Mas, se um dos quatro que saíram dessas duas consultas eleitorais acabar presidente, a política ambiental do EUA muda radicalmente. E o país fica muito melhor, em tudo, do que nos últimos oito anos.

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