Reportagens

De volta ao trânsito

O reinício das aulas é sinônimo de estresse onde há grande concentração de escolas. Os engarrafamentos constantes geram um vale tudo pelo transporte dos alunos.

Juliana Tinoco ·
3 de agosto de 2005 · 19 anos atrás

Na primeira semana de agosto, o carioca que já se acostumava com o trânsito mais livre do mês de férias volta a se estressar com os engarrafamentos escolares. Durante o período letivo, o horário do “rush” no Rio de Janeiro não é apenas o da saída do trabalho, mas também os de entrada e saída das crianças nos lugares onde há grande concentração de escolas.

Rua São Clemente, Botafogo, por volta do meio-dia. Cenário perfeito para uma experiência exasperante. Apenas em um trecho da rua há quatro escolas, sinônimos de congestionamento intenso de carros em pelo menos cinco horários diferentes: 11:20 da manhã, 12:00, 12:40, 13:30 e 17:00. É quando os alunos são liberados. O motorista de van Wellington Freitas, que transporta alunos do Santo Inácio, explica: “Os horários de saída são divididos. A cada duas séries, a criança passa a sair em um novo horário. Mesmo assim, o trânsito fica bastante congestionado na área”. Só esse colégio tem 3 mil alunos.

A escola conta com empresas de transporte para atender os alunos. “São por volta de 40 vans, mas às vezes não conseguimos parar em frente ao colégio, principalmente às cinco horas da tarde”, afirma Wellington. O colégio incentiva o uso dos dezoito ônibus conveniados com a escola, que efetuam o embarque dos alunos dentro do campo de futebol, sem engarrafar a rua. No entanto, o próprio assessor de imprensa da escola, Eduardo Monteiro, que também é pai de aluno, assume que faz uso do transporte de van: “Temos um contato mais pessoal com o motorista e a van acaba se tornando um prolongamento do ambiente escolar para as crianças”.

Consuelo Barbosa, mãe de duas meninas que estudam no Santo Inácio, teme pela segurança da menor: “Paro o meu carro bem mais para frente e espero elas virem. Não tem como parar em frente à escola. Sempre peço para a mais velha, que tem 12 anos, para acompanhar a mais nova até o carro”. Ela acha que o problema está na saída e entrada coincidente dos diversos turnos. “Enquanto uns saem ao meio-dia e meia, outros chegam à uma”, diz.

“Todo mundo sabe que em frente ao Santo Inácio é engarrafado, embora não seja o pior trecho, já que temos dois guardas municipais atuando em frente à escola”, afirma Eduardo. Os guardas, que não quiseram se identificar, garantem que, apesar do esforço em controlar o trânsito, a entrada e saída da escola influem negativamente no trânsito da rua. Afinal, a pista da direita fica inteiramente reservada para os carros dos pais à espera de seus filhos.

A Gávea é outro bairro carioca que abriga diversas escolas. São seis só na parte superior do bairro. Com um agravante: só existe uma via de acesso pela Zona Sul, em uma rua de pista simples. Raquel Brandão, moradora do bairro, muitas vezes usa o carro para buscar seu filho pequeno no Colégio Teresiano, na rua Marquês de São Vicente. “Venho de carro quando ele pede. O horário da saída, que é 17:30, não é tão tumultuado. O problema mesmo fica nos horários de 11:30 e 12:30. Aí o trânsito é infernal”. Os pais reclamam principalmente do fato de crianças e adolescentes terem de dividir o pequeno espaço de entrada e saída do colégio em horários parecidos. “Precisávamos de um guarda que coordenasse o trânsito, é muito díficil separar uma pista inteira da rua nos horários de maior fluxo do trânsito”, completa Raquel. Esta também é a opinião de Maria Martha, outra mãe de aluno do colégio. “Dou carona aos filhos de amigas, porém nem todos querem se responsabilizar pelos filhos dos outros. Normalmente, estaciono nas ruas transversais e venho buscar as crianças a pé”, conta.

Estacionar o carro em outra rua e andar até as escolas é uma solução que ajuda a minimizar os transtornos causados pela fila dupla de automóveis em frente aos colégios. No entanto, por falta de tempo ou de disposição, muitos pais não pensam nesta alternativa. Fernando Faraco, que oferece serviço de van para crianças do Teresiano, acredita que este é o principal problema. “Os pais simplesmente não têm bom senso. Param na porta da escola, atrapalhando o trânsito e o ir e vir das outras crianças. Eles deveriam deixar as pistas liberadas”. Fernando dá o exemplo: pára sua van em uma rua afastada da escola e busca as crianças a pé.

Myrna da Cunha, coordenadora da escola, diz que já houve um guarda atuando na rua, mas ultimamente suas aparições são ocasionais. Ela diz que as crianças correm também o risco de serem atropeladas, pois a escola se situa em uma ladeira por onde passam carros e ônibus em alta velocidade. “Deveriam colocar um quebra-molas ou um redutor sonoro. O risco de acidentes é alto. Já tivemos casos de freadas violentas aqui”, reclama Myrna.

Ali perto, na Estrada da Gávea, outra escola e mais problemas. A rua de mão única abriga a Escola Parque, onde técnicos especializados em trânsito montaram um sistema de baias, separadas por cones e cordas, que dividem a rua em duas mãos: uma de subida de carros, a outra só para a fila de pais que se forma. Apesar da tentativa de ordenar o fluxo, Celina Quadres, coordenadora operacional, garante que sempre há aqueles espertinhos que param fora da fila, atrapalhando o tráfego. “Se eu dissesse que o trânsito flui livremente nos horários de entrada e saída, estaria mentindo”, diz ela. A escola tem convênio com empresas de transporte escolar, mas não faz um trabalho especial de convencimento junto aos pais para que optem por essa alternativa.

Depois de muitas críticas, a escola alemã Corcovado está mostrando que é possível amenizar o problema. Localizada na problemática rua São Clemente, em Botafogo, ela foi acusada durante anos de ser a principal culpada pelo trânsito na região. Resolveu fazer um estacionamento interno, mas a decisão gerou uma longa batalha jurídica antes que a Prefeitura autorizasse a obra, pois o prédio é tombado: já foi a sede da Embaixada Americana no Brasil.

Comprovado que a memória nacional não se perderia, o estacionamento foi feito e hoje a Corcovado não dá muita dor de cabeça aos pais e moradores. Só um pouco. “Alguns pais ainda insistem em esperar do lado de fora por seus filhos. Mas isso já não é mais problema nosso. Criamos uma alternativa”, diz Luis Carlos dos Santos, porteiro da escola há anos. Isso sem falar nas vans ilegais, que continuam disputando alunos na rua.

O estacionamento é bem bolado. Tem sala de espera com ar-condicionado para que os alunos não respirem a fumaça dos carros. Todos os carros têm crachás e os ônibus escolares ficam dentro do estacionamento, facilitando a entrada e saída dos alunos. Para funcionários, a mensalidade sai a 50 reais por mês. Para os pais, é grátis.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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