Depois de mal pegar no tranco, o presidente pé-duro recém eleito da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, percebeu tarde, assim como Lula, que certas coisas não deveriam ser ditas. Não pestanejou ao declarar-se contra as pesquisas com células-troco no projeto que cria a Lei de Biossegurança (PL 2401/03), na sessão de verborréia que consagrou sua improvável vitória. Recuou assim que percebeu o desgaste político que iria enfrentar.
O projeto entrou na pauta de votação no Plenário da Câmara nesta semana e tem um forte apelo popular, apesar dos transgênicos. A regulamentação do plantio de organismos geneticamente modificados pegou uma malandra carona na “onda da vida” das células-tronco e, apesar de não ter nada a ver com o outro, os dois temas compõe o mesmo projeto-de-lei.
Assim, os ruralistas agora somaram forças com o governo, que aderiu nesta terça-feira à aprovação do projeto, mas decidiu apresentar quatro destaques que tratam de produtos geneticamente modificados. O objetivo é tentar restabelecer o texto anteriormente aprovado pela Câmara, depois modificado pelo Senado, sobre a liberação das pesquisas com transgênicos e a exigência de licenciamento ambiental dos produtos.
O texto original prorrogava por um ano a lei que liberou o plantio e a comercialização da safra de soja transgênica 2004/2005. Mas a versão alterada pelo Senado permite o plantio por prazo indeterminado. O substitutivo do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) sobre os transgênicos insuflou uma forte reação na sociedade civil e desagradou o Ministério do Meio Ambiente. A inclusão dos destaques é a última tentativa do Governo para reverter a situação, antes de levar o projeto para votação.
Outro ponto polêmico da atual versão do Projeto de Lei de Biossegurança é a submissão das decisões do Ibama e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aos despachos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A crítica é que este procedimento esvazia as competências dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, fazendo com que a CNTBio atue sem restrições, sempre comandando a decisão final. Além disso, a CTNBio estaria adotando uma postura não isenta, favorável à liberação de transgênicos sem maior preocupação com a avaliação de riscos ambientais e de saúde desses produtos. Como a venda de sementes de soja transgênica é proibida no Brasil, elas são contrabandeadas da Argentina, sem certificação fitossanitária e não há um estudo de impacto ambiental sobre a introdução delas na natureza. Há também o problema do uso ilegal de glifosato, um agrotóxico potencialmente danoso ao meio ambiente e ao homem.
Para o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) a liberação dos transgênicos trará benefícios para o meio ambiente. “A biotecnologia é o instrumento mais importante para salvar o meio ambiente porque permite aumento de riqueza e de emprego. Quem não está a favor vive na Idade Média. Liberdade de plantio!”, bradou.
Se aprovado, o projeto de Biossegurança também permitirá a pesquisa para extração de células-tronco de embriões obtidos por fertilização in vitro, técnica que pode trazer a cura para milhares de brasileiros portadores de doenças graves do coração, dos ossos e do sangue, atrofias musculares ou neurodegenerativas, lesões físicas irreversíveis e doenças genéticas. No Brasil, hoje, os embriões são simplesmente descartados quando completam quatro anos de congelamento. O país já usa células-tronco da medula óssea e do cordão umbilical com sucesso, mas a pesquisa é restrita aos embriões congelados há mais de três anos e precisa da autorização expressa dos pais. Andréa Bezerra, que coordena o movimento Pró-Vida, está satisfeita com as modificações feitas no Senado. “O texto ficou perfeito. A gente não tem mais tempo a perder. Mesmo que o projeto vire lei, muitas pessoas não vão mais estar vivas até começarem os trabalhos de resgate da saúde. São centenas de milhares que esperam e estão em contagem regressiva”.
Para o deputado Pastor Takayama (PMDB-PR), o fator tempo tem outro significado. “Aprovar algo assim com esta pressa pode abrir perigosos precedentes. Não temos dados científicos necessários e a classe científica não se manifesta para esclarecer todas as dúvidas. Queremos estudos conclusivos, mas não somos contra o avanço da pesquisa”. O assunto das células-tronco vindas de embriões fertilizados in vitro é polêmico porque envolve questões intangíveis, como a violação da vida, quando não se sabe exatamente onde ela começa. Há também o medo do suposto mercado de varejo de células fertilizadas de bebês no mercado negro ou futuro, enquanto cientistas garantem que isso é pura especulação futuróide.
A maioria simples, ou seja, metade mais um, deve votar a favor do projeto. Este é o quorum necessário para que a matéria seja aprovada e siga à sanção presidencial para virar lei.
Severino Cavalcanti, confuso com o próprio papel, fez os cálculos do prejuízo e prometeu “discutir” o assunto que – alô assessoria! – já está em fase de votação. Ruralistas e portadores de doenças incuráveis já estão comemorando, por motivos distintos. Severino também está contente, embriagado com seu reinado etéreo, empenhado em arruinar, a cada vez que abre a boca, sua última chance de entrar para a história pela porta da frente.
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