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Corporativismo deforma formação dos profissionais em meio ambiente

Criar reservas de mercado através de editais desenhados para excluir quem não cabe exatamente num grupo fechado é o caminho da mediocridade.

17 de agosto de 2015 · 9 anos atrás
  • Reuber Brandão

    Professor de Manejo de Fauna e de Áreas Silvestres na Universidade de Brasília. Membro da Rede de Especialistas em Conservaçã...

Muro
A universidade deveria ser aberta ao mérito e à excelência, e não cultivar feudos corporativos. Foto: Resources & Stock Images.

Um dos muitos problemas da pátria educadora reside não no pouco investimento em educação. Reside também na mentalidade deformada de pessoas que deveriam ser educadores e pensar,em primeiro lugar, na qualidade da formação dos estudantes e no crescimento acadêmico das instituições.

Não resta dúvida de que o futuro da humanidade depende do manejo e uso adequado dos recursos naturais, da coragem para enfrentar desafios atuais e de capacidade futura para lidar com problemas vindouros e inevitáveis. Desta forma, não resta dúvida de que a qualidade de vida das futuras gerações depende da excelência dos recursos humanos que são entregues hoje à sociedade pelos centros de formação da capacidade técnico/científica, que são, em grande parte, as Universidades Públicas.

Universidade é a instituição idealizada para formar profissionais de alto nível. Infelizmente, essas instituições estão se tornando espaços políticos para aplicar a lógica irresponsável de reserva de mercado ou de loteamento ideológico. Tal desvio só é possível quando a lógica do corporativismo domina departamentos, faculdades e institutos. As universidades, que deveriam ser, por definição, os espaços onde o esforço, a qualidade profissional e o mérito acadêmico fossem valores inquestionáveis, estão caindo na armadilha ideológica do corporativismo retrógrado e pernicioso.

“O corporativismo nas universidades é inimigo do mérito, é inimigo do trabalho, é inimigo da formação com qualidade, é inimigo da criatividade, é inimigo das soluções inteligentes, (…) é inimigo da universidade.”

Não é raro encontrar editais de concursos públicos para preenchimento de vagas em universidades públicas (estaduais ou federais) onde o perfil profissional do candidato é restrito a apenas uma formação, tanto no nível de graduação e de pós-graduação, independentemente do quanto multidisciplinar seja o tema do concurso. Desta forma, excelentes profissionais são imediatamente excluídos dos concursos, independentemente da qualidade e da capacidade profissional e acadêmica que possuam.

Parece ficção, mas em um edital recente, uma universidade federal no nordeste do Brasil exigiram professor para ensinar manejo de fauna com graduação em Engenharia Florestal e doutorado em Ciências Florestais. Por conta dessa excrescência, ecólogos, veterinários, biólogos ou outras formações afins, mesmo com doutorado em Ciências Florestais, foram logo excluídos, bem como os engenheiros florestais que tivessem buscado aprimorar sua formação em pós-graduações em Ecologia, Zootecnia, Zoologia ou outras áreas afins. Parece até castigo para os Florestais que macularam sua graduação com uma pós-graduação profana. Seria apenas patético, se não fosse trágico…

Tais desvios estão se tornando cada vez mais frequentes, a despeito do maior número de profissionais, de diferentes formações, que buscam refinar sua formação em outras áreas, incluindo aí instituições internacionais onde a “territorialidade ideológica”, transvestida em nomenclaturas tipológicas, não faz o menor sentido. Quando tais desvios ocorrem, é muito fácil imaginar que outros parâmetros, nenhum deles louvável, determinaram a decisão colegiada na elaboração dos editais. A má fé ou um parco entendimento sobre a responsabilidade que é formar profissionais vem crescendo assustadoramente, com prejuízos imediatos e duradouros para a instituição e para os estudantes.

Profissionais de excelente qualidade (…) não entram nas universidades porque não têm graduação em A, nem fizeram doutorado em B ou, simplesmente, não pertencem ao mesmo clubinho ideológico encalacrado no micro poder dos departamentos.

O corporativismo nas universidades é inimigo do mérito, é inimigo do trabalho, é inimigo da formação com qualidade, é inimigo da criatividade, é inimigo das soluções inteligentes, é inimigo dos bons programas de pós-graduação, é inimigo do conhecimento, é inimigo da universidade. O corporativismo é feito da mesma matéria podre que gera as máfias, os cartéis, os abismos profissionais e sociais. Criticamos o nepotismo dos maus políticos, mas os corporativistas não possuem melhor caráter. E estamos falando de um emprego público, pago por impostos públicos, voltado à educação de alto nível…

