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Turismo nos parques

O Brasil, como país de maior megadiversidade, tem em seu sistema de áreas protegidas grande chance de incrementar o turismo sustentável

5 de novembro de 2010 · 14 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Parque Nacional do Iguaçu: modelo a ser seguido. Foto: Nilmara Silva/Wikiparques.

Dos 67 Parques Nacionais que o país possui no nível federal e dos 190 no nível estadual, apenas 20 estão abertos à visitação pública nos federais e o fato se repete no nível estadual. Há que se deixar claro que a função precípua dos mesmos é o da proteção de uma amostra do ambiente natural, mas, também, há que se insistir em que a melhor forma de se envolver mais pessoas no apreço às áreas protegidas é a possibilidade de visitá-las. Ou seja, conhecer no campo a sua importância para a região, para o país e para toda a humanidade. O Plano de Manejo zoneia a unidade de conservação e diz aonde a visitação pública será permitida. No entanto, não há que se esperar planos de manejo sofisticados que chegam a custar até milhões de reais. Para se manejar uma área até pode ser suficiente o bom senso. Com ou sem planos de manejo as autoridades têm de manejar as UCs. Endeusar planos de manejo virou moda, como se eles próprios de per si pudessem, com uma vara de condão, resolver os problemas do dia a dia de um diretor ou gerente de uma unidade de conservação. Nunca me esqueço de uma recomendação clara de Kenton Miller, o papa do planejamento de Parques Nacionais, que dizia em suas aulas: “um plano de manejo pode ser feito em um mês. Com mais pesquisas e mais tempo e dinheiro vai-se apurando seu planejamento que é sempre dinâmico”. O plano de manejo não salva uma unidade de conservação. Medidas corretas de gestão podem salvar.

Evidentemente o ideal seria, ainda, que essas áreas fossem abertas à visitação pública, após ter seu plano de manejo concluído e implementado. Isso quer dizer: i) regularização fundiária completa, ii) infraestrutura para os visitantes, iii) acesso e trilhas interpretativas, iv) monitoramento e fiscalização adequados, v) pessoal suficiente e, vi) material de consumo, veículos e combustível, entre outros. Como a realidade do estado de implementação dos Parques Nacionais e Estaduais está muito longe do ideal, há que se improvisar e inovar para que a população possa se interessar e para que seja bem vinda nas áreas protegidas.

“Mostrar os atributos dos Parques é o primeiro objetivo para se receber visitantes. Se as áreas foram declaradas Parques é porque têm algo de muito belo e excepcional.”

Um dos mais fortes argumentos das autoridades responsáveis pelos Parques para fechá-los à visitação pública é que mais de 50% dos mesmos não estão regularizados, ou seja, as terras ainda não pertencem ao Poder Público e assim não há como se construir infraestrutura turística e nem tampouco cobrar ingressos, ou outros serviços turísticos em terras de particulares. Este é, sem dúvida, o argumento mais forte das autoridades para manter fechados os Parques Nacionais e Estaduais, pois se o domínio não é público, o poder executivo não pode aplicar recursos públicos em terras de particulares para a infraestrutura necessária ao turismo. A solução seria fácil se o Brasil tivesse uma política agressiva de regularização fundiária, usando os recursos advindos das compensações ambientais ou outros. Como os recursos financeiros alocados para a regularização fundiária são ridiculamente reduzidos, em alguns casos uma alternativa viável é que as autoridades pelo menos priorizem a aquisição de áreas particulares nas zonas abertas à visitação pública pelo plano de manejo. Como estas zonas são em geral uma pequena parcela do total da área protegida em muitos casos é melhor começar por estas áreas. Em alguns locais este procedimento já foi utilizado, como no Parque Nacional de Aparados da Serra no Rio Grande do Sul, no Parque Nacional do Grande Sertão Veredas em MG e até mesmo no Parque Nacional da Serra da Bodoquena. O que não é admissível é que Parques que tenham sua regularização fundiária já executada, ou parte dela, fiquem à espera de planos sofisticados para permitirem a visitação pública.

