Reportagens

Proibido se arriscar

Acidente leva à proibição da prática de rapel na ponte Sumaré, em São Paulo. Centenas de pessoas se reuniam no viaduto para praticar técnicas radicais.

Aline Ribeiro ·
4 de agosto de 2005 · 19 anos atrás

Paulistanos que praticavam esportes e técnicas radicais no viaduto Doutor Arnaldo, localizado sobre a avenida Sumaré (zona sudoeste de São Paulo), terão de procurar outros locais para despejar a adrenalina. No dia 6 de agosto, a subprefeitura da Lapa – que abrange a região – proibiu qualquer tipo de aventura na ponte que possa trazer riscos à vida. A decisão foi solicitada pelo presidente da São Paulo Turismo (SPTuris), Caio Luiz de Carvalho, depois que um rapeleiro caiu de uma altura aproximada de 27 metros e quebrou o braço, no último final de semana de julho.

Na ocasião, muitas pessoas circulavam embaixo do viaduto por causa do evento “Domingo no Sumaré”, quando a avenida fica fechada para a prática de atividades de lazer. “Poderia ter acontecido mais de um acidente, porque tinha muita gente ali embaixo quando o rapaz caiu”, enfatiza o subprefeito da Lapa, Paulo Bressan. Quando questionado sobre por que a medida foi tomada somente agora, depois de muitos anos do início da prática de esportes radicais no local, diz: “O fato de ser praticado há muito tempo não quer dizer que é certo”.

Bressan afirma que, por enquanto, esse tipo de atividade não será permitido na ponte Sumaré. “Se alguém entrar com um pedido de autorização, teremos de esperar para ver se será deferido ou indeferido. Até o momento, é proibido”. Outro problema apontado pelo subprefeito é que as equipes praticavam comércio no local. “Eles cobravam das pessoas para descerem nas cordas. É ilegal utilizar um espaço público para isso”, ressalta.

A medida não foi bem aceita pelos praticantes das técnicas radicais. Ávidos por emoção e desafios, os rapeleiros protestam. “O acidente foi só a gota d’água, pois já faz um certo tempo que eles estavam buscando uma desculpa para nos vetar. Vamos tentar reverter isso”, desabafa o programador Eddie Ramos, 24 anos, integrante da equipe Limite Vertical, formada há quase cinco anos.

Os esportistas alegam que, na maioria das vezes, os acidentes acontecem devido a atitudes inconseqüentes dos rapeleiros. O analista de sistemas Fábio Senna, 34 anos, que pratica rapel há mais de nove e diz ser um dos primeiros freqüentadores do local, conta que já houve quatro mortes no viaduto. “Muitos gostam de aparecer e ficam andando no parapeito da ponte. Um dos acidentes foi por causa disso. Mas também tem pessoas sérias, que praticam com segurança e responsabilidade”, ressalta.

O programador Eddie Ramos diz que, mesmo enquanto a atividade não é regulamentada, as equipes tentarão negociar com o município uma maneira de continuar a utilizar o viaduto. A estratégia prevista é cadastrar todos os que já fizeram curso da técnica e estão habilitados a praticar o esporte. “Ainda não sabemos muito bem como isso vai funcionar, mas já estamos discutindo uma maneira de mudar a situação. Na semana que vem, provavelmente, teremos uma reunião com a SPTuris para buscar soluções”. Mas o subprefeito da Lapa orta qualquer pretensão: “Não tem negociação. A reunião é só para eles exporem suas idéias”. guarda municipais e policiais militares já estão responsáveis pela fiscalização do local. Quem infringir a norma poderá ter o equipamento apreendido.

