Reportagens

Entrevista Eliezer Batista – O grande planejador

Preocupado com o futuro da Amazônia, Eliezer Batista, maior especialista em logística do país, defende o zoneamento ecológico-econômico como prioridade na política ambiental.

João Teixeira da Costa · Felipe Lobo ·
15 de novembro de 2007 · 16 anos atrás

Eliezer Batista é um homem de negócios. O legado como presidente da Companhia Vale do Rio Doce e conselheiro de outras tantas grandes empresas nacionais é apenas uma das muitas contribuições na área de logística e no planejamento territorial do desenvolvimento no Brasil. Conta, por exemplo, que ajudou a elaborar o Código Florestal Brasileiro, de 1965. Acostumado a comandar grandes empreendimentos, Eliezer também se preocupa com os questões ambientais. Diz que para alcançar a meta de sustentabilidade é preciso antes de tudo o conhecimento científico de regiões que serão exploradas economicamente. Esse objetivo só será plenamente cumprido, acredita, quando a educação for a base do governo.

Eliezer Batista recebeu os repórteres de O Eco em sua sala no 6 º andar do edifício da Federação das Indústrias do Estado do Rio Janeiro (Firjan), no Centro da cidade. Durante a conversa de quase duas horas, contou que defende a idéia de se criar um Ministério de Desenvolvimento Sustentável com a incumbência imediata de elaborar planos de zoneamento econômico-estratégico para todas as regiões do Brasil. Dentro dele, haveria uma Secretaria de Meio Ambiente. Também aproveitou para defender o plantio de eucalipto em áreas não agricultáveis e elogiar a construção do Complexo de Carajás. “Não confundir com o Grande Carajás”, reclama lembrando o projeto megalomaníaco dos governo militares.

O senhor é visto como uma pessoa que teve uma importância fundamental na criação de alguns mercados para produtos primários no Brasil. A partir da Vale do Rio Doce e também na área de papel e alumínio. Quando a questão da sustentabilidade começou a preocupá-lo?

Eliezer Batista: É uma história muito antiga. Herdei isso do meu pai, que gostava muito de programas da natureza, tinha fazendas e eu viajava com ele. Aquilo sempre vinha me perseguindo. Quando eu fui para a Vale do Rio Doce nós começamos plantios de eucalipto para efeitos de proteção ao longo da linha, em áreas abandonadas que a empresa tinha, para aproveitar aquilo. Foi assim que começamos a estudar, já que tínhamos um interesse muito grande nesse assunto. Percebemos, por exemplo, que eucalipto servia para ocupar a terra que seria invadida. Além disso, em alguns lugares para evitar erosão, você usava eucalipto. Não para celulose. Só mais tarde a gente entrou nisso. Com o sucesso daquilo a gente começou a observar que o eucalipto era uma planta que tinha os seus problemas, mas também suas vantagens. É uma planta de crescimento rápido, portanto que consome bastante água. Você ouve muito em Portugal essa história contra o eucalipto porque no Algarve ou no sul de Portugal a precipitação é muito baixa. No Algarve é de 300 milimetros, e a evaporação total é de 600. Mas se você plantar em áreas onde não tenha déficit hídrico isso não é problema.

O senhor está falando de que, 1950?

Eliezer: Isso. A gente começou a pensar em ver as ações do eucalipto em outras atividades. Foi aí que o doutor Dias Leite, que era muito meu amigo, muito ligado com diversos tipos de atividades, me procurou já nos anos 60. Ele tinha um plantio de eucalipto na serra do Espírito Santo e comecei a notar as vantagens que aquilo trazia. Substituía a lenha que o pessoal cortava da floresta natural para usar eucalipto. É uma maneira de preservar a floresta também. E tinha diferentes usos, inclusive para atividades menos nobres. Então, eu sugeri a ele que fizesse um estudo para ver se aquilo poderia ser econômico para atividades maiores, visando utilizações mais nobres: reflorestamento para usos industriais, celulose, etc. Ele fez um estudo e chegou a conclusão que nós devíamos fazer uma lei florestal (Código Florestal – Lei 4771), isso em 1965. Esta lei teve alguns defeitos. Não se designou a geografia do plantio, que definiria uma logística adequada para distribuir o produto e industrializá-lo ou exportá-lo sob a forma que fosse. No início, foi combatida, mas depois deu esse empurrão tremendo na questão de celulose, etc.

