Um estudo ainda inédito desenvolvido pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), do Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indica que a concentração de contaminantes emergentes atinge níveis preocupantes na água que abastece as principais capitais do Brasil e que milhões de pessoas podem ter a saúde afetada em um futuro próximo. Ao todo, foram feitos testes em 19 capitais e no Distrito Federal, centros urbanos onde vivem 45.151.826, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A situação é especialmente delicada em Porto Alegre, cidade que ficou em primeiro lugar no ranking estabelecido na pesquisa.
Contaminantes emergentes são substâncias que não são filtradas no tratamento de água tradicional. São compostos novos desenvolvidos pela indústria química que estão presentes em remédios, drogas lícitas e ilícitas, hormônios sintéticos e pílulas anticoncepcionais, entre outros. Entre eles, estão compostos que podem afetar o sistema hormonal e colocar em risco a saúde humana. Entre os possíveis problemas relacionados ao consumo de tais substâncias estão alterações na reprodução, até doenças que estão cada vez mais presentes nas últimas décadas como câncer de tireoide, de testículo, de útero e de mama. Estudos da Organização Mundial de Saúde apontam que alguns dos contaminantes emergentes podem alterar a reprodução humana e os especialistas da área defendem que são necessárias mais pesquisas para determinar com precisão quais os possíveis danos à saúde.
A concentração dos contaminantes emergentes nos diferentes sistemas de abastecimento está relacionada aos novos hábitos de consumo e ao adensamento urbano. O esgoto despejado de maneira sistemática nos mananciais agrava a situação. A água que abastece boa parte das capitais é poluída. Ela acaba sendo tratada antes de ser distribuída pelas concessionárias que gerenciam as diferentes redes, o que mata bactérias, mas não elimina tais substâncias. Como não existe ainda legislação específica e nem regulamentações, a maior parte das empresas simplesmente ignora o problema.
Para estimar a concentração de contaminantes emergentes os pesquisadores fizeram medições em diferentes pontos das 19 capitais e no Distrito Federal, buscando medir a quantidade de cafeína na água. A substância foi escolhida por ser facilmente identificada em testes químicos e por não ser encontrada normalmente na natureza. Em outras palavras, se a água tem cafeína, ela é proveniente de esgoto e, portanto, mesmo que tratada, é bastante provável que ela traga também contaminantes emergentes.
Quanto mais alta a concentração de cafeína, maior a concentração de tais substâncias. “Não poderíamos analisar centenas de compostos, isso não seria viável nem economicamente, nem tecnicamente. Então desenvolvemos um método novo”, explica o pesquisador Wilson Jardim, doutor em Ciências Ambientais pela Universidade de Liverpool, Inglaterra e professor tdo Instituto de Química da Unicamp. “Como nunca se deu atenção a isso, as pessoas nunca procuraram relacionar esses compostos com doenças ou sequelas,” ressalta.
Riscos e pressão econômica
O principal problema, segundo Jardim, é que nem os testes para medir o impacto na saúde de novos compostos, e nem as novas regulamentações necessárias para tratamento de água, acompanham o ritmo acelerado de desenvolvimento de novas substâncias pela indústria química. “A cada ano temos mais de mil substâncias novas registradas, e o risco de exposição do ser humano só aumenta”, diz. “Existe uma pressão econômica intensa por novos produtos. Vivemos uma sociedade descartável em que pessoas trocam de celular a cada três meses. Cada vez temos mais produtos sendo colocados, sem tempo suficiente para entender como eles funcionam, sem os testes necessários”, afirma, citando diferentes áreas afetadas por tal ritmo frenético de produção. “Na indústria farmacêutica é comum ver a retirada repentina de circulação de alguns itens. Isso acontece porque, pela pressão para se colocar novos produtos no mercado, não há tempo para se auferir danos colaterais de maneira apropriada”.
“Houve uma explosão na produção de nanomateriais e alguns países estão pensando já nos danos ao meio ambiente. A nanoprata, por exemplo, que está sendo utilizada em roupas para evitar o odor, já é tema de moratória de alguns países que querem entender melhor riscos antes que ela se espalhe”, cita. “Há o desenvolvimento de substâncias que imitam hormônios, que podem afetar um sistema extremamente delicado e sensível e que controla a reprodução humana. Podemos ter indivíduos extremamente saudáveis que não são capazes de se reproduzir”.
O que fazer?
Segundo o pesquisador, não adianta comprar filtros especiais ou tentar eliminar contaminantes emergentes em casa. “É preciso exercer cidadania e exigir que a concessionária que distribui a água pela qual ele paga, e paga bem, tome os devidos cuidados. Os sistemas de tratamento ainda são convencionais, não há preocupação em investir em novas tecnologias já disponíveis”, afirma. “É preciso sensibilizar as produtoras de água. Com o respaldo da população, que é omissa, a maioria assume uma postura da ema, enfia a cabeça no buraco e finge que o problema não existe. Elas têm o dever moral de prestar atenção nisso, mas são poucas que olham o problema de forma madura”, defende.
A ausência de legislação específica e regulações torna mais difícil as cobranças e responsabilizações. “É a ideia de que como o tema não é legislado, não é necessário ter cuidado. Muitas dizem que atendem as portarias específicas, mas a água que distribuem causa riscos”, conclui.
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