No que concerne às infraestruturas previstas nos planos de manejo elas são em geral muito completas e complexas, quase ideais, a começar pelo Centro de Visitantes, prédio para a administração, campings, cercas, aceiros, acessos, pontes, trilhas, banheiros, mirantes e assim por diante. Realmente a implementação plena exige muitos investimentos. No entanto, não é necessário que se faça tudo de uma vez, ou que tudo seja caro. Áreas abertas à visitação pública no Brasil e no mundo, muitas vezes o são com uma infraestrutura bem sóbria e modesta. Um grande exemplo, a meu ver, onde tudo funciona muito bem, com excelente interpretação e banheiros, lojas e lanchonetes adequados é no monumento cultural de Caral no Peru, descoberto há pouco mais de uma década foi aberto à visitação pública há mais de 4 anos. Neste, as infraestruturas são simples e de baixo custo, mas cômodas e até elegantes, com intenso aproveitamento de bambu. Outro exemplo é o do Parque Nacional da Serra do Cipó, em Minas Gerais, ou a RPPN do Salto Morato no Paraná, que demonstram que não há necessidade de se investir milhões para começar a receber turistas. Mais adiante, com mais visitação, pode-se aprimorar a infraestrutura.

Parque Nacional do Iguaçu. Foto: Marcos Sá Corrêa.

Outra opção é terceirizar ou abrir concessões para serviços básicos para turistas, a exemplo do que vem acontecendo no Parque Nacional do Iguaçu e em muitos outros, onde empresas vencem licitações para a exploração de determinados atrativos e com a concessão por muitos anos até aplicam em grandes estruturas previstas no Plano de Manejo, como hotéis e restaurantes ou lodges. O pior mesmo é se começar fazendo infraestruturas faraônicas, como no caso do Parque Estadual da Serra de Caldas Novas em Goiás e, do mesmo modo, não abri-lo à visitação pública, por, dizem, “falta de pessoal”. Construções faraônicas, sem nenhum uso, também aconteceram até na Amazônia, sem nenhum visitante.

O acesso de turistas até os Parques Nacionais não depende diretamente da administração dos mesmos. Em muitas áreas para se chegar a um Parque é caro e difícil. O endereço turístico já elitiza a visitação. Talvez o exemplo mais expressivo seja o do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Visitá-lo é para pessoas que tenham poder aquisitivo alto. É longe e caro. O turismo então é muito mais receptivo o que de todo não é mau, pois para estrangeiros acostumados a visitar sítios naturais o preço de passagens e hotéis não importa muito. E pessoas de alto poder aquisitivo tampouco se importam em gastar para ir a locais bem exclusivos. A solução é muitas vezes encontrada por agências de turismo, que viabilizam pacotes a serem pagos a perder de vista.

Mostrar os atributos dos Parques é o primeiro objetivo para se receber visitantes. Se as áreas foram declaradas Parques é porque têm algo de muito belo e excepcional. Em geral é o que o país tem de mais relevante e bonito. Mostrar os atributos na natureza, no campo, com certa interpretação ambiental, com certeza fará que pessoas sensíveis aos aspectos estéticos se apaixonem pelos Parques e passem a defendê-los dos destruidores de plantão. Não há que se sofisticar muito para abrir algumas trilhas para que se conheça um Parque Nacional. Nem pessoal para acompanhar os visitantes. Nem tampouco, em casos de Parques Nacionais bem implementados, como, por exemplo, o do Iguaçu, ou o de Brasília, não se mostrar quase nada da área protegida, com acessos que vão tão apenas aos seus atrativos mais populares, como as Cataratas do Iguaçu no primeiro caso e as piscinas de água mineral, no segundo caso. O visitante tem de usufruir o que vê.

“Muitos prefeitos percebem que o Parque traz até benefícios econômicos para seus municípios, além do ICMS Ecológico e pagam funcionários para ajudar no recebimento de visitantes”.