Foi a partir desse momento que o plantio de eucalipto cresceu no país?

Eliezer: Criamos uma companhia chamada Aracruz Florestal, de plantio de eucalipto. Porque a primeira idéia era a de exportar tipos, como, aliás, muita gente faz hoje em vários países, inclusive o próprio Brasil. Mas aí se decidiu fazer celulose. Então, foi fundada a Aracruz Celulose, que é o que você conhece hoje. Durante esse período em que eu estava na Vale do Rio Doce, nós começamos a fazer parques florestais. Mais tarde, ainda no tempo em que estava na Vale do Rio Doce, compramos a floresta de Linhares, que era uma floresta nativa, na época em que o estado do Espírito Santo estava sendo devastado. Nós compramos aquilo para preservar. A desculpa para a diretoria da Vale aceitar a aquisição foi a que se tratava de uma fazenda de dormentes. Era a única maneira de aceitarem um investimento como aquele em uma época na qual todos estavam queimando floresta para fazer pasto. Aliás, como até hoje fazem na Amazônia. Isso em 1954, 55, 56, por aí. A reserva foi comprada, não se tirou nenhum pau para fazer dormentes. Foram criadas lá pesquisas, além de um herbário para estudar as madeiras locais. Infelizmente muita pesquisa só atingiu o problema do uso mercante da madeira e não para usos da farmacologia, indústrias químicas e outras utilidades.

E as pessoas confiavam nessa iniciativa na época?

Eliezer: Quando a lei florestal foi criada e se decidiu então entrar na celulose, tivemos a participação decisiva do senhor Erling Sven Lorentzen [durante muito tempo presidente da Aracruz], porque faltava capital para a empresa decolar e ele entrou na hora certa. Isso porque os empresários nossos aqui, em geral, não estavam muito confiantes.

Em quais lugares aqui no Brasil o senhor aconselharia o plantio de eucalipto?

Eliezer: Em zonas não agricultáveis. Altos de morros, terras ruins, degradadas. Para recuperar, seria a primeira coisa que eu faria. Só ao longo da estrada de Carajás tem algumas dezenas de milhares de hectares degradados. Você olha para a Grécia. A Grécia era florestada, as ilhas lá do norte eram florestas. Tiraram tudo. Eu tinha um amigo que tinha uma casa lá. Era tudo florestado no tempo, digamos, de Péricles. A coisa degradou tanto que só ficou rocha. Então, para plantar uma árvore tinha que perfurar o solo com compressor e colocar adubo lá dentro, terra lá dentro para botar a árvore. Porque você deixa chegar àquele estágio? O problema é como saúde. É preventivo. Se você não se cuida, você apanha uma doença que de vez em quando é incurável. Se tiver recursos para evitar, faça isso. Se não nós todos vamos afundar. O clima está mudando mesmo, não tem dúvida nenhuma.

O Espírito Santo, como o senhor falou, é um dos estados mais devastados do país. Mas, mesmo assim, há bons trabalhos por lá, como o que existe na sua fazenda.

Eliezer: Eu tenho uma propriedade no Espírito Santo que tem um laboratório de experiências com dezenas de variedades, não apenas nativas. A floresta de Linhares tem o herbário e o reflorestamento de essências nativas de diversos tipos: jacarandá, peroba do campo, etc. Trouxe uma contribuição muito grande no reflorestamento da cidade, se distribuía mudas gratuitamente e criou-se uma consciência florestal no estado. Hoje, talvez seja um dos estados do Brasil onde há essa consciência generalizada no campo, a importância da floresta para a manutenção dos recursos hídricos e evitar erosão.

Qual a relação existente entre a Conferência Rio-92 e o senhor?

