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Prisioneiros da grade de ferro*

Animais enjaulados expostos em zoológicos são coadjuvantes de uma instituição falida. Não servem para educar ninguém e tampouco para o avanço da ciência.

22 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

O promotor Eron Santana, da área de meio ambiente na Bahia, entrou ontem com pedido de habeas-corpus em favor de um chimpanzé. Ele argumenta que os chimpanzés são parentes próximos do homem, com 99,6% de genes humanos: “A ciência já provou que os chimpanzés têm capacidade de raciocínio tal qual o homem, portanto, trata-se de uma pessoa que não pode permanecer enjaulada”. Santana foi o promotor que ingressou com ação contra o publicitário Duda Mendonça, acusando-o de incentivar rinhas de galo. Ele quer ver Suíça, chimpanzé fêmea que há dez anos vive no zoológico de Salvador, livre em seu habitat, em Sorocaba (SP).

A notícia acima, publicada no jornal O Globo (20.09.05) contém um absurdo. Não, não é o pedido de liberdade para o chimpanzé Suíça, como a maioria dos leitores, naturalmente, poderia imaginar. É querer soltá-la em Sorocaba. Chimpanzés, afinal de contas, nascem na África. Portanto, é difícil acreditar que levando o bicho para São Paulo ele, no caso ela, se sentirá em casa. No mais, a notícia contém uma incongruência. Por que soltar apenas o animal que se parece mais conosco? Por que não soltar todos eles e acabar com esse disparate em que se transformaram os zoológicos nos dias atuais?

Os zôos justificam sua existência apresentando-se como espaços destinados ao divertimento – meio sádico, diga-se – e educação dos seus visitantes. O populacho, pelo menos em teoria, aprende algo sobre os animais. Os zôos também se intitulam instituições de pesquisa, lugares onde sábios, sem saírem de suas cidades de origem, podem estudar bichos vindos de todos os cantos do mundo. Tudo bobagem.

De educativos, os zoológicos não têm nada. Ensinam mesmo é que é legal manter criaturas presas. Cabeças mais desavisadas podem até sugerir que não há problema com o sumiço da fauna na natureza, já que sempre poderemos guardar uma “amostragem” dela em jaulas. Como local de estudo, seu valor é para lá de duvidoso e não justifica o regime penitenciário aos quais o animal, ou objeto de estudo, é submetido.

Os bichos mudam de comportamento, às vezes drasticamente, quando estão enclausurados. Para se habituar e sobreviver no habitat imposto, eles literalmente comem o pão que o diabo amassou, independente de serem ou não geneticamente “próximos” do homem. Na natureza, os grandes felinos são animais soberanos. Tigres siberianos, por exemplo, ocupam o topo da pirâmide alimentar e dominam vastos territórios, onde caçam, acasalam e procriam.

Em seu habitat natural, esses animais são acostumados a viver sozinhos. Só se unem à fêmea na época do acasalamento. Não se sujeitam a ninguém, não reconhecem um líder, vivem completamente livres andando em vasto território. Em cativeiro, essa situação muda por completo. O tigre tem que virar coisa diferente do que é, renegando seus instintos mais básicos. Difícil saber o que alguém pode aprender profundamente estudando um bicho nessas condições.

Há quem diga que zôos são um mal necessário porque suas bilheterias financiam pesquisas de animais na natureza. Não deixa de ser verdade. Nosso mico-leão dourado sobreviveu na reserva de Poço das Antas, no Estado do Rio, graças em parte à dinheiro arrecadado junto aos visitantes do National Zoo, de Washington, D. C.. Mas quantos zoológicos do mundo estão com essa bola toda?

Um deles, no Alaska, há anos submete uma elefanta à humilhação de viver em clima e condições muito diferentes daqueles para o qual foi geneticamente preparada pela simples necessidade não de financiar pesquisas, mas de garantir sua própria sobrevivência. A bicha é sua maior atração. Perdê-la seria um passo rumo ao buraco financeiro. Resultado, a elefanta fica confinada numa cela de concreto armado para fugir do gelo do lado de fora.

O problema é que ela começa a sofrer com a falta de exercício, além de ficar condenada a uma solidão sem fim. Muita gente, cientistas inclusive, já disse que o melhor para ela é ser retirada de lá. Vários zôos americanos, em zonas mais temperadas, se dispuseram a recebê-la. Mas se ela se fosse, provavelmente o zôo do Alaska quebraria. Para evitar isso, sua direção decidiu investir 100 mil dólares na construção de uma esteira rolante de quase 7 metros de comprimento para que a elefanta possa fazer suas caminhadas. Não sabe se sua vida vai realmente melhorar. Mas, por enquanto, mantém a bilheteria.

A razão para visitar um zôo sempre teve mais a ver com espetáculo do que aprendizado. As famílias que consideram olhar para bicho enjaulado um fantástico programa de domingo estão apenas seguindo o bom e velho fluxo da História. Os zôos nasceram graças ao entusiasmo dos aristocratas europeus, a partir do século XVI, pelo exótico e o inusitado. Possuir animais selvagens lhes garantia o poder de fascinar. Hoje, ao invés de mantê-los em espaço público, muita gente leva algumas espécies para dentro de casa. Mas isso é assunto para outra coluna. Aqui, a intenção é fazer com que o leitor tenha vontade de invadir zoológicos e ver o circo pegar fogo.

* Esse título foi retirado de um documentário feito com a ajuda dos presidiários do Carandiru um dia antes da desativação da cadeia. Eles aprenderam a utilizar câmeras de vídeo e documentaram o cotidiano do maior presídio da América Latina.

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