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Ex-diretor do Inpe defende urgência de uma bancada da ciência no Congresso Nacional

O candidato a deputado federal explicou em live de ((o))eco eleições 2022 porque decidiu tentar a carreira política e quais são suas propostas

Débora Pinto ·
23 de agosto de 2022 · 2 anos atrás

Entrevistado na primeira live de ((o)eco eleições 2022, o cientista  Ricardo Galvão e ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é candidato ao cargo de deputado federal pelo estado de São Paulo.

Professor titular de física da Universidade de São Paulo (USP), agraciado com premiações de publicações científicas de peso como as revistas Nature e Science, é uma voz amplamente respeitada pela comunidade científica internacional. 

Galvão foi exonerado do cargo no Inpe, em agosto de 2019, após uma polêmica envolvendo críticas do presidente Jair Bolsonaro sobre os dados do Instituto que indicavam um recorde de queimadas na Amazônia.  O pesquisador estava no Inpe desde 1970 e cumpriria mandato à frente do órgão até 2020.

Durante a entrevista Galvão defendeu a importância do Inpe e abordou suas propostas como candidato a uma vaga no legislativo federal. 

“O Inpe sempre produziu seus dados de uma forma bastante independente, apesar de ser uma instituição pública. Ele nunca teve o limite de vínculos impostos pela política pública que estava no poder e essa foi sempre foi uma grande característica na questão de monitoramento da Amazônia, desde que iniciou com o sistema Prodes, em 1988”, explicou Galvão à editora de eleições de ((o))eco, Juliana Arini. 

“Naturalmente, no caso do presidente (Jair) Bolsonaro, essa forma de atuar do Inpe era uma pedra no sapato das intenções com relação ao monitoramento, o desmatamento. Vocês se lembram que, antes de tomar posse, ele chegou a dizer que não acreditava mais no Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), que não concederia um centímetro quadrado a mais de reserva indígena e assim por diante? Desde que ele começou, através do (ex) ministro Ricardo Salles, sempre existiram ataques”, completou Galvão.

O candidato lembrou ainda que o trabalho feito pelo Inpe tem grande respeitabilidade internacional. Só o Sistema de Monitoramento da Amazônia já deu origem a mais de 1400 teses e trabalhos científicos. Logo depois da Conferência de Paris, COP-21, em 2015, lembrou o cientista,  quando os países signatários  assumiram compromissos determinados por eles mesmos com relação ao aquecimento global, um artigo publicado por cientistas de Harvard e da Universidade de Colúmbia conclamaram o mundo a copiar o sistema brasileiro.

Para Galvão, o atual governo tem uma mentalidade militarizada, com dificuldade em lidar com a transparência de dados. Ele citou atritos que já ocorreram com outros gestores, como nos anos do governo Lula, mas que nunca chegaram ao nível dos que levaram à sua exoneração.

“Já tivemos muitos planos e muitas coisas que nunca foram implementadas de forma regular e consistente. Mesmo no governo Lula tivemos embate pela ministra Marina Silva e o presidente, principalmente sobre as hidrelétricas. É normal que isso ocorra, porque não é só no Brasil.  Em outros países sempre há debate nesta direção. Mas nunca tivemos um discurso estimulando o desmatamento, as queimadas e o não cumprimento das metas de monitoramento do desmatamento. O que acontece diferente é que de 2010 para cá a situação mundial mudou completamente. Ainda havia dúvida se o aquecimento global existia (…). Isso já não é mais assim. Os últimos relatórios do IPCC demonstram claramente o efeito antrópico no aquecimento global e a importância da preservação da floresta”. 

Galvão também respondeu as razões que levaram um cientista renomado, que chegou ao auge de sua carreira acadêmica, a se interessar pela política, mais especificamente para uma vaga no Congresso. 

A principal motivação, segundo ele, vem da necessidade de possibilitar uma visão que no Brasil ainda não decolou, mas que já é consistente em outros países, como nos Estados Unidos onde, mesmo não havendo um ministérios de ciências e tecnologia, os parlamentares são diretamente assessorados por cientistas. 

“Não foi uma decisão fácil (..). Mas claro tudo que aconteceu com a revista Nature (…), me deu grande visibilidade. Há um sentimento grande na comunidade científica que não basta termos as comissões de ciência e tecnologia, mas é necessário termos políticos atuantes. Porque não temos um sistema presidencialista puro, e sim um sistema quase parlamentarista, no qual o Congresso tem um grande peso. Então surgiram movimentos importantes, como cientistas engajados de São Paulo, para que a comunidade científica atue de forma direta na formulação de políticas públicas.(…) No meu caso, a primeira pessoa que falou comigo foi a (ex) ministra Marina Silva”, disse.