Eliezer: Em 1991, o sr. Stephan Schmidheiny [fundador da Avina] foi convidado pelo presidente da Conferência do Rio, sr. Maurice Strong, para fazer a Rio-92. Ele então veio para o Brasil, visitou a Aracruz, que também trabalhava com esta linha e já tinha essa preocupação de juntar floresta nativa com espécies exóticas. Isso porque a floresta nativa abriga animais e plantas, e a interação entre fauna e flora é extremamente importante. Curiosamente, a introdução de sementes exóticas pode prejudicar alguns setores, mas também pode beneficiar muitos outros. Você não vai plantar eucalipto em uma nascente. Em compensação há plantas exóticas cujo período de dormência no inverno lá fora corresponde ao período de seca aqui, portanto ela não suga água no período da seca. Então beneficia a nascente. Durante a visita, o sr. Schmidheiny foi à Aracruz e a Carajás. Ele notou que estávamos trabalhando bem, isso está no livro “Sustentabilidade”. Ele diz lá que nós já praticávamos essa combinação dos lados ambiental, econômico e social simultaneamente. (lê trecho do livro) “Eliezer Batista, na época diretor da Rio Doce Internacional, defendia o desenvolvimento sustentável antes da conferência do Rio e permanece como um de seus defensores desde então”. E viu isso realizado lá em Carajás. Aí ele teorizou toda a noção do desenvolvimento sustentável, que não é nada mais do que isso. Foi daí que saiu a Conferência da Rio-92, mas pouca gente sabe que se originou dessa maneira.

Acha que falta visão de longo prazo?

Eliezer: Sim. Mas a coisa começou a se expandir e Carajás foi construído. E, mais ainda, lá nós tínhamos um conselho de notáveis que ocupavam todos os programas de botânica, geologia, geomorfologia, e se reunia toda vez que a gente tomava qualquer decisão de agredir a natureza. E daí surgiu aquele negócio de zoneamento ecológico-econômico. Que nada mais é do que o zoneamento do território para conhecimento científico antes de você agredir para finalidades puramente econômicas. Ou associadas à economia. Quer dizer, a abertura da Amazônia sem conhecimento científico do território é um desastre. Está aí a mudança do clima e as conseqüências que já estamos colhendo dela para provar. Já dá para sentir a queda de umidade do ar no interior de São Paulo.

A palavra sustentabilidade ainda gera bastante discussão. O que o senhor pensa sobre ela?

Eliezer: Hoje tem um milhão de árvores em volta de Carajás. O resto foi todo destruído. Então, sustentabilidade vem no decorrer do tempo. Nem a palavra ecologia existia naquela época. Foi inventada essa palavra, depois as coisas foram criando um vocabulário próprio, porque começaram a ter conceitos diferentes, um ‘economês’ do desenvolvimento sustentável. Mas tudo isso é decorrência do fundamento do desenvolvimento sustentável com uma base econômica, ambiental e social que é um pouco derivado dos dois. Quer dizer, você cria emprego no campo, você pode criar emprego de diferentes naturezas em função do que você utiliza da floresta. Hoje a conseqüência mais importante disso é que a madeira tornou-se a matéria-prima mais importante do mundo pela sua multiplicidade de usos.

E como adequar isso à certeza de que existem recursos naturais finitos?

Eliezer: A madeira hoje pode ser usada desde a indústria têxtil até zerar a energia elétrica com turbinas a gás. Começou então a questão da utilização racional dos recursos. Voltando um pouco ao Clube de Roma, os recursos são finitos. Então, vamos usá-los da melhor maneira possível para que eles durem o máximo e, caso possa, sejam substituídos por outros que são mais abundantes e de mais longa vivência. Precisamos também aproveitar aqueles que não conhecemos. Há milhares de plantas desconhecidas que estão desaparecendo antes do mundo conhecê-las. A devastação faz isso. Esse problema hoje vem culminar com a manifestação da questão climática, que já vem de longe, mas ninguém acreditava. Falavam que era um exagero dos cientistas. Então isso ficou demonstrado e hoje todo mundo concorda que os ciclos da natureza continuam, eles estão além do poder do homem. Mas a ação antrópica produz problemas. Todos esses hidrocarbonetos se transformaram em petróleo, em gás. Você os retorna à superfície da terra, e bota-os de novo na natureza. O gás carbônico, o metano, estão voltando. É preciso arranjar um jeito de preservar, porque a população do mundo está aumentando muito.

O que o senhor aconselharia para mitigar os efeitos do aquecimento global?

Eliezer: Hoje, a única coisa imediata que você tem para mitigar os efeitos do clima é o plantio de árvores. Não há mais nada de efeito imediato. Será preciso usar energias alternativas, mas tudo isso vai demorar muito tempo. Para efeito imediato, o que existe é recuperar. Não há água sem florestas. E sem água não tem vida. A floresta é uma maneira de recuperar os recursos hídricos e, portanto, recuperar a vida, recuperar o ambiente. Esse é um dos primeiros passos, coisa que estamos tentando fazer em Minas Gerais agora.