Muitos gostam de fazer tracking, ou escaladas, outros gostam de ver pássaros, outros de visitar grutas, ou de apreciar plantas, flores e paisagens. Alguns turistas são exigentes, outros nem tanto, quando se trata de ver algo que realmente lhes interesse. Um turista por pior que seja seu comportamento pode se transformar em um amigo e suas atitudes jamais serão tão danosas como as dos fazendeiros incendiários, ou caçadores, ou contrabandistas, ou dos desenvolvimentistas a qualquer preço. Potencialmente um turista pode vir a ser um ambientalista. Por mais sofisticados que sejam alguns planos de manejo eles não garantem o monitoramento adequado de turistas, se esse monitoramento não for acompanhado de pessoal capacitado e meios adequados. O monitoramento da visitação pública e de suas possíveis consequências indesejáveis pode ser feito através de convênios com universidades, com ONGs de notório saber, ou por órgãos afins. O plano sofisticado ou bem feito estabelece limites e capacidade de carga das zonas abertas ao turismo sustentável, mas só a prática deste uso é que mostrará eventuais mudanças nas previsões. Novamente, muitas vezes aqui, o bom senso de quem entende do assunto, ou seja, de técnicos especializados do próprio ICMBio, ou de outras entidades podem facilmente determinar a restrição de uso de alguma atividade. A fiscalização e o pessoal para manejar os visitantes em Parques podem ser resolvidos com muita facilidade com soluções criativas e inovadoras, como, por exemplo, a co gestão com ONGs de reconhecida capacidade no assunto. Três Parques Nacionais têm co gestão com ONGs: Grande Sertão Veredas com a Funatura; Serra da Capivara com a FUNDHAM e Jau com a Fundação Vitória Amazônica. Destes parques com instrumentos de co gestão, embora estejam muito bem manejados, só um tem visitação pública: o da Serra da Capivara, um dos mais bonitos e bem implementados Parques do país. No Parque Nacional da Serra do Cipó, também aberto à visitação pública, existem 8 funcionários cedidos pelas prefeituras da região. Muitos prefeitos percebem que o Parque traz até benefícios econômicos para seus municípios, além do ICMS Ecológico e pagam funcionários para ajudar no recebimento de visitantes. Há sempre que se ter em mente que se um Parque determina o desenvolvimento regional ou com ele colabora fortemente, como, por exemplo, o Parque Nacional do Iguaçu, as autoridades locais vão vê-lo com mais simpatia e até mesmo participar da sua fiscalização e implementação.

O pior a se fazer é deixar os Parques Nacionais fechados, pois ficam, assim, como “terras de ninguém”, sem demonstrar que podem contribuir com o desenvolvimento da região. Isso, obviamente, embora seja uma opinião muito generalizada é falsa. Na realidade, as áreas protegidas brindam inumeráveis serviços ambientais à região em que se fossem transformados em seu valor monetário, demonstrariam plenamente a sua rentabilidade econômica e seus benefícios sociais até sem visitantes. Voltando ao tema da visitação pública, embora esta tenha atingido números inéditos nos últimos anos (3.800.000 pessoas em 2009) isso representa uma ínfima percentagem do que seria o potencial do sistema nacional de áreas protegidas. Só para contrapor, nos EUA a visitação anual atinge mais de 400 milhões de pessoas. As categorias disponíveis no sistema nacional, de acordo com a legislação em vigor facultam a visitação pública em algumas como: Parques Nacionais e Estaduais, Monumentos Naturais, Florestas Nacionais ou Estaduais e RPPNs e proíbe em Reservas Biológicas e Estações Ecológicas, o que muitas vezes dificulta ainda mais a simpatia dos atores locais em engolirem ou aceitarem as unidades de conservação decretadas. Muitas delas têm enorme potencial turístico, como, por exemplo, a Estação Ecológica de Anavilhanas no AM, ou a Reserva Biológica do Lago Piratuba no AP, ou a Estação Ecológica de Juréia Itatins em SP, que têm tudo para se transformarem em Parques, sem perderem nada de sua importância para a conservação da natureza. Um conselho que eu gostaria de dar é este: sempre que possível estabelecer-se o que seriam Estações Ecológicas ou Reservas Biológicas, como Parques, sejam eles Estaduais ou Nacionais, pois é muito mais digerível, sem prejudicar o objetivo precípuo, qual seja, o da proteção de uma amostra dos ecossistemas locais.

