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Meio ambiente e direitos humanos

A correlação entre os direitos humanos e a proteção ambiental é explícita. Isso traz implicações legais profundas para o julgamento de crimes ambientais.

17 de fevereiro de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Os recentes episódios de violência ocorridos no Estado do Pará que resultaram na morte da irmã Stang demonstram que, no Brasil, é muito explicita a correlação entre Direitos Humanos e proteção ambiental. Em outras palavras: entre violação de direitos humanos e violação às leis de proteção ambiental. Desde o assassinato de Chico Mendes, não há mais qualquer dúvida que, em especial na Amazônia, mas não apenas lá, o desrespeito ás normas de proteção ambiental – não raramente – se faz acompanhado de violência e arbitrariedade, especialmente contra os setores mais humildes de nossa população. A Emenda Constitucional nº 45, aprovada em fins do ano passado, pode ser um importante instrumento para que o grave problema seja enfrentado de forma firme e adequada.

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004 trouxe embutida em seus diversos artigos uma concepção que, sem favor nenhum, está alinhada àquelas adotadas pelas nações mais conscientes quanto á defesa dos Direitos Humanos. Refiro-me, por exemplo, à inclusão do § 3º do artigo 5º, cujo teor é o seguinte:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Chamo a atenção para o fato de que a doutrina, por ampla maioria, tem considerado que o artigo 225 (1) da nossa Constituição é, em um dos seus múltiplos aspectos, uma extensão do artigo 5º, logo diz respeito a direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Por outro lado, a norma constitucional não fornece, nem poderia fazê-lo, uma definição do que deve ser entendido como “tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos”. Uma interpretação restritiva seria aquela que considerasse como direitos humanos, apenas e tão somente as normas que se destinassem a dispor sobre as matérias contidas na Declaração Universal de Direitos Humanos. Não parece ser esta a melhor orientação. De fato, ao analisarmos as principais convenções internacionais sobre temas ambientais, sem duvida alguma, poderemos constatar que elas se utilizam de conceitos tais como interesse comum da huimanidade, preocupação comum da humanidade e outros correlatos. A título de exemplo veja-se o preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica da qual o Brasil é signatário (2), bem como o da Convenção de Basiléia sobre controle de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos (3).

Muitos outros exemplos podem ser encontrados em tratados e convenções sobre o tema proteção ambiental. Ante a evidente novidade do tema, não se pode oferecer uma resposta conclusiva sobre a elevação ao nível constitucional de tratados e convenções ambientais. Certamente, tal questão será suscitada perante o Supremo Tribunal Federal. O tema, entretanto, é relevante e merece ser examinado com cuidado. Pessoalmente, entendo que a melhor solução é aquela que incorpora os tratados e convenções ambientais à própria Constituição.

As conseqüências práticas da adoção do posicionamento acima referido são imensas. Uma primeira conseqüência é que, mediante provocação do Procurador Geral da República (4), a federalização de todas as questões ambientais graves, visto que a nova redação do artigo 109 da Lei Fundamental da República, ampliou a competência da Justiça Federal para acrescentar às suas tradicionais competências aquela de julgar causas referentes a direitos humanos (5). Uma outra questão que, seguramente, poderá ser suscitada é aquela que diz respeito à delonga dos processos ambientais, pois de acordo com a nova redação do artigo 5º de nossa Constituição (6), todos temos direito à uma duração razoável dos processo.

Não se deve esquecer, igualmente, que no campo internacional, a política externa brasileira, em função do disposto no artigo 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (7), o Brasil se obrigou a se empenhar pela criação de um Tribunal internacional para o julgamento de crimes contra os Direitos Humanos. Tal Tribunal, felizmente, já se encontra criado. É o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia. A questão que se coloca é a seguinte: Estamos obrigados a postular internacionalmente a criação de uma Corte Ambiental ou pela ampliação da competência do TPI? Todos os argumentos acima demonstram que houve uma profunda melhoria no quadro constitucional de proteção aos Direitos Humanos e, conforme se entenda a expressão, tal melhoria se estende à proteção do meio ambiente e daqueles que, corajosamente, têm se batido em defesa de uma vida mais digna, como é o caso da falecida irmã Dorothy Stang que, muito embora nascida nos Estados Unidos, se revelou muito mais brasileira do que os seus estúpidos algozes.

1. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações

2. As Partes Contratantes, Conscientes do valor intrínseco da diversidade biológica e dos valores ecológico, genético, social, econômico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético da diversidade biológica e de seus componentes: Conscientes, também, da importância da diversidade biológica para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários à vida da biosfera, Afirmando que a conservação da diversidade biológica é uma preocupação comum à humanidade, Reconhecendo a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que é desejável repartir eqüitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à utilização sustentável de seus componentes, Reconhecendo, igualmente, o papel fundamental da mulher na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica e afirmando a necessidade da plena participação da mulher em todos os níveis de formulação e execução de políticas para a conservação da diversidade biológica, Reconhecendo que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas dos países em desenvolvimento, Conscientes de que a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica é de importância absoluta para atender as necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza da crescente população mundial, para o que são essenciais o acesso e a repartição de recursos genéticos e tecnologia, Observando, enfim, que a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica fortalecerão as relações de amizade entre os Estados e contribuirão para a paz da humanidadev

3. As Partes da presente Convenção, Conscientes do risco que os resíduos perigosos e outros resíduos e seus movimentos transfronteiriços representam para a saúde humana e o meio ambiente, Atentas à crescente ameaça à saúde humana e ao meio ambiente que a maior geração, complexidade e movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos representam, …

4. Art. 109, § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

5. Art. 109, V, a As causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; )

6. Art. 5º -LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

7. Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.

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