Com relação ao eucalipto, logo no começo o senhor falou da questão do consumo de água. Eu tenho a impressão que o eucalipto foi estigmatizado aqui no Brasil, e a questão da água é só um dos argumentos. Então por que o senhor acha que o eucalipto virou esse monstro?

Eliezer: Isso é muito mais um problema de caráter mitológico, digamos, de outra natureza. O que nós fizemos quando fundamos a Cenibra com os japoneses, que é uma fábrica de celulose lá em Minas, foi estudar todos os problemas do eucalipto. Descobrimos, por exemplo, que as raízes de eucalipto aeram o solo. Estudamos sobre consumo de água, associação com outras essências, a sustentação de animais. Está provado que o sub-bosque de eucalipto pode suportar grande número de animais e outras plantas também. Papagaios, maritacas, eles todos comem sementes de pinus. Quer dizer, a floresta nativa pode ser melhorada, como tudo. A maioria das frutas que temos não são nossas. A manga não é nossa, a banana não é nossa, essa amendoeira que tem no Rio não é nossa. Então, vamos ficar sem isso?

E o Brasil precisa também conter o desmatamento.

Eliezer: Mas esse é o assunto mais importante. O grande problema do desmatamento da Amazônia não é tratado com a importância que ele merece. E, mais ainda, você tem um governo que não tem um Ministério de Desenvolvimento Sustentável, como deveria ser. Tem um Ministério de Meio Ambiente. Deveria ser o contrário. Ter um Ministério de Desenvolvimento Sustentável e uma Secretaria de Meio Ambiente de assuntos sociais correlatos. Muitas vezes a análise ignora o lado econômico e só trabalha o lado ambiental. Por exemplo, o desmatamento em geral no Brasil coloca o país, em uma certa época do ano e das queimadas, como o segundo maior poluidor do mundo. Isso é um absurdo. E o que nós estamos fazendo para combater realmente? Nós estamos sujeitos a sermos criticados pelo mundo inteiro. Isso agora começou a afetar a humanidade inteira. Não afeta a nós apenas. Afeta a todo mundo.

É essa a sustentabilidade a que o senhor se referiu?

Eliezer: É um capítulo de tudo. Primeiro vai esbarrar nos problemas da demografia. A Terra tem recursos limitados e o aparecimento do efeito antrópico mostra claramente essas limitações. As saharas já foram florestas. O que impede que a Amazônia se torne um deserto? Nós fundamos aqui três instituições sobre isso. A Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável, em que o Israel Klabin é presidente, o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), e o Ibio (Instituto BioAtlântica). Elas se preocupam com esses assuntos, só. É tudo feito a custo zero, não ganhamos nada com isso, é por defesa da natureza, qualidade de vida, em um ambiente onde por muitas vezes se é hostil por se meter nisso.

De um ano para cá, a gente tem notado, lá no O Eco inclusive, que por causa talvez do relatório do IPCC , talvez por causa desse inverno muito quente e muito seco, as pessoas estão acordando um pouco para essa questão das mudanças climáticas. Para a gente isso não é satisfação nenhuma, depois de tanto tempo falando nisso, de repente perceber que isso se criou.

Eliezer: Aqui tem um problema muito sério com relação à educação. O problema principal da educação é você mudar a cabeça das pessoas. Por exemplo, em Harvard, no MIT (Massachusetts Institute of Technology), há uma cadeira que eles chamam de ‘mind set’, quer dizer, a cabeça da pessoa. Você muda essa cabeça desde criança, porque o raciocínio do homem moderno não é mais o raciocínio do homem de 30 anos atrás. Não é mais Descartes [René Descartes, filósofo francês].. É geometria fractal, Teoria do Caos. É botar ordem na desordem. A cabeça é diferente. Se você não muda a cabeça das crianças desde cedo elas continuam pensando como antigamente. O conhecimento científico precisa ser difundido. A gente tentou muito difundir isso como conhecimento, mas a floresta, aqui entre nós, ainda tem uma coisa da cultura ibérica. Alguém disse, na cultura espanhola, que em uma certa época era possível ir dos Pirineus até Gibraltar, se fosse um macaco, de galho em galho. Hoje, um terço da Espanha é praticamente deserto, com um processo célere de desertificação.

Agora, no Brasil, eu tenho a impressão que no passado já foi possível fazer política pública com a prática científica mais forte. Quando estamos caminhando para um regime cada vez mais populista, me parece que está ficando cada vez mais difícil. Quer dizer, a base científica, para a política de desenvolvimento na Amazônia, por exemplo, não parece fazer parte dela.