Além do incentivo da ex-ministra do meio ambiente, ele contou que teve apoio de outro cientista renomado, o neurocientista Sidarta Ribeiro, que viajou do Rio Grande do Norte até São Paulo apenas para oferecer o seu apoio à ideia de uma candidatura de Galvão ao legislativo federal.

Para o cientista, porém, mesmo se houver uma bancada pro-ciência e meio ambiente, poucas serão as chances de qualquer avanço se Jair Bolsonaro continuar no mais alto cargo do executivo – incluindo, aí, a continuidade dos trabalhos do Inpe. 

“Mais que os recursos, ele cortou todo o programa do Inpe, Por exemplo, o Instituto desenvolveu um satélite totalmente projetado e construído no Brasil. O Amazônia I, que foi lançado com sucesso, está operando no espaço monitorando a Amazônia e havia o projeto de lançar o Amazônia II. Além disso, iniciamos  um programa de satélites de radar de abertura sintética desenvolvidos no país. O governo cortou tudo isso. Não existem mais os programas. O projeto de um satélite, uma construção desse porte é algo que leva em média cinco anos”, detalhou.

Um dos resultados trágicos desses cortes é a fuga de mentes brilhantes, como engenheiros de altíssimo nível, do país. “Acho que mais que o Inpe, é  todo o sistema científico brasileiro que não vai resistir a uma reeleição do governo Bolsonaro. Eu não vou dizer o nome do cientista brasileiro, mas um dos mais brilhantes cientistas que nós temos na área ambiental, premiadíssimo no mundo todo, me disse que iria embora se ele se reeleger. Aqueles que não têm mais missão no trabalho, que são engenheiros de altíssimo nível, se eles forem embora – muitos já estão pensando em trabalhar em outros lugares – recuperar isso é muito difícil”, completou.

Para o Brasil ter futuro, ciência

Galvão citou que, ao contrário do que leu no plano de governo do atual presidente, enxerga nas propostas de outros candidatos – como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT) – propostas que o agradaram e que poderiam trazer novos rumos para o país.

E ressaltou que, se quiser ter um futuro, é necessário que o próximo governante tenha em mente planos não para os próximos quatro anos apenas, mas que possam ter impacto de décadas. Lembrou ainda das alterações bruscas trazidas pelas mudanças climáticas e o papel fundamental da ciência para que o Brasil esteja preparado, principalmente, para modernizar o seu processo de produção de alimentos. 

“O próximo governo vai ter que ter uma mentalidade muito clara sobre isso. Um trabalho recente publicado pela Embrapa mostra que toda aquela área a seca do Nordeste está se expandindo na direção do Planalto Central, na direção do centro do Brasil, onde temos a nossa maior produção industrial de alimentos. O aquecimento global de 1,5 a 2 graus centígrados eu considero inevitável até 2040, 2050. 

Isso significa que nós vamos ter que  melhorar a nossa agricultura, ter políticas públicas articuladas pelo Estado, por exemplo, para desenvolver cultivares que resistem mais à alta temperatura. O desenvolvimento de um cultivar demora de 8 a 12 anos para, inclusive, estar no comércio. O aquecimento global vai tornar áreas nas florestas no norte do planeta, na Rússia, Canadá, produtivas e competidoras do Brasil”, salientou. O cientista apontou, ainda, que é necessário ter distinção ao falar de parlamentares a favor do agronegócio, já que nem todos fariam parte da chamada bancada ruralista – está sim ligada ao governo no discurso de que é necessário desmatar para produzir.

Por fim, Galvão fez questão de salientar que para que qualquer desenvolvimento científico ocorra é importante também a defesa da educação de qualidade, que será também uma das suas lutas no Congresso caso seja eleito 

E lembrou aos que não acreditam em ciência e acham que ela não é importante na hora do voto, que os sinais do que está acontecendo por conta da política ambiental negligente no país podem ser constatados sem grandes aparatos tecnológicos.

“Hoje completam-se três anos de quando a cidade de São paulo escureceu, em pleno dia, por causa da fuligem vinda das queimadas da Amazônia. Por que as pessoas ainda duvidam? Por que as pessoas não querem olhar para o céu?”, questionou.

Confira no link a entrevista completa com Ricardo Galvão.

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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Comentários 1

  1. MARTA JACOB diz:

    Parabéns pela entrevista com o eminente cientista do INPE. Será uma grande presença na Câmara federal, tendo a companhia da ilustre ministra Marina e outras figuras de destaque. Parabéns ao ECO também pela seção de Eleições, com essas entrevistas elucidativas e que direcionam o voto para representantes de áreas específicas.