Existe uma maneira bastante eficaz de desfazer a idéia de que o Brasil é um país de belezas e riquezas únicas no mundo. Como bem escreveu Marcos Sá Corrêa em um artigo na revista TAM Magazine do mês de agosto, distribuída nas aeronaves da companhia, deveria ser uma obrigação cívica ver o país em que se vive a bordo de um avião em tempos de estiagem. Na realidade, em qualquer época. Basta ficar grudado na janela.
A sensação de que nascemos num país bonito e vamos morrer num país feio é lamentável e terrivelmente verídica. Mais impressionante ainda quando a viagem é guinada para o oeste do Brasil, onde nem com céu de brigadeiro foi possível identificar sequer um pedaço de paisagem natural preservado.
Partindo do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, pouco depois das sete e meia da manhã, a vista é sempre bela. As nuvens que quase tocavam o espelho d’água da baía de Guanabara e que desenhavam uma saia aos pés das imponentes montanhas da Serra dos Órgãos sob os primeiros raios de sol ficaram guardadas na memória como algo esplendoroso. Pena que, por morar na cidade, aquilo já não pareça tão perfeito. Os cariocas sabem que na água e na vegetação de baixada tudo está poluído e praticamente sem vida. Durante uma viagem entre o Rio e Cuiabá, mesmo suja, esta foi uma das únicas vistas plasticamente interessantes.
Nos minutos que se seguiram, a aeronave cruzou o território fluminense no sentido de Belo Horizonte. Ao superar a baixada litorânea completamente urbanizada e os altos picos de Teresópolis, o relevo conhecido como mares de morros começou a surgir. Os morros ainda estavam ali, mas a vegetação não. Estão todos carecas, com ridículos fragmentos de mata ora no topo dos montes, ora nos vales. Praticamente tudo fazenda, as finas estradas de terra não deixam dúvidas.
A paisagem só começou a mudar quando as Alterosas indicaram que a capital mineira estava próxima. Mas com outros sinais nem um pouco meritosos. A atividade mineradora se intensifica nessa região e é de chorar ver tantas montanhas esquartejadas pelas máquinas que revolvem a terra. O solo avermelhado fica exposto e os morros viram depressões em camadas.
De Belo Horizonte a Brasília a expectativa era de ver o Cerrado. Não deu. A partir da capital mineira as propriedades geometricamente definidas começam a ficar maiores, com marcas de que a lavoura desgasta o solo há muitos anos. Também não foi possível identificar o tipo de cultura que tomava todo aquele espaço. Tomara que pela altitude da aeronave, já que existe a pouco remota suspeita de que, pelo tom amarelado de tudo lá embaixo, não havia mesmo nada. Rios um pouco mais largos passaram a ser visíveis a partir de Minas. E, risivelmente, existia sim vegetação nativa mantida em suas margens. Mas só pra constar. Meus conhecimentos pífios de ecologia me levam a duvidar dos benefícios que aquelas tirinhas de cerca de dez metros de mata beirando os rios trazem nas imensas áreas de lavoura que sufocam os mananciais. Mas, de todo modo, estão ali, para provar que as Áreas de Preservação Permanentes foram mantidas.
Era desesperador perceber que Brasília não fica no meio do Cerrado. Fica no meio dos lotes agrários, que, por sinal, se tornavam ainda maiores na medida em que a aeronave guinava para Cuiabá. Ainda sobre Goiás, as propriedades conseguiam ser maiores do que no trecho mineiro da viagem. E nada de Cerrado. O máximo que dava para ver eram áreas de morros e chapadões com certa extensão de vegetação supostamente preservada – ou o que conseguia escapar do loteamento. Rios aparentemente mais importantes aos encontrados até então corriam com sinais de assoreamento. A mais de dez mil metros de altura dava pra ver, em alguns deles, o solo invadindo seus leitos.
Mato Grosso se aproximava quando comecei a ver as queimadas. Não muitas, é verdade, mas algumas que produziam nuvens de fumaça tão espessas como aquelas temidas pelos mais experientes aviadores. Para minha surpresa, os pastos e as áreas de lavoura conseguiam ser ainda mais gigantescos. Foi assim até chegar a Cuiabá, à exceção dos minutos finais da viagem, quando despontou, ao longe, a imponente Chapada dos Guimarães. Ao pôr os pés em solo mato-grossense fui recepcionada por uma fina fuligem que caía do céu. Era o desfecho desolador de ter cruzado o país no sentido leste-oeste e de não ter visto praticamente outra coisa além de propriedades rurais.
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