Colunas

Aspiro, mais do que espero

Criar novas unidades de conservação na Amazônia é uma ótima iniciativa do governo federal, desde que saiam do papel. Casos anteriores não andaram para frente.

24 de fevereiro de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Lamentavelmente, mais uma vez se confirmou a profunda correlação entre direitos humanos e proteção ambiental no Brasil. Refiro-me a morte do Sr Dionísio Ribeiro Filho, conhecido pela sua luta pela criação e defesa da Reserva Biológica do Tinguá, no Estado do Rio de Janeiro. Ainda há muito a ser esclarecido no caso, embora existam fundadas suspeitas que o crime tem ligações com a atividade pública da vítima. Infelizmente, este é apenas mais um caso e, certamente, não será o último. Uma triste coincidência em relação ao assassinato da irmã Dorothy Stang é que ambas as vítimas estavam, basicamente, postulando a proteção de áreas públicas federais que, como se sabe, se encontram inteiramente desassistidas pelo seu proprietário, no caso a União Federal.

No caso do Pará, o governo federal enviou tropas militares e chegou a criar uma espécie de gabinete para gerir a crise instalada no sul do Pará. Por intermédio de medidas jurídicas foram criadas unidades de conservação. Segundo o Ministério do Meio Ambiente: ”Com decretos da Presidência da República, foram criadas a Estação Ecológica da Terra do Meio, com 3.373.111 hectares, e o Parque Nacional da Serra do Pardo, no Pará, com 445.392 hectares, a Reserva Extrativista do Riozinho da Liberdade, no Acre e no Amazonas, com 325.602 hectares, e as florestas nacionais de Balata-Tufari, no Amazonas, com 802.023 hectares, e de Anauá, em Roraima, com 259.550 hectares. “(1) Na tradição administrativa brasileira sempre que uma situação se tornava insuportável era criada uma “comissão” com a função de estabelecer uma rigorosa investigação e propor medidas para solucionar o problema. Hoje os tempos são outros e as comissões não gozam mais do prestígio que gozavam outrora. O próprio vocábulo passou a ter uma conotação dúbia, não rara vez com inspiração pecuniária. A modernidade sugere outras medidas mais adequadas: a Unidade de Conservação (UC). Assim como as antigas comissões, as unidades de conservação vão caindo no oblívio mais cruel e terminam relegadas à simples condição de uma linha na estatística a ser enviada ao secretariado da Convenção da Diversidade Biológica ou ao PPG7.

Como é do conhecimento de todos, as unidades de conservação para terem plena existência precisam preencher determinados requisitos, dentre os quais se destaca o plano de manejo (2), que deverá ser elaborado no prazo máximo de cinco anos após a constituição da UC. O mesmo prazo foi assinado ao governo para que promovesse um levantamento de terras devolutas a serem destinadas à conservação da natureza (3).

É importante que examinemos a concretização das UC´s brasileiras, ou seja, a existência de planos de manejo. Irei me socorrer de dados oficiais, de forma que não paire qualquer suspeita de parti pris de minha parte. O endereço na internet do Ibama (4) nos traz relevantes informações sobre o tema. Na lista das Estações Ecológicas Federais, constituída por 29 EE, criadas desde 1981, verifica-se que apenas a estação Ecológica Amavilhas, situada no Amazonas, possui plano de manejo. Dos 53 Parques Nacionais, criados desde 1937, apenas 6 possuem planos de manejo. Das 26 Reservas Biológicas, criadas desde 1979, apenas 6 possuem planos de manejo. Das 29 Áreas de Proteção Ambiental, criadas desde 1983, nenhuma possui plano de manejo. E por aí vai. Diante dos números oficiais, será necessária uma enorme mudança de política para que não tenhamos a repetição de um padrão histórico: a criação de unidades de conservação meramente de papel. De fato, seria a prova da maturidade ambiental que falam nossas altas autoridades públicas.