Eliezer: Mas sem base científica você não faz nada, só faz erros. Fazer pastagens na Amazônia é um erro tremendo. Nada pior para degradar o solo do que gado. A pastagem é a última coisa que eu colocaria na Amazônia. O zoneamento ecológico-econômico é exatamente aquilo que disse antes, você tem que ter conhecimento científico do território para atacá-lo economicamente. Então só vou mexer no ambiente depois que eu saiba o que vai acontecer em relação aquilo que eu vou fazer ali. Se eu não conheço cientificamente, como é que eu posso fazer isso. Vou fazer besteira. E foi o que aconteceu. Esse é o grande problema. Nesse zoneamento ecológico-econômico você tem o que eles chamam de unidade de paisagem, que nós remetemos de um conceito alemão, e um Geographical Information System (GIS) para você escolher um certo número de variáveis. Escolhemos cinco na época, porque não havia nada digitalizado, instrumentos de informação para você fazer tudo direitinho, mas começou-se a conhecer cientificamente um território. Mas não deu continuidade, só foi feito em parte pela Amazônia Legal. Parece que os países andinos, amazônicos, também copiaram isso de nós.

Na época da Vale do Rio Doce, se o senhor tivesse essa informação, o que teria feito de diferente?

Eliezer: Não teria feito nada de diferente. Teria feito isso na época, tive que fazer depois, quando já estava fora da Rio Doce há muito tempo. Por que eu fiz isso? Porque eu gosto dessas coisas, não ganhei nada com isso. Isso mostra a você a utilização prática dessas coisas. Nós não somos poetas, nem nada. Nós procuramos, em função do engenheiro, utilizar a natureza para melhorar a qualidade de vida, desde que sem prejudicar a natureza. Para isso que se tem cabeça, não é? O conhecimento científico ensina isso. Como o advogado lhe ensina a conviver com as pessoas respeitando os direitos de cada um, todos têm uma função. Então acho que nesse assunto estamos muito ibéricos demais. A Espanha virou um deserto. Portugal está virando um deserto.

Se houvesse hoje o Ministério de Desenvolvimento Sustentável sobre o qual o senhor falou, a função dele seria levar adiante esse zoneamento e implementá-lo?

Eliezer: Exatamente. Primeiro, cuidar dos recursos hídricos, que é o maior problema nosso. Na questão dos recursos hídricos a preservação da Floresta Amazônica é o assunto mais importante. Tem estudos que estão sendo feitos chamados Rios Voadores. Essa umidade que os ventos alísios levam para bater nos Andes e descer está diminuindo cada vez mais. Por causa da floresta.

E isso vai afetar a agricultura aqui, não é?

Eliezer: Vai, claro. Vai prejudicar. Eu já vi um mapa de São Paulo com três graus a mais do que tem hoje. Não pode mais plantar café.

Em determinado momento da conversa, o senhor falou que a madeira é a maior matéria-prima do mundo hoje. E, ao mesmo tempo, também disse que o efeito imediato para segurar as emissões de carbono é plantar florestas. Como equilibrar isso no viés econômico?

Eliezer: Por ser a matéria-prima mais procurada hoje, ganha-se muito mais dinheiro plantando eucalipto, se você quiser o pior exemplo, do que café lá no Espírito Santo ou em qualquer lugar hoje. Porque você usa madeira para carvão vegetal. Para redutor de silício metálico de alta pureza para fazer tipos, tem que ser carvão vegetal. Você não pode usar carvão mineral por causa das impurezas. Celulose até que não é o uso mais nobre, você tem turbinas a gás para poder gaseificar madeira, no Brasil já se usou gasogênio no tempo da 2ª Guerra. E gasogênio já era maneira de gerar energia com gaseificação da madeira. Isso tudo mostra que a madeira está tendo cada vez preços maiores porque ela vai faltar. Daqui a pouco países como o Japão não vão mais aceitar madeira tropical para fazer móveis. Isso aqui é carbono (bate na mesa). Carbono fixado. Como a demanda para a madeira é muito grande, ela não só preserva os recursos hídricos como também tem valor econômico muito grande. É exatamente isso. Além, é claro, de ajudar na fertilidade do solo, aerar o solo e dar sombra para determinados produtos, como o café, por exemplo, que dá melhor debaixo das árvores.