Antes da proibição, era comum ver centenas de pessoas penduradas em cordas no precipício do viaduto. Semanas atrás, a reportagem do O Eco acompanhou integrantes da Limite Vertical numa aventura. Por volta das 9 horas da manhã, para muitos um horário ingrato em um sábado de inverno, as equipes já começavam a chegar. Levando equipamentos coloridos e pesados, procuravam um local apropriado para amarrar a corda no concreto com segurança. Ou melhor, em termos técnicos, para fazer a ancoragem. Desensacavam as peças e começavam a montar, cuidadosamente, o aparato imprescindível para as horas seguintes de diversão. Depois de tudo – mosquetão, freio oito, cadeirinha, corda e fita – devidamente preso e verificado, era hora de aguçar o medo e provocar a adrenalina.

Com cerca de 30 metros de altura, a ponte Sumaré era praticamente o único local da cidade adequado a esse tipo de esporte. Além disso, por ser ao lado do metrô, é um ponto de fácil acesso. Já houve dias em que o viaduto foi disputado por cerca de 300 pessoas. “Se vier um pouco tarde, já fica difícil pegar um ponto que dê para armar o equipamento”, conta Senna.

Ele lembra que, no início, poucos tinham coragem de se aventurar na ponte. “As pessoas achavam muito perigoso. Passavam e diziam: “Vocês são loucos de ficar se pendurando aí’”, diz Senna. Aos poucos, os moradores da região, pedestres que atravessam o viaduto e passageiros do metrô ali ao lado se acostumaram a ver a ousadia dos atletas. Ainda assim, eles eram uma atração. “Olha lá, Pedro”, dizia um velhinho espantado, apontando ao neto a peripécia dos esportistas que desciam o viaduto com toda a tranqüilidade.

Sem quase nenhuma outra opção para a prática do rapel, era em meio ao concreto, poluição e uma paisagem nem tão atraente que os atletas se divertiam e exercitavam. Agora que o viaduto está vetado, resta aos aventureiros procurar outras construções ou prédios altos, e pedir autorização ao responsável. Com cerca de 100 metros de altura, o Hospital Emílio Ribas — na avenida Doutor Arnaldo, quase esquina com a avenida Rebouças — é um dos alvos dos esportistas. “Mas já vi casos de os seguranças de lá impedirem a descida”, revela Senna.

Torres de caixa d’água, prédio desativados e antenas são os locais onde se faz rapel clandestinamente. “No prédio da Companhia Energética de São Paulo (entre as avenidas Juscelino Kubtischeck e Nações Unidas) era bem comum a prática do rapel. O pessoal pulava o muro, subia o prédio e descia, mas desde que as obras foram reiniciadas, isso deixou de ser possível”, recorda o analista de sistemas.

Já o pessoal do Sumaré procurava diversificar. Além do rapel, a tiroleza também era muito comum na ponte. Trata-se de uma técnica de travessia ancorada em um cabo, originalmente utilizada em resgates. Essa aventura é mais trabalhosa: o equipamento demora cerca de duas horas para ser montado e depende da colaboração de seis pessoas.

A cada dois meses, Senna e sua equipe Limite Vertical costumavam organizar um evento para convidar pessoas a fazerem tiroleza na ponte. Amarrados a uma cadeirinha, os aventureiros atravessavam cerca de 80 metros de extensão pendurados numa corda que liga o viaduto a uma árvore da avenida Paulo VI, que passa embaixo da Sumaré. Por 30 reais, era possível descer duas vezes. Normalmente, a tiroleza era feita no período da noite. “O clima é outro. À noite a paisagem muda. É completamente diferente”, comenta Ramos.

Antes da censura em função do último acidente, autoridades pareciam não se incomodar com os esportistas radicais urbanos. “Enquanto eu estava lá embaixo fazendo a segurança (segurar a corda enquanto outras pessoas descem de rapel), passaram dois carros: um com policiais e outro da CET (Companhia de Engenharia e Tráfego). Ficaram olhando, mas não disseram nada”, conta a jornalista Beatriz Gagliardo, 23 anos, outra integrante da equipe.

* Aline Ribeiro é repórter em São Paulo e, atualmente, colabora com a revista Exame.

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