Se formos examinar a situação do primeiro Parque Nacional criado no Brasil, o Parque Nacional de Itatiaia (PNI), criado em 1937, veremos que, segundo dados oficiais, apenas 33% de sua área está regularizada, segundo informação oficial do Ibama (5). Ora, Parques Nacionais são constituídos em áreas públicas que devem ser de conhecimento da administração. Quase 70 anos após a criação do Parque não houve uma solução para o PNI. O Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PNSO), criado em 1939, só possui 28% de sua área total regularizada, segundo dados oficiais (6).

A administração pública é árdua e se faz com orçamentos e execução orçamentária. E mais: a continuidade administrativa é fundamental. Tivessem as diferentes administrações brasileiras criado menos UC´s e dado atenção às existentes, certamente estaríamos em uma situação muito mais adequada. Manter sonhos, coerência e utopia é alguma coisa que poucos conseguem e, mesmo assim, às custas de enormes sacrifícios pessoais. O melhor exemplo é o do Santo Thomas More – o homem que não vendeu sua alma. Ao fim de seu consagrado livro, desejoso, mas não esperançoso, ele afirmou: “When Raphael had thus made an end of speaking, though many things occurred to me, both concerning the manners and laws of that people, that seemed very absurd, as well in their way of making war, as in their notions of religion and divine matters; together with several other particulars, but chiefly what seemed the foundation of all the rest, their living in common, without the use of money, by which all nobility, magnificence, splendor, and majesty, which, according to the common opinion, are the true ornaments of a nation, would be quite taken away;–yet since I perceived that Raphael was weary, and was not sure whether he could easily bear contradiction, remembering that he had taken notice of some who seemed to think they were bound in honor to support the credit of their own wisdom, by finding out something to censure in all other men’s inventions, besides their own; I only commended their constitution, and the account he had given of it in general; and so taking him by the hand, carried him to supper, and told him I would find out some other time for examining this subject more particularly, and for discoursing more copiously upon it; and indeed I shall be glad to embrace an opportunity of doing it. In the meanwhile, though it must be confessed that he is both a very learned man, and a person who has obtained a great knowledge of the world, I cannot perfectly agree to everything he has related; however, there are many things in the Commonwealth of Utopia that I rather wish, than hope, to see followed in our governments (7).”

1. http://www.mma.gov.br/ascom/ultimas/index.cfm?id=1565, capturado aos 24 de fevereiro de 2005.

2. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 :”Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo. § 1o O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. § 2o Na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, das Áreas de Proteção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das Áreas de Relevante Interesse Ecológico, será assegurada a ampla participação da população residente. § 3o O Plano de Manejo de uma unidade de conservação deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de sua criação.”

3. Art. 43. O Poder Público fará o levantamento nacional das terras devolutas, com o objetivo de definir áreas destinadas à conservação da natureza, no prazo de cinco anos após a publicação desta Lei.

4. http://www2.ibama.gov.br/unidades

5. Possui 33% de sua área total regularizada. http://www2.ibama.gov.br/unidades/parques/reuc/88.htm, capturado aos 24 de fevereiro de 2005.

6. http://www2.ibama.gov.br/unidades/parques/reuc/5.htm, capturado aos 24 de fevereiro de 2005.

7. http://oregonstate.edu/instruct/phl302/texts/more/utopia-religion.html

Leia também

Reportagens
23 de abril de 2024

COP3 de Escazú: Tratado socioambiental da América Latina é obra em construção

No aniversário de três anos do Acordo de Escazú, especialistas analisam status de sua implementação e desafios para proteger ativistas do meio ambiente

Salada Verde
23 de abril de 2024

Querem barrar as águas do ameaçado pato-mergulhão

Hidrelétricas são planejadas para principais rios onde vive o animal sob alto risco de extinção, na Chapada dos Veadeiros

Salada Verde
22 de abril de 2024

Livro destaca iniciativas socioambientais na Mata Atlântica de São Paulo

A publicação traz resultados do Projeto Conexão Mata Atlântica em São Paulo, voltados para compatibilização de práticas agropecuárias com a conservação da natureza

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.