Como é possível melhorar a logística do Brasil, melhorar a facilidade de exportação para a área de produção sem, ao mesmo tempo, fazer com que avance a fronteira de colonização de maneira desordenada?

Eliezer: Vamos supor que hoje a exportação está associada à logística marítma. Quando você avança para o interior de um país continental, o que você vai fazer com as sojas de Mato Grosso? Eu vou procurar exportar a soja de Mato Grosso, mas não como a soja verde. Eu vou para a industrialização máxima da soja como já se está fazendo no Rio Grande do Sul. Produzir proteínas isoladas de 95% de concentração, proteínas texturizadas de 75%, flavonóide, isoflavona, que vale 40 mil dólares a tonelada e isso tudo é frete aéreo. A logística é frete aéreo. À proporção que você se afasta, tem que industrializar, dar mais valor ao produto, para resistir à distância. Em suma, o que nós fizemos na Vale do Rio Doce foi vender o produto mais barato do mundo na época, que era minério de ferro, para a maior distância, que era o Japão. O que se teve que fazer? Inventar narizes novos, gigantescos, com economia de escala, com versatilidade para trazer petróleo de volta, portos novos, tudo novo. Isso é inovação. O homem tem cabeça para fazer essas coisas.

Quer dizer, exportar cada vez mais conhecimento?

Eliezer: Exatamente. Agregar valor ao seu produto, não virar só exportador de matéria-prima como a economia colonial da África antiga, que era exportação de matéria-prima das mais primitivas possíveis. Agora, a floresta tem utilização para tudo. Nós não demos o exemplo da celulose aqui, como é que se originou? Imagina a quantidade de empregos que você cria com a celulose, não só de empregos no campo, mas empregos de qualidade em todo processo de industrialização.

Uma boa parte dessa questão dos usos econômicos da floresta vem da exploração de biodiversidade e da busca de produtos farmacêuticos.

Eliezer: Mas essa é a área que está menos atacada, menos conhecida. E é, sobretudo, porque a biodiversidade é rica nos trópicos, justamente as que desenvolveram menos. A Europa é muito pobre em biodiversidade, já acabaram com tudo o que tinham. Aliás, nunca teve muita biodiversidade porque o clima é que define isso. Agora, aqui, infelizmente, é aquilo que eu lhe disse. Nosso futuro está no desenvolvimento científico e tecnológico. O que é a tecnologia? É o uso prático da ciência. Então você tem que criar pessoas, tecnologistas, que tenham uma ciência progressista de back up. Sem o qual você está sempre inferiorizado na competição, porque o seu concorrente está fazendo a mesma coisa. Se ele der um passo na frente e você não, já está ficando para trás. O mundo de hoje é isso aí.

Quer dizer, não é restringir o acesso a pesquisadores estrangeiros.

Eliezer: É claro. Se você fizer isso estará protegendo o ignorante. O cara que não compete. Mas desde que o sujeito venha para ficar aqui e trabalhar aqui. Para ele chegar aqui e fazer especulação e ir embora com o nosso produto é outra coisa. Isso é caso de polícia já. Estou dizendo como política sadia de trazer gente. O que os Estados Unidos fizeram, porque se desenvolveram tanto? Porque pegaram aquelas pessoas de cuca boa da Europa, a própria migração judia que fugiu do Hitler virou quase tudo cientista. Foram para os Estados Unidos e realizaram o diabo lá, não é? Porque nós não fazemos isso? O brasileiro é muito inteligente, muito versátil, essa diversidade racial que temos aqui dá um tipo bastante fácil de assimilar conhecimento científico.

O senhor mencionou o plano da demografia em conexão com a mudança climática. Esse problema da demografia tem que ser atacado por aí, pela educação?

Eliezer: Tem que ser, mas aí você vai esbarrar no problema religioso. Esse é outro problema que não tem nada a ver com a parte lógica. Religião você tem que ter fé. É a negação da lógica. A maioria delas fala sobre crescei-vos e multiplicai-vos. Antigamente era necessário, porque a idade média do homem era de 30 anos. Olhando em curto prazo, três mil anos, quatro mil anos, os egípicios. Você tinha as religiões todas, inclusive a cristã e era isso aí. Você, então, vê a dificuldade de estudar as células-tronco, embriões. O grande progresso da medicina virá por esse lado. Terapia gênica, terapia celular, esse tipo de coisa. Mas a religião é um obstáculo.