Profissionais de excelente qualidade, com enorme capacidade para a formação de recursos humanos, com enorme capacidade de trabalho e excelente produção acadêmica, não entram nas universidades porque não têm graduação em A, nem fizeram doutorado em B ou, simplesmente, não pertencem ao mesmo clubinho ideológico encalacrado no micro poder dos departamentos. Muitas vezes, são contratados professores pouco preparados… Isso é extremamente grave. Quem forma os bons profissionais são os bons professores, nas suas mais diferentes necessidades, demandas específicas e áreas de atuação. Independente, em muitos casos, do diploma que possuam. Como formar os melhores profissionais se não contratamos os melhores professores? Como ensinar aos estudantes o valor e a importância do esforço e do trabalho, se o exemplo é ambíguo? Como produzir profissionais de alto nível, para atuarem no desafio da conservação da natureza e na viabilização do futuro, se é ensinado que o empenho profissional é menos relevante que investir em soluções obscuras?

O corporativismo, que nasce do casamento da ignorância com o preconceito, é irmão da incompetência, da má fé e da mediocridade. O corporativismo sabota a evolução, o crescimento, o mérito do esforço. Sabota o futuro.

Por outro lado, tal questão é de simples resolução. Basta a inclusão do termo “e áreas afins” junto ao perfil profissional exigido do candidato (graduação e pós-graduação), bem como a nomeação de uma banca avaliadora isenta (não vinculada ao departamento). Com isso, teremos muito mais inscritos nos concursos, com maior diversidade de formações e capacidades, junto com maior probabilidade de que os melhores profissionais sejam contratados. No entanto, para que isso aconteça, o Ministério Público deveria recomendar essa fórmula às Universidades e outras instituições públicas de ensino superior. As associações de estudantes de pós-graduação precisam apoiar essa ideia, por razões óbvias.

Isso não iria “desconfigurar” os departamentos, não afeta a autonomia universitária ou o poder discricionário dos colegiados. É um ato de defesa da Universidade pública e de qualidade, de defesa da capacidade técnica/científica do país, em defesa do futuro. É imprescindível defender as universidades das deformidades congênitas criadas e mantidas pela endogamia irresponsável.

 

 

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Comentários 5

  1. Rubens diz:

    O texto despe C A T E G O R I C A M E N T E o estado dos concursos para docente nas instituições públicas. São raras as provas "isentas" de interpretações, intensões, uma banca neutra, sem interesses pessoais e pro-ativa, contribuindo para a multidisciplinaridade acadêmica.
    O corporativismo acadêmico é um vírus que tomou conta do ensino superior (público e privado) e se espalha nos grupos de pesquisa e pesquisadores que pensam em inflar seu ego com a mais pura noção do – você sabe com quem está falando?
    Sou engenheiro florestal, doutor em ecologia e veterano de concursos, posso citar algumas dezenas de editais forjados e resultados "adulterados ", mas enquanto a política do medo do tipo – se entrar com recurso vou queimar meu filme – permanecer, essa situação e essas pessoas continuarão tornando o ensino superior, a pesquisa e a educação cada vez mais corporativa…


  2. Carlos G Tornquist diz:

    O artigo me fez lembrar a expressão "O rei está nu" da fábula.

    Pois é a verdade nua e crua — o corporativismo é com um cancer da Universidade Pública.

    Embora eu pense que a solução não seja tão simples quanto "adicionar áreas afins" junto ao perfil acadêmico/profissional em um edital:
    na interpretação de áreas afins, pode atuar muito corporativismo…

    The devil is in the detail"… diria um cínico.


  3. Nelson Brugger diz:

    Excelente artigo, que aponta uma realidade que data de muito mais tempo do que o atual governo: estamos na contra-mão da transdisciplinaridade. As áreas afins contudo não chegam a resolver o problema, por que a definição de afinidade da CAPES, foi elaborada para avaliar programas e não profissionais. O resultado final são as políticas públicas (e porque não dizer o país) sujeitas a fortes vieses (e interesses) político-profissionais.


  4. pedro cunha menezes diz:

    é triste..uma vez, em meados da década de 1990, me candidatei a um mestrado na UNB…fui reprovado em inglês (sou diplomata, educado em línga inglesa, na Austrália e aprovado com nota 98 em inglês no Instituto Rio Branco). Me negaram revisão de prova e me negaram vistas da prova…..


  5. Renato E Santo diz:

    Este tipo de exigência é, como não pode ser abertamente dito pelo site, para beneficiar os partidários do partido do governo, esta formação tão específica serve para beneficiar alguém tão especificamente, ligado a específico partido ou sindicato. Todo o serviço publico está aparelhado para servir ao projeto de poder deste partido. Os concursos para professores universitários são vergonhosos e, claro, quando tomam posse estes usam o discurso ideológico para cooptar os alunos. Ser brasileiro, hoje, é ser roubado e enganado e ainda pagar muito caro por isso.