”Estabelecerem-se normas esdrúxulas como a exigência de acompanhamento por guias treinados, encarece desnecessariamente o acesso e a visitação às áreas protegidas. O visitante deveria ter o direito de escolher se quer guias ou não, como no caso de museus do mundo todo”.

Estabelecerem-se normas esdrúxulas como a exigência de acompanhamento por guias treinados, encarece desnecessariamente o acesso e a visitação às áreas protegidas. O visitante deveria ter o direito de escolher se quer guias ou não, como no caso de museus do mundo todo. O fato é que os parques da maior parte dos países do mundo, inclusive alguns com animais muito perigosos, podem ser visitados de dia e de noite sem guias, como é o caso nos EUA e no Canadá, onde os visitantes podem acampar onde isso é permitido, sem que existam facilidades especiais, nem locais específicos. Parques com ursos, cobras e outros bichos perigosos não são obstáculo nem pretexto para reduzir o desfrute da natureza pelos visitantes. Na África os visitantes podem ingressar com seus próprios automóveis na maior parte dos parques e ver leões, elefantes, búfalos e até os perigosos hipopótamos. Ainda assim não se discute que alguns passeios necessitem de acompanhamento. No geral os instrumentos de interpretação ambiental devem facilitar as visitas não guiadas.

Há excessos ridículos por parte das autoridades. Por exemplo, o fato de se exigir autorizações especiais para se fotografar algo, beira o incompreensível. Os parques são por definição um bem comum da nação e de todos os seus cidadãos. O que não pode ser permitido são sobrecargas de turistas barulhentos, ou com equipamento de som, ou bebidas alcoólicas, ou o estacionamento de carros em qualquer lugar, ou que se deixe lixo nas áreas de camping e outras, etc. Tudo isso deve estar contemplado no manejo das unidades e não se pode transgredir. É verdade que um turista, ao visitar uma unidade de conservação, deve sair dela contente do que viu e ter visto coisas inéditas para ele e ter aprendido algo sobre a importância das áreas protegidas para um país. Mas isso deve ser feito sem prejudicar o Parque nem aos outros usuários da área.

Muitas vezes o turismo de uma região de grandes potenciais marginaliza as áreas protegidas do Poder Público, ou outras, como, por exemplo, RPPNs, por medo da competição, ou por ignorância mesmo do que existe por perto. Roteiros que oferecem mais opções geralmente fazem com que os turistas permaneçam mais tempo no local. Um exemplo claro é que visitantes do Parque Nacional das Emas, que recebe um máximo de 1 mil visitantes por ano raramente vão à RPPN Serra da Araras, no estado de Goiás ou vice versa, o que é uma pena, pois estas áreas protegidas são muito interessantes e se complementam. O Parque das Emas não tem inscrições rupestres, ou não se vê por lá as araras vermelhas, ou os urubus reis. De outra parte indo só à RPPN não se vê veados, tamanduás bandeiras, lobos guará e outros animais conspícuos, com a facilidade como no Parque Nacional, ou ainda rios como o Formoso. O mesmo é verdade para quem visita Pirenópolis e vai ao Parque Estadual da Serra dos Pireneus, mas desconhece que no município tem o Monumento Natural Municipal da Cidade de Pedras, que talvez seja o mais interessante monumento geológico do país.

Muito pode e deve ser feito para incrementar o turismo sustentável no sistema nacional de áreas protegidas, um potencial muito ignorado e desperdiçado. O Brasil, como o país da maior megadiversidade do planeta tem, no seu sistema de áreas protegidas, a maior chance de incrementar o turismo sustentável, que é uma ferramenta do desenvolvimento regional e assim trazer mais amigos e defensores para as unidades de conservação.

 

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