O que o senhor acha dessa nova onda de biocombustível aqui no Brasil, uma bandeira levantada pelo governo Lula para incentivar cada vez mais a produção?

Eliezer: É uma solução para mitigar. Não vai resolver o grande problema da humanidade sozinha. Mesmo porque você tem que produzir alimentos. Como você vai produzir alimentos se você ocupa tudo para produzir biocombustível? Já tem uma corrente formada contra por causa disso. O mundo tem que ser zoneado inteligentemente para não haver abusos.

Voltando ao tema mudanças climáticas, o Brasil tem levado muito ferro lá fora por ter uma atitude um pouco dúbia com relação a Quioto. Estamos vendo que nos próximos passos de Quioto é muito provável que seja necessário que os países em desenvolvimento também assumam metas de redução das emissões.

Eliezer: Mas isso é outro assunto. Eles deviam até nos pagar e ajudar o Brasil a resolver o problema. Nós também não somos obrigados a resolver o problema do resto do mundo. Todo mundo tem que ajudar aqui respeitando a soberania do Brasil. Mas aí é um problema de negociação, é outro tema. Nós estamos olhando o problema pelo lado físico dele, você está entrando no lado político e etc. É outra equação.

Mas o senhor não vê, em princípio, nenhuma restrição a aceitar ajuda externa.

Eliezer: Desde que eles respeitem a nossa soberania. Nós temos direito a todas as plantas e nós vamos estudar todas. Ou mesmo que alguém estude, temos direito a obter qualquer benefício daquilo. Não podemos abrir mão disso. Eu acho que o problema tem que ser resolvido com razão pura. O assunto é da humanidade inteira. Nós aceitamos, mas tem que ajudar a pagar a conta aqui, porque nós também somos prejudicados se não fizermos assim. Nós não temos recurso para fazer sozinhos. Por que não pega o exército, por exemplo, para ajudar a fazer isso? É uma ocupação digna. Bota as Forças Armadas, que são a única força organizada no Brasil, para ajudar. E é bom que já conhecem o lado científico, como deve ser conhecido, para nos defender melhor.

E o mercado de créditos de carbono, é um bom caminho para países como o Brasil?

Eliezer: É, mas ainda há restrições ao mercado de carbono, algumas nossas mesmo, que precisam ser clarificadas para que a coisa seja boa para os dois lados. O problema todo está ligado a mensuração da fixação do seqüestro de CO2. E não é só o CO2. Pior que o carbono é o metano. Cientificamente, você já tem todos os elementos na mesa, o problema é que quem faz política tem que acompanhar o nosso grau de desenvolvimento do programa. Nas discussões internacionais mais ainda, porque o outro lado vem com conhecimentos científicos e é preciso ter alguém do lado de cá para combatê-los, caso eles não estejam com princípios bons para nós.

Mais uma vez, precisamos investir muito na educação.

Eliezer: Educação, exatamente. Não existe qualquer país que cresceu com matéria-prima e ignorância. Nenhum. Pior é a ignorância turbinada com iniciativas. Aí vira uma destruição total.

É até compreensível, nesse contexto, que o pessoal de Meio Ambiente seja vista como uma força de reação, porque só tenta segurar, segurar, segurar.

Eliezer: Mas sem base científica. Pergunto: por que a única força organizada no Brasil não pode colaborar nisso? Façam mais postos de pesquisa na Amazônia, mas com base científica, para que as pessoas possam olhar realmente. O próprio governo faz assentamentos em áreas que não têm nenhum conhecimento específico. Eu já tomei muita porrada. Primeiro em Carajás. Achavam aquilo megalomaníaco, e hoje é um dos projetos mais rentáveis do Brasil, porque foi feito tudo certinho, nos prazos. Mas ninguém quer sair da rotina. Qualquer coisa que saia da rotina é desconfortável para quem está do outro lado mesa. E o que promove isso? Ignorância. Se o sujeito tivesse conhecimento, não reagiria dessa maneira. Ele também é vítima do processo. Basta me convencer que estou errado e eu mudo.

Talvez o ponto fraco de Carajás seja a questão dos guseiros. Ali o senhor acha que pode ter sido um erro?

Eliezer: Não fomos nós que fizemos gusa em carajás. Foram privados. Quando Carajás foi inaugurado, eu estava doente e tive que pedir demissão da presidência e voltei para a Europa. Aí aqueles guseiros se instalaram lá. Agora, isso já é um problema do governo federal. Um governo desses aí criou aquela história do Grande Carajás. Nos confundiram com o Grande Carajás. Foi um erro brutal, mas não foi um erro da Vale do Rio Doce. Não confundir o Grande Carajás com o Carajás da Vale do Rio Doce. Aquele problema do Grande Carajás foi criado no sentido de aproveitar a economia que iria se desenvolver lá no norte. Mas com boi não desenvolve coisa nenhuma. Onde entra o boi sai o homem. Boi é a coisa mais depreciativa para a terra. E para os recursos naturais. Um quilo de carne desde o dia que do nascimento até o dia que você abate o boi são alguns milhões de litros d’água que ele consome. Estamos fazendo, junto com o governo de Minas Gerais e Espírito Santo um estudo na bacia do Rio Doce, a mais degradada do Brasil. Terras completamente inúteis, que não servem para nada, em processo adiantado de desertificação, nascentes secando, tudo aquilo. Estamos fazendo um levantamento completo para fazer reflorestamento, criando novas leis florestais, mais adaptadas, para permitir a competitividade em áreas onduladas e de baixa pluviosidade, recuperação de nascentes, melhoramento da logística, no sentido de ‘door to door integrated logistics’, que é um conceito completamente diferente do que interpretam aí por logística. Muita gente pensa que é só transporte, mas é tudo. É tudo o que você gasta para levar uma coisa daqui para lá. Inclusive energia, telemática, tudo entra nisso.

Na sua visão não faz muito sentido a divisão de reflorestamento por um lado e restauração florestal por outro?

Eliezer: Não, é a mesma coisa. Tem aflorestamento, que é onde não tem nada. Reflorestamento, que é onde tinha e você está recuperando e o florestamento que é se você usa essências diferentes das que haviam lá. Acho que tem um nome específico para isso.

Pesquisando para fazer essa entrevista, encontrei uma entrevista com o senhor na internet que falava assim, o’ fazedor de catedral’. E fazer catedral é aquela história: você começa mas não é necessariamente para ver o produto de seu esforço acabado. É uma visão que vai além disso.

Eliezer: É isso aí. Isso é uma catedral, mas no benefício de todo mundo. Só que a catedral religiosa é só uma catedral simbólica. Você não vai chegar a lugar nenhum porque você não sabe para onde está indo. Agora, uma catedral em que você sabe para onde está indo, sabe que vai beneficiar meus netos, meus bisnetos e as pessoas todas que querem sobreviver nessa terra da maneira mais confortável possível. É minha obrigação fazer isso. O que farei com o conhecimento que adquiri só para mim? Isso é de uma estupidez brutal. Gastei um grande período da minha vida para aprender essas coisas, que me custaram trabalho, dinheiro, aborrecimento e tudo. Por que vou retê-las só para mim? Eu prefiro isso, trabalhar ajudando um ao outro e puxando todo mundo.

O senhor falando assim parece óbvio. Mas por que não é óbvio?

Eliezer: Não é óbvio por causa da educação, novamente. Agora, quando o próximo não quer trabalhar, não quer fazer nada, você tem que ter uma atitude diferente com ele. Os homens são diferentes. É o erro da palavra elite. Elite é uma palavra que vem do francês “Ce qu’il a de meilleur dans la boutique”. Então quando você tem 100 pessoas, você tem um objetivo específico para realizar uma coisa, deve-se pegar no meio delas as que podem fazer melhor. Não são as mais ricas, as mais bonitas, são aquelas que possam realizar aquele objetivo da melhor maneira possível. Isso que é elite.

Queria que o senhor falasse um pouco da história e o trabalho que vocês realizam lá na RPPN Eliezer Batista, que fica próxima a Corumbá (MT).

Eliezer: O levantamento científico foi todo feito. Agora, nós queremos começar a estudar aquilo cientificamente para saber o que aquelas plantas podem representar, mas não vamos mexer em nada. Fica como uma reserva e vamos estudar esse banco de dados. E aí vamos procurar cientistas brasileiros das nossas universidades de Campinas, USP, aqui do Rio, para estudar isso também.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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Parque no RJ novamente puxa recorde de turismo em UCs federais

Essas áreas protegidas receberam no ano passado 23,7 milhões de visitantes, sendo metade disso nos parques nacionais

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